“O que todos deviam fazer era a exigência da concretização do texto fundamental e não embarcar numa aventura que vai dar asneira. Desculpem antecipar um processo, mas não tem como não dar asneira”, considerou.

Questionado sobre o que o leva a recear que o processo corra mal, Raimundo sustentou: “Há sempre qualquer coisinha para alterar e, depois, quando damos por ela temos a Constituição descaracterizada”.

O líder do PCP disse que o partido apresentou também um projeto de revisão porque decidiu não ficar “sem instrumento de batalha política” nessa discussão. Para o PCP, não é relevante que tenha sido o Chega a abrir o processo de revisão constitucional, já que “mais do que a forma, o que interessa é o conteúdo”.

Já quanto ao Orçamento do Estado para 2023, que entrará na fase de discussão na especialidade e tem a votação final global marcada para o próximo dia 25, Paulo Raimundo declarou que “continua a não corresponder às necessidades do país”.

Questionado sobre se o PCP irá manter o voto contra na votação final global, tal como fez na votação na generalidade, Raimundo declarou que “à partida” não vê que “haja uma inversão” nas políticas orçamentais que levasse o partido a alterar a sua posição.

Paulo Raimundo, que integrou as delegações do PCP “nas conversas” com o PS e o Governo no tempo da “geringonça”, considerou ainda que o Partido Socialista, em maioria absoluta, “costuma autodestruir-se”.

“O meu camarada Jerónimo tinha uma expressão (…) o PS com maioria absoluta geralmente costuma autodestruir-se, a partir de correntes internas, de divisões internas”, assinalou o novo líder do PCP, lamentando os “casos” que atingem a imagem dos governos e dos partidos, referindo “o PS ou o PSD”.

“Todo esse conjunto de casos tem uma consequência de degradação da imagem política e da forma como as pessoas devem estar na política, da ideia que são todos iguais e que se vão servir dela. É uma ideia com que não partilhamos e que nos preocupa muito porque a degradação da imagem do sistema democrático não traz bons resultados”, disse.

Reconhecendo que são positivas, “mas insuficientes” as medidas do Governo para contrariar os efeitos da subida dos preços e das taxas de juro, Paulo Raimundo sublinhou que “há duas questões que custam sair do papel” e que são essenciais, a necessidade de um “aumento significativo” dos salários e de fixar os preços do cabaz alimentar.

“Isto é mais do que uma crise, é a injustiça a pairar, a impor-se, considerou, deixando um apelo às forças sociais para uma convergência em torno destas reivindicações.

“Não estamos sós, não queremos estar sós, nem queremos estar sós para este conjunto de desafios que temos pela frente, disse, sugerindo que no PS haverá quem não se identifique com as opções atuais do Governo.

“Talvez seja mais fácil para os socialistas em concreto perceberem que uma das piores que podia ter acontecido em relação às preocupações que têm individualmente com o país, com a situação do país, foi o seu partido ter tido maioria absoluta”, declarou.

"Não podemos ficar à espera que nos venham bater à porta"

Paulo Raimundo reconheceu também "insuficiências" na organização interna do partido e advertiu que os militantes não podem ficar à espera que lhes vão bater à porta.

"Nós não podemos continuar a ficar à espera que nos batam à porta", disse, afirmando que a Conferência Nacional do passado fim de semana, em Corroios, teve como objetivo "animar" e incentivar os militantes a "tomar a iniciativa".

Questionado sobre que "insuficiências" na organização interna foram identificadas, Raimundo referiu em primeiro lugar o recrutamento de novos militantes, frisando que dos dois mil que entraram recentemente a maior parte são "pessoas que dizem `nós queremos aderir´".

"(...) temos organizações do partido que tem tudo muito organizadinho, com as quotas em dia, tudo organizado, mas com uma desligação ao meio de onde estão. Ou, por exemplo, de que vale uma comissão de freguesia, que tem as quotas em dia, "Avantes!" vendidos, mas depois passa ao lado dos problemas que as pessoas vivem naquela freguesia", apontou.

"Consideramos que é preciso ir mais longe nas organizações do partido nos locais de trabalho, constatamos que não estamos a cumprir, a fazer o que precisamos de fazer no que, para nós, é uma coisa estratégica que é a ligação aos trabalhadores", disse.

A pandemia também deixou as suas marcas no PCP, referindo que, apesar de o partido ter organizado um Congresso e uma Festa do Avante! em plena epidemia, notou-se "debilidades" e organizações onde "a capacidade de resposta ficou mais enfraquecida".

