Foi você que pediu uma boa dose de rock n' roll? Foi você que pediu uma boa dose de rock n' roll no festival Super Bock Super Rock? A sua voz era a dos que todos os anos, nas caixas de comentários das páginas do festival nas redes sociais, se insurgem contra o facto de o cartaz de rock já não ter nada? Também acha que o rock é meramente um género – uma bateria, uma guitarra, um baixo e uma voz a gritar – e não um estado de espírito? Não desespere: esta primeira noite da edição de 2023 do Super Bock Super Rock foi inteiramente para si, mesmo que o rock aqui escutado não tenha trazido, salvo exceções, nada de novo ao mundo.

Mas, dirão alguns, é assim que ele deve ser, a soar exatamente àquilo de que nos lembrávamos quando nos apaixonámos por ele, sem uma vírgula a mais ou a menos. Para esses, o rock é uma coisa conservadora: se se lhe mexe, se se lhe injeta um tempo presente, estraga.

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Os Offspring não habitam no presente e é por isso que é impossível estragá-los. Já lá vão os tempos em que eram das bandas mais interessantes (e mais populares) do pop/punk comercial norte-americano dos anos 90, virtude de um primeiro grande êxito ('Self Esteem'), de um grande disco para se ouvir no ensino básico (“Americana”), de um grande logótipo para se colar no caderno de ciências (o de “Conspiracy Of One”). Esses Offspring já não existem, ou melhor: vão surgindo a espaços, como uma jukebox humana que toca tudo o que queremos escutar.

Offspring: basta subirem ao palco e tocarem todas aquelas canções das quais os fãs se lembram

Escrevemos assim, por ocasião do concerto do grupo no festival de Vilar de Mouros, em 2019: “a nostalgia pode ser uma coisa muito séria. Pode ser também ela um escape, uma festa. E ao longo de uma hora e pouco não houve festa maior que a dos Offspring neste festival, tendo eles trazido consigo a boa disposição norte-americana, o humor pateta que todos tivemos a dada altura, e uma dúzia de canções certeiras, punk rock de chamada e resposta, onde cada riff e cada melodia soa a um potencial cântico de claque de futebol”. Tiramos esta citação a papel químico e não destoa em nada daquilo que se escutou esta noite, no Meco. Os Offspring já não espantam, já não evoluem, já não dão um passo em frente. Habitam um lugar fácil: basta subirem ao palco e tocarem todas aquelas canções das quais os fãs se lembram e o público está conquistado à partida.

Bastaram quatro ou cinco segundos, não mais do que isso, para que o keep 'em separated de 'Come Out And Play' desse azo ao arremesso de vários copos repletos de cerveja porque, aparentemente, há quem goste de deitar cinco euros ao lixo se isso significar ser do rock. Sem um som tão alto quanto se desejaria, os Offspring foram saltitando entre 'Want You Bad', punk fratboy onde a garota é o centro das atenções, o call and response de 'Staring At The Sun' e o baixo tenso de 'Bad Habits', à medida que iam lançando dúzias e dúzias de palhetas sobre os mais afortunados.

Com muitos elogios a Portugal, e ao público (“gostam de cantar e de dizer palavrões!”, atirou o guitarrista, Noodles, a dada altura), os Offspring só foram genuinamente patéticos quando, em vez de incluir uma 'Original Prankster' no alinhamento, decidiram lançar-se a um medley metaleiro sem sentido, dos Black Sabbath aos Iron Maiden e acabando a provocar um circle pit com uma versão de Edvard Grieg (nota: música clássica em festivais de verão era coisa para resultar bem).

“esta é a melhor noite de sempre do rock n' roll... De toda a história da humanidade!”

