O cada vez mais curto pavio do Brasil
Edição por António Moura dos Santos
Por norma, uma data como o Dia da Independência do Brasil seria uma ocasião onde as diferenças políticas seriam postas temporariamente de parte, dando azo a sentimentos de unidade nacional e de orgulho patriótico.
Não é o que se passa no país sul-americano, profundamente dividido entre os partidários de Jair Bolsonaro e todos aqueles que o contestam, sendo que o presidente brasileiro tem sido parte cada vez mais ativa em atiçar as chamas da discórdia.
O mandato de Bolsonaro foi divisionário desde o início, mas os últimos tempos têm sido particularmente agrestes, com o chefe de Estado em colisão direta com o Congresso, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral.
Em causa estão as alegações, sem provas, do Presidente do Brasil de que o sistema de voto eletrónico — implementado massivamente no país desde 1996 — é pouco confiável e suscetível a fraude eleitoral e as repetidas tentativas de tentar afastar dois juízes do STF, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, que têm vindo a adotar medidas judiciais contra si.
Por outro lado, as instituições têm servido como força de bloqueio aos desejos de Bolsonaro, sendo que o Congresso rejeitou em votação o regresso ao voto impresso e o aparelho judicial já implicou o Presidente do Brasil em cinco investigações: pelos seus ataques ao sistema eleitoral, por divulgar um documento sigiloso, por defender a difusão de mensagens antidemocráticas, por uma suposta ingerência na Polícia Federal e por alegada prevaricação na compra de vacinas contra a covid-19.
Como alguns analistas têm vindo a apontar, Bolsonaro — em queda livre nas sondagens para as eleições de 2022 — parece querer reproduzir a tática que Donald Trump utilizou de colocar em causa o sistema eleitoral e as instituições por si responsáveis. E se tal prática nos EUA teve como derradeira consequência a invasão do Capitólio a 6 de janeiro deste ano, teme-se o mesmo destino no Brasil.
O tom de Bolsonaro tem vindo a adquirir um cariz particularmente radical nas últimas semanas, apelando aos seus partidários para que comprem armas para não serem "escravizados" e dizendo que, se não ganhar as eleições em 2022, é porque estará “preso ou morto”.
Tal sequência traz-nos até hoje: Dia da Independência do Brasil, onde a maioria das pessoas na rua será partidária de Bolsonaro. Apesar de o Presidente garantir que os protestos serão pacíficos, os seus apoiantes mais radicais têm instado a “invasão” das sedes do Parlamento e do Supremo Tribunal Federal STF e têm utilizado as redes sociais para promover ameaças e até sugerir o assassinato de juízes.
São Paulo e Brasília serão os dois principais palcos das manifestações convocadas por grupos da extrema-direita e Bolsonaro prometeu que estará presente nessas duas cidades. Além disso, outros atos deverão ocorrer de forma orgânica por todo o país.
Em Brasília, capital do país, são esperados manifestantes de pelos menos outros 10 estados, sendo que a capacidade hoteleira da região encontra-se perto da lotação, de acordo com a imprensa local, que avança que caranavas provenientes de várias parte do Brasil estão a deslocar-se para o centro do poder brasileiro para os protestos.
Na véspera dos protestos, já era palpável a tensão. Hoje de manhã — madrugada ainda no Brasil — alguns grupos de apoiantes de Bolsonaro ultrapassaram as barreiras da Polícia Militar no centro de Brasília perto da Esplanada dos Ministérios, disseram hoje as forças de segurança.
"Entrámos. A polícia não pode travar o povo e amanhã (hoje) vamos invadir o Supremo Tribunal Federal", terá gritado um manifestante citado pela agência France Presse. Veremos ao longo do dia o que está para acontecer.