Escrevi, há uma semana, uma publicação no Instagram que começava assim:

Nasci na cidade, cresci junto ao mar, naquele tempo em que íamos a pé para a escola. Brincávamos na rua ou nos terrenos baldios ali ao lado de casa, para voltarmos sujos e felizes. Lembro-me de ir à baixa, em Lisboa, fazer compras com a minha mãe. Sonhava viver na cidade e foi a primeira coisa que fiz assim que pude. Depois arrisquei sonhar viver numa cidade ainda maior. Agora sinto novamente o apelo daquela paz que já não existe. A linha de Cascais cresceu depressa e mal. Apesar de ainda ser um local fantástico, não é a mesma coisa. Ou talvez eu não seja a mesma e queira algo que não existe: uma vila à beira mar com tudo o que tem a cidade sem a confusão que agora caracteriza cidades como Lisboa.

Nestas coisas dos social media existimos para ver e ser vistos. Nem sempre queremos ver as coisas como elas são. Fui - ainda sou?... - a menina bonita do politicamente correcto, sempre com medo de ofender e, com isso, ser ofendida. Comentários maus há em todo o lado, mas, na verdade, ninguém gosta dos receber. A vida em tons de rosa é tão mais simples mas, ao mesmo tempo, enfadonha. Sabemos que não é possível agradar a todos e, no entanto, lá estamos nós, diariamente, nesse sacrifício da consensualidade para nos protegermos da crítica. Contudo, é a crítica que nos faz crescer, que pode valorizar o nosso trabalho, apontando caminhos, fazendo-nos perceber que tipo de pessoas se interessa por aquilo que fazemos. Fugimos dela como o diabo da cruz e, invariavelmente, acabamos a dizer que não sabemos o que estamos a fazer errado. Nada. O problema não é o que fazemos errado. É, simplesmente, o que não fazemos.

Disseram-nos que a vida deveria ser vivida de uma determinada maneira. Ficámos reféns desse princípio e, sempre que ousamos pensar que poderia ser diferente o universo encarrega-se de nos mostrar que não. Sabem uma coisa? Pode.

Há muito que me questiono sobre a razão pela qual as pessoas vivem como formigas, em casas pequenas, ruas apertadas em bairros igualmente claustrofóbicos, entrando no seu carro pela manhã para passarem o dia sentadas em cadeiras pouco ergonómicas, edifícios estranhos ou demasiados modernos, ocupando o seu dia fazendo algo que, na verdade, não as preenche, voltando ao final do dia nas mesmas condições, em filas de trânsito intermináveis ou transportes suados e sobrelotados, numa rotina que se repete todos os dias da semana. Não entendo prédios enormes a rasgar o céu para encaixotar pessoas e chamar-lhes casa. Sem varandas, sem charme, sem história, com preços exorbitantes e, por vezes, condições degradantes, numa urbanização desmedida e desorganizada.

Farta da pressa, da urgência que não tem relevância, do excesso, da comida processada, da confusão instalada. Há muitos anos aconteceu-me algo semelhante, decidi mudar de ares mas não consegui adaptar-me. Voltei à cidade, convencida de que aqui seria o meu lugar, mulher urbana e cosmopolita que não valoriza a tranquilidade que uma cidade mais pequena representa. Sinto novamente essa necessidade elevada à potência. O mar. Adormecer com o som das ondas, ao fundo. Sentir o cheiro e a humidade que o vento transporta até terra e nos entra janelas dentro.

Na verdade, como eu, outros assim, com a prancha de surf encostada meses seguidos, sem tempo, ou paciência, para a mergulhar no mar. O ginásio no qual nos fechamos no centro da cidade. O ar irrespirável, como o ar pesado, na rua, com automóveis em contínua circulação.

É quando regresso, depois de um dia em campo aberto, que percebo como tudo isto nos prejudica, dia após dia. A poluição excessiva do ar, e do que nos rodeia, o ruído que nos impede de pensar. Aquilo que construímos para nós e a que chamamos cidade está, lentamente, a matar-nos.

O clique deu-se um dia, à chegada a Lisboa, olhando os edifícios e a falta de horizonte. A cidade que eu sempre amei parecia, naquele dia, tudo menos acolhedora. Há muito que penso em mudar-me para uma zona mais tranquila, decisão adiada sempre que procuramos um destino que corresponda às expectativas. Não há, neste momento, nenhum bairro na cidade que grite o meu nome e a ideia de ficar dependente dos humores do trânsito duas vezes ao dia, simplesmente não faz parte da equação. E, mesmo que existisse, não o poderia pagar. Lisboa está arrogantemente a cometer erros do passado, afastando os lisboetas da cidade - a sua cidade - para os trocar por aparentes novos ricos - que podem pagar mas não sabem o que significa a palavra Lisboa - e a imitar os erros dos outros, copiando o pior que se fez, em termos turísticos, em cidades aqui ao mesmo lado. A ganância está à vista e aquele sentidozinho de oportunidade do verdadeiro tuga está ao rubro, para aproveitar o negócio, explorando-o até ao limite do possível sem o tornar sustentável.

Dizem que não é uma moda e tal que isto está para durar. Acredito que sim porque a cidade tem os encantos que a maior parte dos viajantes ainda não tinha descoberto. Mas tem os seus problemas que estão a ser ignorados, mascarados, disfarçados com make up barata que estraga a pele e não se aguenta, intacta, até ao fim do dia. A culpa, como sempre, não é de ninguém, mas eu sei que já há pessoas a arrendarem lojas para viver, famílias a dividirem apartamentos e muita gente em pânico, pensando no dia em que irá terminar o seu contrato de arrendamento, ao mesmo tempo que a verdadeira ganância começa a colocar os apartamentos de arrendamento local para venda porque, afinal, com esta inflação de quase 6% em relação ao ano passado, rende mais vender um cochicho numa zona velha - mas cheia de charme e bem localizado - do que deixar o apartamento a render aos bocadinhos no Airbnb. É que bem vistas as coisas, isto de crowd não sei o quê não é só facilidades: não só o Estado também quer ganhar como se a casa não for mesmo boa o pessoal põe a boca no trombone e lá se vai o rendimento...

Precisamos de uma cidade organizada de forma diferente, pensada para as pessoas que cá vivem e não se mudarão de acordo com as trends e as modas, orientando a sua configuração para as suas necessidades. Uma cidade na qual caminhar ou circular de bicicleta não esteja confinado a zonas ribeirinhas e aos dias de fim-de-semana, com uma relação lógica entre zonas residenciais e empresariais, uma rede de transportes na qual dê prazer circular e, principalmente, com preços que os locais possam pagar.