Arthur Tsang é um dos quatro repórteres fotográficos que naquela manhã de 5 de junho, há 30 anos, estava numa varanda do 10º andar do Hotel Beijing. Eles tinham a noção de que algo de tremendo tinha acontecido na enorme Praça Tiananmen, mas os acessos estavam hermeticamente barrados pela tropa há 48 horas. O hotel está a uns 500 metros da grande praça central de Pequim, espécie de átrio da Cidade Proibida. Arthur Tsang conta agora que ouviu então uma colega jornalista, também na varanda do andar alto do hotel, a exclamar “aquele tipo deve ser louco”. Era o homem da camisa branca, o tal que fez estancar o movimento dos tanques. Tsang apontou a teleobjetiva para a cena e captou as imagens que se tornaram históricas. Nunca foi possível saber quem é aquele homem que se tornou símbolo da resistência em Pequim naquele junho de 1989.

Este episódio com o homem da camisa branca aconteceu no dia seguinte a ter ficado concretizado o tremendo massacre na Praça Tiananmen. Os tanques já estavam a retirar quando aquele momento simbólico aconteceu.

É preciso recuar a meados de abril daquele 1989 para enquadrar os acontecimentos. Em 15 de abril faleceu Hu Yaobang, um líder que entre 81 e 87 conduziu elogiadas reformas económicas e políticas na República Popular da China. Veio a ser substituído por gente da linha dura, encabeçada por Deng Xiaoping.

Estudantes da Universidade de Pequim usaram o funeral de Hu Yaobang como pretexto para se manifestarem pela democracia. Em 17 de abril, centenas de estudantes colocaram uma coroa de flores no monumento aos Heróis da Revolução. Foi o começo da ocupação da Praça Tiananmen, que se prolongou por sete semanas, crescendo todos os dias.

Tudo acontecia ao mesmo tempo que em Moscovo Mikhail Gorbachev empreendia as reformas que levaram ao estilhaçar da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ao derrube do muro de Berlim, ao fim do Pacto de Varsóvia e à instalação de uma nova ordem no mundo. Até houve quem chamasse a esse tempo o “fim da história” – está visto que ficou muito mais para a história continuar. Em maio desse 89, Gorbachev voou a Pequim. Deng queria recebê-lo com grandes honrarias na habitual praça cerimonial, precisamente Tiananmen. Não pôde fazê-lo por estar ocupada por milhares de estudantes que já ali tinham montado acampamento. O chefe máximo do poder político-militar chinês ficou furioso e decretou a lei marcial e ordenou a retirada dos estudantes. Uma ala liberal, herdeira da linha política do falecido Hu Yaobang, entretanto liderada por Zhao Ziyang, tentou a saída negociada. Conseguiu ganhar alguns dias. Em 19 de maio, Zhao esteve largas horas na Praça Tiananmen em discussões com os líderes estudantis. Zhao incitava-os a retirarem-se, estes não só recusaram como mobilizaram ainda mais estudantes e entraram em greve de fome. Zhao nunca mais foi visto, foi posto em prisão domiciliária nos 16 anos até à morte em 2005. Sabia-se que a linha dura do regime em Pequim se preparava para impor a mão de ferro, apesar de isso ter custos na imagem externa, porque os estudantes da Primavera de Pequim já estavam a mobilizar atenções internacionais naquele extraordinário ano revolucionário de 1989.

Na madrugada de 3 para 4 de junho, John Gittings, correspondente do Guardian na China, enviou para a redação no Reino Unido o relato do que tinha acabado de ver: centenas de tanques e outros carros blindados, com tropas, a entrarem, em tenaz, na Praça Tiananmen. Ao longo de várias horas centenas de carros de combate fizeram guerra ao seu povo. Muitos manifestantes tinham ido para Tiananmen na sua bicicleta. Tantos foram esmagados pelos tanques. Quem ousasse usar uma câmara fotográfica era logo eliminado.

Os britânicos, fiéis à tradição, tinham uma ampla rede de informadores no terreno em ligação com os serviços secretos com base na embaixada.

Às primeiras horas da manhã de 5 de junho, o embaixador, Alan Donald, entretanto elevado a “sir”, enviava para Londres o tal telegrama em que referia “pelo menos 10 mil mortos em Tiananmen”. Os cadáveres foram recolhidos durante o dia 4, numa limpeza da praça. Como se aqueles corpos humanos fossem lixo.

Muito poucos dos que estavam em Tiananmen sobreviveram para poder contar.

Passados 30 anos, as autoridades chinesas não só continuam a não reconhecer a atrocidade praticada pelo estado como continuam a perseguir os ativistas pelos Direitos Humanos.

Oficialmente, para os chefes políticos de Pequim, nada de extraordinário aconteceu entre 3 e 5 de junho de 1989 na Praça Tiananmen de Pequim. O poder no país que continua fora da democracia tenta impor uma amnésia coletiva. Temos o dever de memória.

O semanário The Observer lembrque, para além de Pequim, houve a repressão de Tiananmen em muitas outras cidades chinesas. A liberdade continua banida pelos chefes da China.

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