Google, YouTube ou Facebook são recursos inacessíveis na China, porque o sistema político não admite essas liberdades. Pequim nunca consentiu aos gigantes ocidentais da Net operarem no território chinês.

Agora, Trump, através de uma ordem executiva, quer aplicar uma forma de censura sobre duas redes principais da China, a app para vídeo TikTok e a app de mensagens WeChat.

O presidente dos EUA declara que as apps chinesas “ameaçam a segurança nacional, a política externa e a economia dos Estados Unidos” e, assim, decidiu que a partir de 15 de setembro fica proibida “qualquer transação por qualquer pessoa” através da TikTok. Está por clarificar o que cabe nesta fraseologia de “qualquer transação”. Pode significar proibição da publicidade, que é muito relevante (estima-se que 11 mil milhões de dólares no ano passado), mas o Washington Post admite que o download da app, por si só, já seja considerado como transação e, portanto, fica impedida.

Trump admite uma alternativa: se o controlo das operações da TikTok passar para a Microsoft ou outro dos gigantes tecnológicos americanos, fica tolerada.

É uma decisão que põe o liberal Estado americano a entrar pela vida privada das empresas, com a política a impor vendas e aquisições.

TikTok, templo do lúdico e autêntica máquina incubadora de memes (exploração humorística da imagem), é um sucesso retumbante “made in China”. Propriedade do grupo Beijing ByteDance Technology, fundado por um ex-Microsoft, é um fenómeno ultra-viral recente: ainda não tem quatro anos, impõe-se com grande êxito entre os adolescentes e os jovens adultos. A ByteDance começou por ser um agregador de notícias, Jinri Toutiao, que recorre à inteligência artificial para adaptar os conteúdos ao utilizador.  Veio a dar origem à TikTok, que irrompeu como a rede social que mais está a agarrar utilizadores pelo mundo. Estima-se que dois mil milhões de pessoas já tenham feito download da TikTok, assim a ultrapassar e muito o segmento dos mais jovens. É uma app que permite gravar, editar e partilhar vídeos relâmpago, com a possibilidade de acrescentar uma infinidade de filtros e efeitos visuais. Cada vídeo publicado é um clip com o tempo limite de 60 segundos, com quase sempre, música, muito ritmo, coreografias e a intenção de muito humor, gerando memes partilhados infinitas vezes. Muito aditivo. É uma ferramenta de soft power que dá à China imagem de modernidade e até vanguarda.

O êxito da TikTok fez da Beijing ByteDance uma das start-ups mais atrativas pelo mundo. Mas, por estar submetida ao sistema de censura imposta pelo PC chinês, preocupa tanto a segurança dos dados dos utilizadores como o respeito pela liberdade de expressão.

Um segundo motivo para se ficar de pé atrás com a TikTok é a política de gestão de conteúdos. Há precedentes para a desconfiança: a TikTok bloqueou vídeos que denunciavam abusos em matéria de direitos humanos na China, é conhecido o caso da supressão de vídeos que mostravam a violência sofrida pela etnia uigur na província de Xinjiang, onde pelo menos um milhão de pessoas enfrenta o encarceramento maciço.

Mais: o diário The Guardian revelou, no final do ano passado, excertos do livro de estilo distribuído aos moderadores da TikTok. É prescrito que devem suprimir vídeos sobre “temas controversos” como “separatismo, conflitos religiosos ou conflitos étnicos”.

Em contraste com esta obediência ao ditado pelo regime no interior da China, a TikTok, apesar de se definir apolítica, acolhe toda a liberdade no exterior. Mostrou-se rede muito ativa, nos últimos meses, na divulgação do movimento Black Lives Matter, a ponto de a respeitada rádio pública americana NPR ter comentado em editorial que “a TikTok está a meter política na dança e a estimular um movimento radical pela justiça racial nos Estados Unidos”. Aqui está um motivo para Trump e amigos se enfurecerem com a TikTok. Ainda mais, depois de se saber que a TikTok foi a plataforma usada para fazer fracassar o comício de campanha que Trump esperava grandioso em Tulsa, mas que teve muitos lugares vazios – porque, através da TikTok, foram reservados muitos lugares que, intencionalmente, não vieram a ser ocupados.

Trump quer agora meter uma cortina de ferro a barrar a TikTok, do mesmo modo que o aparelho de Xi Jinping impôs a muralha da China para impedir a entrada dos colossos tecnológicos americanos.

É uma lástima que não funcione uma diplomacia positiva, capaz de impedir esta “Guerra Fria” que mobiliza arsenais da censura para a internet.

A WeChat é o conflito que se segue. WeChat (no mandarim da China diz-se Weixin) é a aplicação correspondente ao WhatsApp (barrada na China por ser do grupo Facebook) mas que oferece entre muitas outras funções serviços de pagamentos e operações bancárias. Tem 1,2 mil milhões de utilizadores, a maior parte na China mas cada vez mais por toda a Ásia. Está nos smartphones de uns 27 milhões de utilizadore ativos residentes nos EUA, sobretudo gente que cultiva contactos com parentes ou amigos na China e que procura alternativa ao barrado Facebook. Muitas empresas americanas usam esta app WeChat para o relacionamento com a clientela chinesa e até como plataforma para pagamentos digitais. A rede de hipermercados WalMart, cada vez mais presente nos mercados asiáticos, adota a WeChat para encomendas online.

Ainda não está claro se Trump, nos ziguezagues políticos e sob intensa pressão eleitoral, também quer barrar a WeChat.

O que parece evidente é que a ordem executiva de Trump focada na TikTok não tem a ver com a anunciada cibersegurança – é uma medida de retaliação que transporta para a internet as tensões crescentes entre os EUA e a China.

A tradição americana no tempo da web, conforme ao espírito do país, assenta na promoção da internet aberta e global, com os mesmos conteúdos a estarem disponíveis para todos em todo o mundo.

Já basta o autoritarismo e as formas de censura do regime chinês. Não se esperaria o mesmo dos EUA. Se há – e parece que há – problemas de segurança com dados digitais, o que na América terão de tratar é de elevar a segurança na proteção a esses dados.

Não é recuar para o offline.

Já agora, também, optar por uma diplomacia que trate de baixar a animosidade recíproca entre Washington e Pequim. Já tivemos “Guerra Fria” que chegue.

A TER EM CONTA:

A contestada lei chinesa de segurança para Hong Kong já está a ser aplicada: detido o topo do principal grupo de imprensa não alinhada em Hong Kong. Jimmy Lai é perseguido por suspeita de “conspiração com forças estrangeiras”, um dos novos quatro crimes que Pequim classifica como atentado à segurança do Estado. Os outros são separatismo, subversão e terrorismo. Jimmy Lai já tinha antecipado o que lhe está a acontecer

Beirute, terça-feira 4 de agosto, 18h07m. O Líbano tem sido, nos últimos 30 anos, desde a guerra civil, um estado sem Estado, com a corrupção, o clientelismo confessional e a negligência e irresponsabilidade enraizadas em toda a classe política, no meio de obscuros jogos de influência, como grande obstáculo às reformas necessárias para o respeito pela dignidade das pessoas.

A África Central, com o tamanho de toda a Europa, está cada vez mais submetida à ameaça do terrorismo jihadista: 12.507 mortes só neste último ano. Neste domingo, mais oito, estavam em ajuda humanitária no Niger.

Trump vai fazer tudo para dar a volta ao que aparece nas sondagens e voltar a ganhar em 3 de novembro.

Uma primeira página escolhida hoje.