Crónica o sapo e o escorpião — imagens finais
créditos: MadreMedia

Marcelo não usou a bomba atómica, mas neste momento Costa e Galamba talvez tivessem preferido. O escorpião desta semana é Marcelo, e é-o não por ter prometido uma coisa e ter dado outra, mas sim por não conseguir fugir à sua natureza. Marcelo nunca escondeu que estava de bem com o governo, até não estar. Aliás, olhando para a vida política (e jornalística) de Marcelo, este parece ser o mote para todas as suas decisões.

O Presidente da República mais que querer ficar com a última palavra, quis mostrar que a palavra dele ainda vale, e que acima de tudo não o tomam por sapo. Agora está "vigilante". Marcelo, usou do papel de estadista para proteger o Estado, do estado de sítio em que estava. E Costa, que lhe quis mostrar que também sabe passar a perna, acabou no charco com um Ministro que já estava encharcado. É que Costa é um político experiente, e sabe bem que um Presidente dos Afetos "atento", é pior que uma oposição com vontade de poder. Já dizia Hugo Mendes, o Presidente "pode tornar-se no nosso pior pesadelo". E foi isso a que se assistiu na noite de quinta-feira.

Era uma vez um escorpião que pediu a um sapo que o ajudasse a atravessar um rio. O sapo recusou, pois o risco de ser picado pelo escorpião e de morrer na travessia era grande. O escorpião, todavia, garantiu-lhe que isso não iria acontecer — ou não fosse fatal para o próprio, que não sabia nadar. O sapo acedeu, o escorpião apanhou a boleia e... finaram-se os dois a meio do caminho. Moral? Por vezes é mesmo difícil escapar à nossa natureza.

Depois de um ano de conversas entre Isabel Tavares e uma série de políticos, analistas e especialistas da nossa praça sobre os temas que marcaram a atualidade em 2022, a fábula serve agora de mote para uma rubrica onde se olha para a atualidade procurando saber quem foi sapo e quem foi escorpião da semana que passou.

Marcelo soube fazer o país esperar pela comunicação de quem agora tem o poder. Desta vez, já não ameaçou com a dissolução e, António Costa sabe-o, isso só quer dizer que a próxima vez que o disser vai ser porque a está a usar. Aliás, se o Primeiro Ministro começou o dia a dizer que se devia olhar para o Sol por estar tão bonito, não sabia que era quando ele se pusesse que a sua noite ia ficar feia. E se de manhã fazia jogos de palavras para pôr uma pedra na não aceitação da demissão, à noite as palavras atingiram-no como uma pedra.

Marcelo não fugiu, usou-as todas: "rocambolescas, muito bizarras, inadmissíveis ou deploráveis". Os adjectivos que Costa tinha usado no dia anterior para justificar a não aceitação da demissão de Galamba, foram as munições que Marcelo usou contra o PM. E, caso alguém não tivesse percebido, assinalou, "as palavras não são minhas". Se fosse preciso uma imagem da ideia de 'se envenenar nas próprias palavras', seria esta. E, mais uma vez, o Presidente da República não deixou aso a interpretações, "a responsabilidade política e administrativa é essencial para que os Portugueses acreditem naquelas e naqueles que governam".

O jogo de forças mudou, e Presidente da República e Primeiro-Ministro deixarão de andar à deriva no lago, no mesmo nenúfar. Para os portugueses, só pode querer dizer que as águas ficarão mais limpas.

Crónica o sapo e o escorpião — imagens finais
créditos: MadreMedia

O Sapo desta semana foi teimoso, achou sempre que podia vencer o escorpião. Que tinha sido seu aluno, e que o aprendiz tinha virado mestre. Mas a António Costa falta em sentido Estado, o que Marcelo tem em manha política e, assim, acabou envenenado em praça pública à hora do jantar das famílias.

O jogo político da teimosia de António Costa em manter Galamba seria, pensou o Primeiro Ministro, um aviso a Marcelo e uma forma de gerir a própria casa. Nesta última, defendia o benjamim, garantia a sucessão e aproximava as bases do partido que estavam a perder-se. É certo que o Primeiro-Ministro não tem sido conhecido por demitir Ministros consoante manda o barómetro mediático. Mas, até aqui, o barómetro Marcelo era ouvido.

Costa fez braço de ferro e, ao fazê-lo, jogou um jogo perigoso. No dia do seu discurso lembrou os portugueses que não gosta de mudanças. Que não há consequências, e que ninguém sai do lago não importa o quanto o polua. Adalberto Campos Fernandes, ex-Ministro de Costa, escreveu no Twitter a propósito do caso que "o relativismo moral é a ausência de definições sobre valores objetivos. Ninguém está errado. A verdade depende apenas do que cada um considera verdadeiro. Em política a sua utilidade conjuntural não elimina o risco estratégico."

E, neste caso, Costa arriscou tudo com a estratégia. Mas nunca teve uma mão vencedora, apenas uma mão cheia de Galamba. Agora governará numa espécie de governo mais-que-semi-presidencial, onde Marcelo será a sua sombra. Onde a rua não se vai calar, e numa altura política em que os deputados afiam as facas antes das comissões de inquérito.

No momento em que escrevo esta crónica acredito que Costa se envenenou no seu próprio jogo, "bebendo a sua própria morte". Mas já vemos Costa no poder há demasiados anos para saber que é possível que tenha uma cartada no bolso, e que daqui a uma semana o estejamos a aplaudir de pé.