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A experiência de se ter uma enxaqueca é tão marcante para quem a vive que Rita Redshoes chegou a descrever esta doença neurológica na música "Migraine": Comes out of nowhere, inside my brain/ Bursting my head, fogging my mind ( Surge do nada, dentro do meu cérebro/ Explodindo a minha cabeça, confundindo a minha mente,  em tradução livre).

Esta manhã no Cais do Sodré, foi exatamente isso que se pôde sentir, mimetizar tarefas banais do quotidiano como conduzir ou trabalhar num escritório, enquanto as luzes ofuscam, sons se intensificam e imagens se desfocam. Sintomas que, para milhões de doentes de enxaqueca, são banais.

A dor invisível que se torna visível

No espaço, duas cadeiras e dois óculos de realidade virtual aguardavam os participantes. Quem se senta mergulha em cenários familiares, mas alterados pela doença.

No primeiro cenário, atrás do volante, a visão torna-se turva, os reflexos lentos, olhar para o lado custa e a estrada desfaz-se em manchas indistintas. No segundo, num escritório, o bloco de nota e o computador perdem nitidez, enquanto o chefe exige prazos. O rosto desfocado diante de nós simboliza a dificuldade em manter a atenção ou responder com clareza durante uma crise.

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Reações do público e testemunhos

Carolina, doente crónica de enxaqueca, é membro da associação MiGRA, que conheceu através de um programa de televisão. Ao passar ali aproveitou para partilhar a sua história com a equipa da associação:

"Tenho enxaqueca crónica medicada diariamente. Atualmente, quero ter um bebé e foi-me aconselhado procurar medicina alternativa, uma vez que, a medicação nos impede ou provoca malformações no feto. No meu caso, foi-me dito que a medicação que tomo, dá fenda palatina (abertura que se pode formar  no céu da boca) ao feto".

Em relação à ação de sensibilização, Carolina acha "incrível", porque a doença "é muito desvalorizada pela sociedade". Acrescenta ainda que há muita "vergonha" em dizer que não se consegue fazer algo por causa disso. "Às vezes ligamos para a empresa a dizer que não conseguimos trabalhar e até se riem do outro lado. Não sabem o quão aterrorizante é.”

Já Ana, outra participante, destacou a utilidade da iniciativa: “Quem não tem enxaqueca não consegue imaginar o que é passar semanas seguidas com dor. Esta experiência ajuda a perceber que não se trata de uma desculpa, mas de algo real e incapacitante.”

“As pessoas acham que é só uma dor de cabeça mais forte. Queremos mostrar que não é só isso: há outros sintomas incapacitantes, como a aura ou a hipersensibilidade ao som e à luz”, explicou Rita Paizinho, gestora de projetos da MiGRA.

“O grande objetivo é gerar empatia. Se da próxima vez um colega disser que não consegue ir a uma reunião por estar com enxaqueca, que não seja visto como uma desculpa, mas como uma limitação real”, acrescentou.

Já Bruna Santos, gestora executiva, sublinhou que esta experiência “mimetiza o que muitos doentes enfrentam todos os dias” e que é preciso “quebrar o estigma e valorizar uma doença neurológica ainda pouco compreendida, até por algumas entidades de saúde”.

Um doença incapacitante

Em Portugal, estima-se que cerca de dois milhões de pessoas sofram de enxaqueca. Apesar desta prevalência, continua a ser uma doença subdiagnosticada, subtratada e estigmatizada.

Um estudo recente da European Migraine and Headache Alliance (EMHA) e da MiGRA Portugal revelou que 93% das pessoas com enxaqueca se sentem incompreendidas e 74% afirmam sentir falta de compreensão até por parte de profissionais de saúde.

Mais do que sensibilizar

A MiGRA Portugal tem vindo a desenvolver vários projetos para dar voz aos doentes e combater o estigma. O programa Workplace Migra Care sensibiliza empresas e recursos humanos para adaptar condições laborais a trabalhadores com enxaqueca, pequenas mudanças que podem aumentar a produtividade e reduzir o absentismo. Outro projeto, Falar, promove grupos de partilha entre doentes em todo o país, criando redes de entreajuda.

“A enxaqueca não é visível, mas é altamente incapacitante. Queremos que os doentes se sintam representados e que a sociedade reconheça esta realidade”, reforçou Bruna Santos.

A associação defende também o reforço das consultas especializadas, o diagnóstico precoce nos cuidados de saúde primários e programas de literacia em saúde que reduzam o estigma e melhorem a qualidade de vida dos doentes.

Por alguns minutos, a experiência de realidade virtual fez com que a dor invisível se tornasse visível no espaço público. Para quem convive com ela diariamente, foi um gesto de reconhecimento: a confirmação de que não estão sozinhos e de que a sua luta merece ser ouvida.

*Editado por Ana Maria Pimentel