O dirigente do partido referiu que no último congresso, em 2020, havia cerca de 49 mil militantes e que, entretanto, aderiram mais 2.000 pessoas, mas não revelou quantas saíram e qual é a contabilização atual.

Sobre a sua eleição como secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo admitiu que “tinha uma opinião diferente” sobre o nome que deveria substituir Jerónimo de Sousa.

“É claro que não vos direi, não levem a mal, não vou confessar isso, mas eu tinha uma opinião diferente daquela que se veio a concluir”, revelou Paulo Raimundo.

Se é verdade que o secretário-geral comunista é “um desconhecido”, nas palavras do próprio, para a população em geral, “do ponto de vista do partido, no âmbito dos organismos de direção, nas ligações no trabalho, são muitos anos de relacionamentos e de experiências concretas”.

“Admito que nessas relações de trabalho e também nas relações humanas os meus camaradas tenham olhado para mim com características que na opinião deles valiam mais do que propriamente a notoriedade”, completou.

Sobre os primeiros dias na qualidade de secretário-geral, Paulo Raimundo disse que tem tentado seguir o conselho que os camaradas lhe deram:

"Há uma coisa que os meus camaradas me disseram, `não inventes´. E eu estou a levar isso muito à letra", disse, entre risos.

Parte dos que saíram na crise de 2000 "faz muita falta"

O novo secretário-geral do PCP defendeu também que faz "muita falta” parte dos comunistas que se afastaram na sequência da crise interna que opôs, há vinte anos, os chamados ortodoxos e renovadores.

“Penso que uma parte das pessoas que foram arrastadas nessa dinâmica nos anos 2000, uma parte das pessoas que foram arrastadas e até acabaram por sair, …uma parte delas faz cá muita falta porque as suas opiniões são válidas para construir um partido que nós queremos mais forte”, declarou.

O novo secretário-geral comunista concedeu que, na altura dessas discussões, nas vésperas do Congresso de 2000, [ano em que subiu à Comissão Política do PCP] sobre qual deveria ser o rumo do partido, se posicionou “do lado dos ortodoxos”, ressalvando que considera a designação “simplista” e sem “correspondência com o conteúdo desse debate”.

“Posicionei-me naquilo que eram as posições do partido e da JCP, que coincidiam com as minhas. Foi um posicionamento fácil num debate exigente e muito difícil”, disse.

O dirigente afirmou que, na altura, “havia quem achasse que o partido devia ser outra coisa diferente do que é, e a maioria do partido entendeu que o partido devia continuar com as suas características, natureza e identidade”.

Sobre se essa discussão está ultrapassada, Paulo Raimundo afirmou que o PCP é um “partido que afirma a sua identidade e natureza" – marxista-leninista – “mas não trava, pelo contrário, fomenta e discussão e o debate interno”.

"Com a consciência de que, e bem, nem todos temos as mesmas opiniões sobre os assuntos todos. Damos a opinião e a opinião que apuramos coletivamente é aquela que vale", acentuou.

Para Raimundo, a Conferência Nacional do passado fim de semana “acaba por animar” e dar “alguma força” que ajuda a que “alguns se aproximem e a que outros se reaproximem”.

O líder do PCP disse, no seu discurso na Conferência Nacional, que conta “com os que se aproximam e com os que se reaproximam” do partido.

Instado a clarificar essa afirmação, Paulo Raimundo respondeu, na entrevista à Lusa, que verifica hoje um “movimento de gente” que se afastou por várias razões, “por oposição a esta ou aquela posição do PCP” e que “passado este tempo todo” concluem que “este é o partido que apoiam”.

“E uns apoiam voltando, outros apoiam ajudando” e outros até apoiam discretamente, “pela calada”, disse, referindo ainda os que “não querem ingressar mas que, em determinadas batalhas”, estarão com o PCP.

A crise interna que se acentuou nas vésperas do Congresso de 2000 opôs os que defendiam a abertura do partido e novos métodos de funcionamento e aqueles, que ficaram conhecidos como ortodoxos, que defendiam a manutenção do centralismo democrático e da matriz marxista-leninista. Nesse debate interno, com momentos dramáticos, foram instaurados processos disciplinares a alguns dos rostos mais conhecidos do movimento pela renovação do PCP, como Edgar Correia e João Amaral, já falecidos.

* Por Sónia Ferreira e André Campos Ferrão (texto) e André Kosters (foto), da agência Lusa