Com a inescapável 'Pretty Fly (For A White Guy)' a ser cantada por centenas de pessoas, os Offspring despediram-se uma primeira vez do palco, via 'The Kids Aren't Alright', antes de regressarem para 'You're Gonna Go Far, Kid' e 'Self Esteem'. Pelo meio, Noodles, o mais bem disposto dos membros do grupo, fez a graçola mais inesperada do festival: “esta é a melhor noite de sempre do rock n' roll... De toda a história da humanidade!”. Se colocarmos de lado o facto de estar a ser sarcástico, porque ninguém no seu perfeito juízo diria tal coisa quando Woodstock existiu, talvez até tenha razão: para os fãs dos Offspring de hoje todas as noites com eles são as melhores noites de sempre do rock n' roll, desde que as canções lá estejam e sejam tocadas sem falhas. Foi um bom concerto? Foi. Alguma vez será mais que isso? Não, e para a esmagadora maioria isso chega perfeitamente.

E chega porque são poucos os que procuram a transcendência num festival de música, exceção feita aos fãs dos Black Country, New Road, uma das novas coqueluches do indie moderno. Depois de na véspera terem dado um concerto anunciado à última hora (e rapidamente esgotado) na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa, os britânicos vieram até ao Super Bock Super Rock mostrar um rock n' roll menos propício a grandes festivais ao ar livre. Isto porque estamos a falar de uma música que exige uma rigorosa atenção, dadas as variações rítmicas, melódicas, o que mais seja, dentro de cada tema; quando as distrações vêm do vizinho do lado, que não sabe estar calado num concerto, a concentração fica difícil.

Isso pouco importou aos fãs a sério, àqueles que tatuaram look what we did together, BC,NR, friends forever! após o vocalista Isaac Wood ter abandonado o grupo; àqueles que sabem que uma banda como os Black Country, New Road significa mais que um pedaço de vinil; significa a boa onda, a amizade, o ser-se fixe sem se tentar ser fixe, o ter rock no goto sem se precisar de ser grunho. Voltem a dar-lhes uma sala fechada e o mundo fará mais sentido.

Uma espécie de best of

Os Franz Ferdinand deixaram de ser a banda para miúdos que vestiam camisa branca e calça bege e passaram a ser a banda dos adultos que vestem camisa branca e calça bege, ainda que pelo meio tenham excelentes canções. O problema dos Franz Ferdinand é que quase todas essas canções pertencem ao seu primeiro álbum, homónimo, editado em 2004 – e os escoceses sabem-no, ou não incluiriam tantas delas nos seus alinhamentos ao vivo.

Começando com a bela 'The Dark of the Matinée', para muitos a porta de entrada para o mundo dos Franz Ferdinand, o grupo agradeceu a um público efusivo com 'Walk Away', 'Do You Want Me' ou 'Michael', numa espécie de best of a que se juntava a coreografia básica que iam realizando em palco, pulando para cima de plataformas habilmente colocadas. Um momento de percussão, quase samba, levou a 'Take Me Out', entoada por praticamente todo o recinto, e depois da banda apresentada seguiu-se 'This Fire', prolongada até ao infinito, como deve ser o bom rock n' roll.

A abrir a tarde, Legendary Tigerman trouxe consigo as canções de um novo álbum, "Zeitgeist", a ser lançado em setembro. E não só. Trouxe também uma série de convidados (Sean Riley, Sarah Rebecca e Anna Prior entre eles) e um novo baterista, Mike Ghost. Começando com um blues em câmara lenta, fazendo perfeito sentido o verso final keep it burning..., o Homem-Tigre depressa meteu a quinta e arrepiou caminho por temas como 'Fix of Rock n' Roll', 'Motorcycle Boy' ou '21st Century Rock n' Roll', terminando, como é seu apanágio, no meio dos presentes. Aprecia-se o arrojo de ter trazido um alinhamento ainda perfeitamente desconhecido, mas precisamos de mais tempo para deglutir tudo isto.

O Super Bock Super Rock prossegue este sábado, com concertos de Wu-Tang Clan, The 1975, Nile Rodgers & Chic ou Caroline Polachek, entre outros.