Esta terça-feira, o primeiro-ministro esteve reunido com o presidente da República no Palácio de Belém, a quem solicitou uma audiência, depois de durante a manhã ter recebido João Galamba em São Bento.
Anunciava-se uma demissão iminente no Governo e, pouco antes das 20h00, chegou a confirmação: o ministro das Infraestruturas tinha apresentado a demissão. Parecia o fim da carreira política de João Galamba no governo - mas não. Às 20h45, António Costa falava em conferência de imprensa a partir do ministério das Infraestruturas e comunicava ao país que não aceitava o pedido de demissão, que caracterizou como "um gesto nobre".
O filme dos acontecimentos tornou-se especialmente singular a partir de 26 de abril, data da exoneração de Frederico Pinheiro, adjunto do gabinete do ministro das Infraestruturas, apenas tornada pública a 28 de abril.
À notícia da exoneração seguiu-se a acusação por parte de Frederico Pinheiro de João Galamba ter querido mentir à Comissão de Inquérito da TAP.
No dia seguinte, 29 de abril, o ministro das Infraestruturas convocava uma conferência de imprensa em que descreveu os acontecimentos que terão tido lugar no ministério a 25 de abril, aquando da ida de Frederico Pinheiro às instalações onde trabalhava para levar o computador de serviço - situação que envolveu, segundo João Galamba, agressões, chamada da PSP e posteriormente do SIS e da PJ.
O pedido de demissão do ministro das Infraestruturas chega na sequência desta polémica entre João Galamba e o ex-adjunto Frederico Pinheiro em torno de informações a prestar à comissão parlamentar sobre a gestão da TAP, num caso em foram noticiados episódios de violência física no ministério e um alegado furto de um computador do Estado, que terá motivado a intervenção do Serviço de Informações e Segurança (SIS).
Vamos rever em detalhe as principais datas desta cronologia de acontecimentos.
O que aconteceu com Frederico Pinheiro?
O adjunto do gabinete do ministro das Infraestruturas Frederico Pinheiro foi exonerado na quarta-feira, 26 de abril, confirmou o gabinete de João Galamba à Lusa.
Segundo a mesma resposta, “conforme descrito no despacho a publicar em Diário da República, o adjunto em causa adotou ‘comportamentos incompatíveis com os deveres e responsabilidades inerentes ao exercício das suas funções num gabinete ministerial’”.
A confirmação veio depois de o Expresso ter avançado, a 28 de abril, que “Frederico Pinheiro, o adjunto que coordenou a ‘reunião secreta do PS com a ex-CEO [presidente executiva] da TAP, foi exonerado por Galamba”.
Após a notícia surgir, o adjunto exonerado do ministro João Galamba, Frederico Pinheiro, acusou o Ministério das Infraestruturas de querer omitir informação à comissão de inquérito à TAP sobre a “reunião preparatória” com a ex-CEO.
“No dia 16 de janeiro de 2023, de manhã, realizou-se uma reunião preparatória na qual participaram o ministro das Infraestruturas, João Galamba, a então CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener, Frederico Pinheiro, adjunto do ministro, e Manuela Simões, diretora do departamento jurídico da TAP”, que teve como objetivo “articular com a TAP a gestão da informação a ser efetuada pela CEO na audição parlamentar agendada para essa semana, dia 18 de janeiro”, pode ler-se num comunicado enviado à Lusa.
Segundo Frederico Pinheiro, nesta reunião, João Galamba informou a ex-CEO de que se iria realizar, no dia seguinte, uma “reunião preparatória da audição parlamentar entre o grupo parlamentar do PS e o Ministério das Infraestruturas”.
“Nesse dia 16 de janeiro à tarde a CEO da TAP comunica por telefone ao adjunto Frederico Pinheiro a intenção de participar na reunião preparatória do dia seguinte, entre o Ministério das Infraestruturas e o GPPS [grupo parlamentar do PS]”, refere a nota.
Frederico Pinheiro diz ter informado por escrito o ministro da intenção da TAP de participar na reunião, tendo sido dada autorização.
Além disso, “o adjunto Frederico Pinheiro indica ter tomado notas da reunião [de 17 de janeiro], que registou no computador. Resumiam o que tinha sido abordado" naquele encontro, bem como numa outra reunião realizada um dia antes.
