Xi Jinping juntou-se a Putin na contestação às pretensões ocidentais de globalização das liberdades e dos direitos democráticos.

O líder chinês falava da Ucrânia mas a pensar em Taiwan. Xi Jinping falou pela primeira vez da NATO e fê-lo para denunciar o expansionismo da Aliança Atlântica. Xi criticou a NATO a pensar na aliança entre EUA, Reino Unido e Austrália que pretende controlar o Indo-Pacífico numa movimentação que visa sobretudo proteger Taiwan da ocupação pelo poder de Pequim.

A Ucrânia e Taiwan são interesses que fazem convergir a Rússia de Putin e a China de Xi numa pareceria contra as democracias ocidentais. 

A Netflix está agora a mostrar-nos o filme Munique à Beira da Guerra, no qual Jermy Irons interpreta a figura do então primeiro-ministro britânico, Neville Chamberlain. Este filme mostra-nos a armadilha que foi o Acordo de Berlim assinado em setembro de 1938. 

Então, apesar da postura agressiva que Adolf Hitler mostrava desde 1934, os líderes do Reino Unido e da França, Chamberlain e Daladier, aceitaram ceder os Sudetas à Alemanha julgando que assim estavam a defender a paz na Europa. No regresso de Munique a Londres Chamberlain foi aclamado como campeão da paz. Foi ingénuo na valorização daquele acordo com Hitler a prometer a paz. 

Na primavera seguinte, a de 1939, o exército nazi iniciou na Checoslováquia a invasão da Europa que continuaria em setembro desse ano com o assalto à Polónia. Estava desencadeada a tremenda II Grande Guerra Mundial.

A realidade de hoje obriga-nos a ponderar o que aconteceu nesse tempo que antecedeu a Grande Guerra.

Tal como em 1938, a tensão neste 2022 está altíssima.

Sentimos a atmosfera de guerra não declarada em volta da Ucrânia e pressentimos que a invasão da Ucrânia, se acontecer, desencadeará conflito generalizado. 

Não sabemos se estamos perante apenas um especulativo jogo de ameaças ou se estamos perante risco real de guerra.

A diplomacia está ativa como não se via desde o tempo da Guerra do Golfo. Então, a motivação ocidental era ofensiva, tratava-se de montar a engrenagem da guerra contra tudo o que aparecesse como base do terrorismo jiadista.

Agora, a aspiração parece ser a de evitar o confronto armado.

Multiplicam-se iniciativas europeias.

O presidente Macron, a dois meses das eleições presidenciais em França, põe-se à cabeça do pelotão europeu e viaja nesta segunda-feira a Moscovo para se encontrar com Putin e na terça-feira estará em Kiev com o presidente da Ucrânia.

Ao mesmo tempo, o novo chanceler alemão Olaf Scholz está em Washington para articulação com Biden.

Todos sabem que Putin está reforçado com o apoio de Xi Jinping e tem um argumento forte: o chefe do Kremlin declara-se enganado pelo Ocidente que nos anos 90, na implosão da URSS, garantiu a Moscovo que não haveria alargamento da influência NATO sobre os territórios ex-soviéticos.

Está a ficar evidente que Putin quer impor o respeito desse antigo compromisso – que não está escrito. E quer que a questão se resolva rapidamente, por isso está a mover tropas.

Macron avança neste começo de semana a liderar um esforço de desescalada. É uma iniciativa com méritos e ao mesmo tempo interrogações.

O esforço para a paz é sempre de aplaudir. Mas, pergunta-se: a frente ocidental está unida? Macron avança como porta-voz de todos? Intervém em nome da União Europeia (a cujo Conselho, sim, a França está a presidir)? Fala em nome da NATO? Ou apenas da França onde é simultaneamente presidente e candidato à reeleição em abril?

O exercício que Macron está a desenvolver, tendo indiscutíveis méritos, é delicado. Não está sequer evidente a unidade europeia e da NATO em torno desta iniciativa.

Macron está a ser coerente: ele tem defendido, ao longo dos cinco anos de mandato presidencial, uma nova arquitetura de segurança europeia.

O presidente francês coloca-se no centro do palco com tripla intenção:

- evitar que a tensão na Ucrânia venha a desenvolver-se em conflito bélico (a guerra de palavras está em curso)

- envolver a Rússia num amplo compromisso sobre a segurança na Europa e instalar medidas geradoras de confiança

- colocar-se (intenção não assumida) com peso político reforçado não só como presidente reeleito da França como líder da Europa política.

Macron inicia esta semana crucial com intenções apaziguadoras. Até ver, Joe Biden e Boris Johnson estão longe da sintonia com essa intenção que lhes parecerá demasiado conciliadora ou acomodada.

As consequências do Acordo de Munique em 1938 pairam como fantasma sobre estes dias.

Se nos fixarmos no mapa geopolítico, vemos a Rússia e a China como potências articuladas, enquanto no lado ocidental essa articulação mão se mostra absoluta.