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Newsletter diária • 02 ago 2022

 
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Os Estados Unidos mataram o líder da Al-Qaeda. Não, não está a ler uma newsletter de 2011

 
 

Edição por António Moura dos Santos

A habitual placidez noturna do primeiro dia de agosto foi abalada por uma notícia de última hora surpreendente. Inicialmente avançada por um funcionário anónimo norte-americano aos jornalistas, pouco depois Joe Biden confirmou-a: Ayman al-Zawahiri, líder da Al-Qaeda, tinha sido morto através de um ataque de drone comandado pelos EUA.

A notícia foi especialmente surpreendente por três motivos:

  • Primeiro porque, como se deve calcular, não há anúncios prévios de operações contra-terroristas — tal derrotaria o seu propósito secretivo —, pelo que cada vez que um líder terrorista surge morto, é um evento mediático em si mesmo.
  • Segundo porque, em abono da verdade, durante boa parte da última década, o nomes passou a ter destaque nas nossas cabeças quando se fala em terrorismo islâmico é o Estado Islâmico, com a Al-Qaeda estranhamente a assemelhar-se a uma relíquia do início do milénio, não obstante ter sido responsável pelo maior atentado de sempre em solo norte-americano, o 11 de setembro de 2001.
  • Terceiro, e em direta ligação ao segundo motivo, porque apesar do Departamento de Estado norte-americano manter a oferta de até 25 milhões de dólares de recompensa por informações que levassem à captura do líder da Al-Qaeda, ao mesmo tempo pareceu quase desinteressado por realmente detê-lo ou neutralizá-lo.

Apesar do seu enfraquecimento, a Al-Qaeda mantém-se viva até aos dias de hoje, e muito devido à liderança de al-Zawahiri. Braço-direito de Osama Bin Laden — também ele, recorde-se, alvo de uma operação dos EUA, que o vitimou em 2011, no Paquistão —, o egípcio compensou a falta de carisma em relação ao seu sucessor com capacidade tática e habilidades organizacionais necessárias para criar militantes numa rede de células em países de todo o mundo.

"No último sábado, sob minhas ordens, os Estados Unidos realizaram um ataque aéreo sobre Cabul, que matou o emir da Al-Qaeda, Ayman al-Zawahiri. Ele esteve profundamente envolvido no planeamento dos ataques de 11 de setembro [de 2001]. Durante décadas foi responsável por orquestrar ataques contra cidadãos norte-americanos. Agora, foi feita justiça e este líder terrorista já não existe”, disse Joe Biden, na sua comunicação a partir da Casa Branca.

Em retrospetiva, há algo de dissonante nesta ação: os EUA conseguem a sua ‘vingança’ passadas pouco mais de duas décadas do atentado, sim, mas um ano também após a retirada caótica das forças norte-americanas do Afeganistão, que permitiu aos talibãs recuperarem o controlo do país, 20 anos depois.

Biden salientou que os EUA “continuam a demonstrar capacidade para defender os cidadãos norte-americanos dos que querem fazer mal” ao país e deixou a morte de al-Zawahiri como aviso aos inimigos. Mas levou a cabo esta operação precisamente num país do qual os seus militares tiveram de sair atabalhoadamente.

Foi por isso que a operação decorreu sem qualquer presença militar no terreno, com os EUA a necessitar apenas de dois mísseis controlados remotamente para matar al-Zawahiri. Aliás, a precisão foi tanta, que, segundo a Casa Branca, apenas o líder da Al-Qaeda morreu na operação, e não houve danos colaterais, nem mesmo dos membros da família do líder da organização terrorista.

É também pela ausência de estragos que, no Afeganistão, há quem mantenha o ceticismo quanto à eficácia desta operação. "Eles deveriam mostrar ao mundo que mataram esse homem e apresentar provas. Poderiam ter matado outra pessoa e anunciado que era o chefe da Al-Qaeda. Há muitos outros lugares onde ele poder-se-ia esconder, no Paquistão, ou mesmo no Iraque", sugeriu Abdul Kabir, habitante de Cabul, à AFP, uma das várias vozes entrevistadas pela agência que duvida da morte de al-Zawahiri.

Dado como morto em várias ocasiões, como em 2002 e 2007, reapareceu sempre, sendo essa tenacidade a mesma que conferiu à Al-Qaeda e significou a sua sobrevivência enquanto organização. "O maior sucesso de al-Zawahiri foi manter a Al-Qaeda viva", segundo Barak Mendelsohn, professor da Universidade Haverford, na Pensilvânia. Para isso, al-Zawahiri precisou de multiplicar as "filiais", da Península Arábica ao Magrebe, da Somália ao Afeganistão, Síria e Iraque. E aceitar que elas se fossem emancipando aos poucos.

De resto, o ministro afegão do Interior, Sirajuddin Haqqani, deu força aos rumores, negando relatos de um ataque de drone em Cabul, dizendo à AFP que um míssil atingiu "uma casa vazia" na capital. Todavia, esta terça-feira, o porta-voz dos Talibãs, Zabihullah Mujahid, escreveu no Twitter que um "ataque aéreo" foi realizado com a ajuda de "drones americanos".

Sem referir o nome do líder ‘jihadista’, Mujahid afirmou, em comunicado, “condenar veementemente o ataque” e sublinhou ter sido “uma clara violação do direito internacional e do acordo de Doha”, também conhecido como Acordo para Trazer a Paz ao Afeganistão.

O ataque “repete a experiência fracassada dos últimos 20 anos e vai contra os interesses dos Estados Unidos, do Afeganistão e da região. A repetição dessas ações prejudicará as oportunidades potenciais” de estabilizar a região, avisou o porta-voz. O acordo de Doha, assinado em fevereiro de 2020 entre os Estados Unidos e os talibãs, definiu a retirada completa das forças norte-americanas do Afeganistão após duas décadas de conflito, que terminou há um ano após a conquista de Cabul pelos islâmicos.

Tivemos, portanto, um governo talibã a reclamar da legalidade de uma ação militar de precisão cirúrgica por parte de um país que mantém o seu poderio bélico mais sofisticado do que nunca, mas cujo armamento foi incapaz de proporcionar uma saída ordeira do mesmo território que ocupou durante 20 anos. E, mesmo assim, este parágrafo deverá estar bem longe de ser a sequência de palavras mais esquisita de 2022.

 
 

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