Segundo o comunicado, partilhou, "oralmente, os seus apontamentos, tendo ficado claro que, naquela reunião de 17 de janeiro, tinham sido articuladas perguntas a serem efetuadas pelo GPPS [grupo parlamentar do PS] e tinham sido referidas as respostas e a estratégia comunicacional da CEO da TAP”.
De acordo com o adjunto exonerado, “ficou indicado que, em caso de requerimento pela comissão parlamentar de inquérito, as notas não seriam partilhadas por serem um documento informal”.
Frederico Pinheiro diz também que não concordou com um comunicado enviado pelo Ministério das Infraestruturas, em 6 de abril, onde se indica que o então adjunto tinha estado presente na referida reunião preparatória.
“Entretanto, a 24 de abril é indicado a Frederico Pinheiro pela técnica Cátia Rosas que o gabinete ia responder à CPI, no âmbito de um requerimento, que não existiam notas da reunião”, refere o comunicado, acrescentando que “nesse momento, Frederico Pinheiro indica à técnica que, como sabia, tal era falso e que, no seguimento do comunicado do Ministério das Infraestruturas de dia 6 de abril, era provável que Frederico Pinheiro fosse chamado à CPI e que, nesse momento, seria obrigado a contradizer a informação que estava naquela resposta", com a qual discordava.
Contactado por João Galamba, na terça-feira, 25 de abril, Frederico Pinheiro terá deixado “claro que a decisão que tomaram de não revelar a existência das notas teria de ser revista”. “João Galamba teve uma reação irada”, refere o comunicado.
O adjunto exonerado diz que, na terça-feira à noite, enviou ao ministro, por ‘email’, as notas das reuniões de 16 e 17 de janeiro, acompanhadas por uma sugestão de mudança na resposta a enviar à comissão de inquérito.
No dia seguinte, João Galamba ligou a Frederico Pinheiro “a comunicar que estava despedido”, lê-se na nota.
Já a 1 de maio, o ex-adjunto do ministro das Infraestruturas escreveu ao presidente da comissão parlamentar de inquérito (CPI) à gestão da TAP para expressar “total disponibilidade” para ser ouvido pelos deputados, revelou Frederico Pinheiro à Lusa.
A audição de Frederico Pinheiro no âmbito da comissão de inquérito à tutela política da gestão da TAP tem vindo a ser requerida por vários partidos. Os requerimentos para a audição do adjunto exonerado do ministro João Galamba não foram ainda aprovados.
A negação de Galamba
Em resposta à acusação do adjunto, o ministro das Infraestruturas, João Galamba, negou as acusações de ter querido omitir informação à comissão de inquérito à TAP.
“O ministro das Infraestruturas nega categoricamente qualquer acusação de que, por qualquer forma, tenha procurado condicionar ou omitir informação prestada à CPI [comissão parlamentar de inquérito] da TAP”, lê-se numa nota enviada pelo ministério às redações.
No mesmo comunicado, o gabinete de João Galamba refere ainda que, “pelo contrário”, “toda a documentação solicitada pela CPI foi integralmente facultada”.
“A propósito da exoneração de Frederico Pinheiro, esclarece-se que a mesma decorre do facto de o então adjunto ter repetidamente negado a existência de notas de reunião que eram solicitadas pela CPI, o que poderia ter levado a uma resposta errada à CPI por parte do Gabinete do MI [Ministério das Infraestruturas]”, lê-se ainda.
Posteriormente, em conferência de imprensa a 29 de abril, Galamba considerou ter “todas as condições” para estar no Governo, negou contradições e realçou que os factos mostram que houve cooperação com a comissão de inquérito à TAP.
“Eu entendo que tenho todas as condições para participar neste Governo e estou aqui de facto como ministro das Infraestruturas neste Governo”, afirmou João Galamba, em conferência de imprensa, em Lisboa, após o caso da divulgação de notas do adjunto exonerado Frederico Pinheiro.
“Os factos mostram que não se trata aqui de haver versões contraditórias. […] Os factos são claros, diria mesmo cristalinos, e demonstram à sociedade os esforços de todos os elementos da minha equipa, nas insistências reiteradas para que tudo fosse recolhido”, acrescentou.
