Ainda faltava hora e meia para o início do espetáculo e já as filas ao redor do Campo Pequeno eram imensas, centenas e centenas de pessoas à espera de poderem entrar no recinto para assistir, o mais perto possível, ao primeiro grande espetáculo de consagração de Bárbara Bandeira. O primeiro, porque parece ser óbvio que, depois desta, mais consagrações virão. Estamos, no fim de contas, a falar de uma artista que conseguiu encher uma das mais icónicas salas lisboetas com apenas um longa-duração – “Finda”, editado no início deste mês –, que conseguiu fazer as primeiras partes dos concertos dos Coldplay em Coimbra, que é apontada como um dos maiores talentos da sua geração. Os milhões de escutas no Spotify e as bancadas esta noite esgotadíssimas comprovam-no.

Será por isso lógico esperar por mais consagrações, assim como foi lógico esperar hora e meia, duas, três, quantas fossem; este concerto foi anunciado em dezembro do ano passado, pelo que um par de horas a mais ou a menos não faria diferença alguma naquilo que já foi uma questão de meses. O que poderá não ser lógico foi ter deixado tantas e tantas crianças à chuva, e depois de um alerta enviado por SMS, à espera de poderem entrar. Felizmente, foi passageira, mas a meteorologia deveria poder antecipar a hora de abertura de portas, seja em que concerto for.

Não que as gotas que caíram se tenham transformado em lágrimas. Essas mesmas crianças irradiavam felicidade: sentadas na bancada, acompanhadas pelos pais, segurando cartazes onde se podia ler “Bárbara, adoro-te”, escritos angelicamente e com direito a purpurina; encantadas com as coroas de luzinhas, compradas à porta do Campo Pequeno por três euros; tragando uma ou outra batatinha frita de pacote; dando um “olá” para a câmara quando esta se movimentava de forma a captar, na totalidade, o público presente. Bárbara Bandeira, como os Wu-Tang Clan, é para as crianças, e para os casais, de todos os géneros: uma kiss cam à americana que provocou largos momentos de riso, antes do espetáculo.

Com borboletas compondo o cenário e com vinte minutos de atraso (vinte minutos também não são nada quando comparados com horas ou com meses), 'Finda' deu início ao concerto com a artista ainda invisível, a voz com efeitos a fazer-se ouvir nas colunas. A canção é uma homenagem a Sara Carreira, e pareceu ainda mais tocante na mesma semana em que teve início o julgamento em torno da sua morte. Claro que logo a seguir surge algo menos tocante, menos próprio para crianças e mais risível: 'Ride', canção que lançou com Mike11 e que é dona do verso "Fazemos o que queremos, na minha cama e no teu carro / E quando acabamos até os vizinhos fumam um cigarro", que há de ser das melhores tiradas dos últimos tempos. Nem as backtracks a estragaram.

Era de esperar, esta noite, algo que pudesse ser espetacular na aceção que queremos que a pop faça da palavra. Mas faltou ali algo em Bárbara Bandeira, uma certa fome indizível que só compreendemos quando a testemunhamos. Em muitas ocasiões ficámos a pensar que, na noite mais alta da sua vida até hoje, a artista decidiu simplesmente picar o ponto e ir embora o mais depressa possível. 'AAA', com direito a coro e agudos claramente roubados a Abel Tesfaye (os maiores génios são os que copiam), ainda despertou algumas sensibilidades; tantas, que numa parte da bancada alguém decidiu fumar algo pouco legal, emprenhando o ar com o odor característico da coisa.

Bárbara Bandeira
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Mas depois vieram as falas habituais. O pedido para que se acendessem luzes de telemóveis em 'Cidade', naturalmente cumprido, com uma animação de trejeito nipónico a passar no ecrã em formato de borboleta e a dar cor a uma pop delicodoce com base de guitarra acústica. A frase que acabaria por ser repetida por diversas vezes ao longo da noite: “gostava muito que cantassem mais um refrão”, tropo que rapidamente cansou. O momento em que ela própria toca guitarra, em 'Como Eu', um início à The xx a alimentar sonhos indie. Não se quer dizer com isto que o concerto de Bárbara Bandeira foi mau; apenas que se esperava algo de muito maior, principalmente quando a capacidade lá está.

Pelo meio, a artista foi puxando pelos fãs, com particular destaque para os que pagaram por um bilhete VIP para poder assistir, de tarde, aos ensaios e participar de uma sessão de autógrafos e de um meet and greet. “Quem é que daqui já decorou o ´Finda`?”, perguntou, recebendo em troca vários gritos positivos. "Defesa", um dos temas desse álbum, teve direito ao erguer de cartazes onde se podia ler “o que encontramos em ti não há noutro lugar”, que é uma forma bonita de aqueles mesmos fãs dizerem que estarão sempre lá para ela. Sucedeu-lhe a primeira convidada da noite, MARO, que tocou um pequeno interlúdio ao piano enquanto Bárbara Bandeira mudava de figurino.

A segunda, Carminho, marcou presença para cantar o aparentemente já clássico 'Onde Vais', uma canção que Bárbara Bandeira explicou ser uma das suas preferidas, e que “tinha que ser uma colaboração”. O dueto animou hostes já de si animadas, com um coro final – e extraordinariamente infantil – a terminá-lo. 'Tua', tocada ao piano e depois de uma série de agradecimentos, foi provavelmente o ponto alto da noite. “Durante os meet and greets ouvi pelo menos dez vezes 'Bárbara, obrigado por esta canção'”, afirmou a artista, e percebe-se porquê: o amor adolescente dói mais quando acaba.

Descrevendo o concerto como “o terminar de um ciclo e o início de um novo”, Bárbara Bandeira ainda teve tempo para agradecer a Agir, homem que “agarrou numa miúda de 15 anos, com demasiados problemas na cabeça”, e compôs 'A Última Carta', um dos seus maiores sucessos. 'Carro', com a presença em palco de Dillaz, traçou a ponte entre a pop de Bárbara Bandeira e o rap que provavelmente lhe alimenta os gostos, com a maior ovação da noite a pertencer a 'Como Tu', que contou com a ajuda de Ivandro. O encore, com 'Cristaliza', teve toques de anticlímax: os confetti habituais, um “muito obrigada!”, uma saída de palco para deixar o solo de guitarra pingar, e as luzes da sala acendem-se sem mais apelo nem agravo. Bárbara Bandeira teve quase um ano para preparar o que deveria ter sido uma noite em grande, e ficou-se por um satisfaz e um público satisfeito. Foi pena.