Há um super herói em cada um de nós, disso não tenho qualquer dúvida. O Super Homem é mais do que uma personagem ficcionada cuja força invulnerável salva o mundo. Os heróis da banda desenhada são quase sempre humanos (transformados por alguma razão transcendente) na luta pelo bem. São cada um de nós. À nossa maneira e medida, salvamos o dia e isso, na maior parte das vezes, vale tanto quanto salvar o mundo. Apesar da óbvia distinção de género, não vejo o mundo separado entre homens e mulheres. Preocupam-me as pessoas, as suas relações e o seu papel social. Há no entanto, preconceito a mais que recai sobre as mulheres e homens que se queixam exactamente do mesmo, sem perceberem que estão a contribuir para o estado das coisas quando, efectivamente, o querem mudar. Também são as mulheres as suas maiores inimigas porque fazerem prevalecer papéis de género ultrapassados, por acenarem com preconceito umas para as outras, reforçarem as ideias de atribuição fechada a determinados papéis sociais e, sobretudo, repetirem o machismo nas afirmações ou atitudes contra as quais se revoltam quotidianamente. Todos os super heróis têm a sua “kriptonite” e nós, mulheres, também. Chama-se ideia preconcebida, é muito difícil de lhe resistir e pior, ainda, de eliminar da face da terra.

Lá atrás no tempo Joe Shuster e Jerry Siegel inventaram a figura do apático jornalista que é, na verdade, o super homem que nos livra a todos do mal. Criado na década de 1930, no pós-guerra e em plena depressão económica norte-americana, o Super Homem é uma representação simbólica da mitologia na luta entre o bem e o mal com contornos actuais: o capitalismo selvagem, o desemprego, a guerra iminente, políticos corruptos, terrorismo, luta de classes, egos e desigualdades sociais. Umberto Eco observou, e bem, que nada nesta figura do Super Homem contribui para a mudança porque ele é uma representação do status quo, mantendo a sociedade inalterada. A salvo, mas cada vez mais na mesma, contribuindo para a máquina de comunicação que reforça os valores que (supostamente) devemos defender, reafirmando sempre o mesmo modelo de sociedade.

E ela? Como surgiu uma mulher com super poderes?

Em plena 2ª Guerra Mundial a Super Mulher assumiu-se como uma representação da mulher na sociedade de então, chamada a colaborar activamente com a partida dos homens para a Guerra: nas fábricas de armamento e em todos os sectores, muitas mulheres arregaçaram as mangas e saíram de casa para trabalhar. Abriu-se uma caixa de Pandora e não havia como regressar ao paradigma anterior. A Guerra terminou e os papéis de género deveriam ser retomados. Não foram e o mundo nunca mais foi o mesmo, porque as mulheres (muitas mulheres) optaram por seguir a sua vida, reivindicando autonomia, independência e participação activa na sociedade.

Bem-vindas a um mundo de homens. Obrigada a todos os que contribuíram (contribuem) para que sejamos super mulheres que abrem janelas onde as portas se fecham.

Criada por um homem mas inspirada numa mulher (com comportamentos, atitudes e um perfil pouco convencional para a época), a Mulher Maravilha é claramente a iconografia que Beyoncé recupera quando grita “who run the world? GIRLS”, representando o tipo de mulher que deverá “run the world” [governar o mundo]. Esta semana estreia o filme Mulher Maravilha e não consigo deixar de pensar naquilo que está para além do impacto visual da história que nos leva ao cinema. Vamos para não pensar, mas saímos da sala sob o impacto da mensagem, influenciados por uma personagem que é optimista sem ser inocente, corajosa sem ser ameaçadora, humanizada apesar das suas características sobre-humanas. Ficamos, acima de tudo, inspirados porque, intrinsecamente, se fala da condição humana, ou docemente apaixonados pela forma como a personagem secundária, Etta Candy, representa a mulher num mundo tão masculino porque, afinal, são precisos homens para que existam super mulheres. Obrigada.