“O Ministério das Infraestruturas nunca quis ocultar a existência de quaisquer notas à CPI, antes pelo contrário, uma vez que o Ministério das Infraestruturas pediu a prorrogação do prazo precisamente para poder enviar toda a informação”, realçou o ministro.
O computador
Após a exoneração do adjunto, depois de regressar de uma viagem oficial a Singapura, João Galamba relatou que Frederico Pinheiro se dirigiu às instalações do ministério, em Lisboa, “procurando levar o computador de serviço”, “recorrendo à violência junto de uma chefe de gabinete e de uma assessora”.
João Galamba deixou ainda uma mensagem de agradecimento e apoio às profissionais, presentes na sala da conferência de imprensa, lamentando que tenham sido “alvo de uma bárbara agressão” naquele ministério.
Na sequência do incidente, que levou cinco pessoas a fecharem-se numa das casas de banho do ministério, “com medo”, segundo o ministro, foram contactadas a Polícia Judiciária e o Serviço de Informações de Segurança (SIS), uma vez que Frederico Pinheiro levou consigo o computador de serviço, que continha informações classificadas.
“Eu não estava no ministério quando aconteceu a agressão à minha chefe de gabinete e à minha adjunta. Liguei imediatamente ao senhor primeiro-ministro. O senhor ministro estava, penso que a conduzir, e não atendeu. Liguei ao secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro a quem reportei este facto. Julgo que estava ao lado do secretário de estado, também junto do primeiro-ministro, da Modernização Administrativa”, referiu.
Segundo o ministro, aquilo que lhe foi transmitido neste telefonema foi que “devia falar com a ministra da Justiça”, o que garante ter feito.
“Reportei o facto e disseram-me que o meu gabinete devia comunicar estes factos àquelas duas autoridades, coisa que fizemos”, explicou, referindo-se ao SIS e à Polícia Judiciária.
A resposta das autoridades — e de Costa
O Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) esclareceu hoje que por sua própria iniciativa pediu informações sobre a intervenção do Serviço de Informações e Segurança (SIS) no caso da recuperação do computador atribuído a um ex-adjunto governamental com informação classificada.
O SIRP é o organismo público que tem a responsabilidade de prestar apoio ao decisor político, antecipando e avaliando as diferentes ameaças que visem Portugal e os seus interesses: a segurança interna e externa, a independência, os interesses nacionais, a integridade da unidade do Estado. Integra o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e o Serviço de Informações de Segurança (SIS).
Na segunda-feira à noite, numa entrevista à RTP3, o primeiro-ministro, António Costa, garantiu que não foi informado do envolvimento do SIS na recuperação do computador e que ninguém do Governo deu ordens aos serviços de informação para fazerem o que quer que fosse.
O primeiro-ministro acrescentou que houve um comportamento que lhe parece adequado, que foi o de, “perante um roubo de um computador”, ser dado um alerta e, em função desse alerta, as autoridades atuarem.
O primeiro-ministro classificou ainda como inadmissíveis os acontecimentos recentes que envolvem o ministro das Infraestruturas, mas considerou que João Galamba agiu bem.
Comentando pela primeira vez o caso que envolve o ministro João Galamba e o seu ex-adjunto, Frederico Pinheiro, António Costa considerou que o que se passou “nem a título de exceção é admissível” e que não é o padrão nem a regra de funcionamento de nenhum Governo.
Em entrevista na RTP3, o primeiro-ministro acrescentou no entanto que não falava do comportamento de João Galamba “porque é obviamente legítimo que um ministro demita um colaborador em quem perdeu confiança”.
“É muito claro para mim que o ministro não escondeu nem pretendeu esconder qualquer documento da comissão parlamentar de inquérito (sobre a TAP) e entregou à comissão parlamentar de inquérito os documentos que estavam em causa. Acho normal que, perante o roubo de um computador que tem documentos classificados, haja um alerta e que as autoridades atuem em conformidade”, disse António Costa.
O chefe do Governo garantiu que não foi informado do envolvimento do SIS na recuperação do computador e que ninguém do Governo deu ordens aos serviços de informação para fazerem o que quer que fosse.
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