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O CAVALEIRO DAS TREVAS

Quando 2020 começou, o partido já trazia um dilema de trás: a escolha do candidato presidencial nas eleições do ano seguinte. O Chega dividiu-se quanto à hipótese de o próprio líder encabeçar essa batalha, e o conselho nacional na Nazaré, a 11 de janeiro, partiu-se ao meio. A favor de Ventura, argumentou-se que o Chega teria mais uma hipótese de ocupar o espaço público, angariar mais aderentes e donativos. Marcelo Rebelo de Sousa possuía aura de vencedor antecipado dado os seus índices de popularidade, mas as eleições eram um ensejo para, num curto espaço de tempo, voltar a testar André Ventura.

Antes disso, formularam-se outras soluções; o próprio líder o terá feito. Francisco Moita Flores foi sondado. O antigo inspetor da PJ, escritor e ex-autarca em Santarém riu-se da sugestão do amigo, mas saiu em sua defesa no Facebook dias após a eleição do deputado: «A brutalidade dos insultos contra André Ventura resulta de uma enorme ignorância sobre o visado», escreveu.

O partido tentou outras hipóteses. «Sugeri-lhe o tenente-coronel Marcelino da Mata e ele não fazia ideia de quem era», lamentou-se o ex-dirigente nacional Carlos Monteiro, referindo-se ao mais condecorado militar do Exército português, falecido em fevereiro de 2021, de covid-19.

Ângelo Fernandes junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 25 de setembro, uma quinta-feirapelas 21h00. Consigo traz "Neblina", o seu mais recente livro, publicado pela Oficina do Livro.

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Neste que é o seu primeiro romance, Ângelo Fernandes, vencedor em 2004 do Prémio Nacional de Escrita Para Teatro e fundador da associação Quebrar o Silêncio, traz uma história crua e perturbadora sobre as sombras que nos habitam e o preço atroz de enterrar uma verdade que, após três décadas, finalmente se recusa a ficar calada.

Por um acaso, o tema veio à mesa num almoço no restaurante Pedra Bela, em Santa Maria da Feira, quando, em reportagem, conheci Américo Santos, empresário de São João da Madeira e pai de Pedro Nuno Santos, ex-ministro do PS e eleito líder socialista em 2024. Diante de uns panados com arroz de feijão, ele respigou as suas memórias coloniais. «Conheci o Marcelino da Mata muito bem.» Furriel de artilharia, Américo Santos viveu por dentro «o abandono de Guileje» pelas tropas portuguesas, drama maior, mortos a monte. «Já tinha uma opinião formada sobre a guerra, o meu pai era de esquerda, mas a consciência política ganhei-a lá», assumiu. «A dada altura, já não havia caixões nem espaço na enfermaria, os corpos acumulavam-se nas Berliet. Quando me pediram para identificá-los, dei nomes à sorte, já não os reconhecia.» Dores e memórias que nunca chegaram ao céu. «Aprendi a ser ateu na Guiné. Quando se vê o que eu vi lá, não pode haver Deus.»

Havia, porém, um Deus negro: Marcelino da Mata. «O gajo tinha para aí uma dúzia de homens sob comando dele e direito a tudo. O que se disse dele não é nada, foi muito pior», assume Américo Santos. «Matava indiscriminadamente, puxava de faca e siga. Por isso era um herói para aquela gente», descreve. «Não fiz nada que não visse fazer do lado contrário», ter-se-á desculpado Marcelino. No pós-revolução, o militar conspirou nas hostes da chamada rede terrorista de extrema-direita, liderada pelo MDLP, de Spínola. Estava em Madrid, na «base logística» do movimento, com ex-membros da PIDE/DGS e outros opositores do 25 de Abril, quando Angola proclamou a independência (1975). Em 1996, já era segurança privado: tinha sido recrutado por um núcleo de cooperantes liderado por José Braga Gonçalves que tomou de assalto — «à moda mafiosa», segundo investigadores do processo — a Universidade Moderna.

Livro: "Por dentro do Chega"

Autor: Miguel Carvalho

Editora: Objectiva

Data de lançamento: 15 de setembro de 2025

Preço: € 20,95

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Nuno Afonso insistiu na avaliação de outras opções. «Arranja-me uma lista de dez possíveis candidatos e falo com todos», desafiou-o Ventura. «Dei-lhe a lista, com nove nomes», confirma o primeiro. «O Jaime Nogueira Pinto era um», mas Nuno Afonso também sugeriu candidatas. «Portugal ainda não está preparado para ter uma mulher como presidente da República», respondeu Ventura, mas falou com uma delas, Manuela Moura Guedes, que pediu tempo para pensar e, depois, recusou. A outra sugestão era Suzana Garcia [eleita vereadora do PSD na Amadora, em 2021], mas com essa ele não falou. «Ela não gosta do André.» Porém, nos grupos de apoio ao Chega nas redes sociais sonhava-se com essa «dupla de sonho» no parlamento.

Destravada para uns, corajosa e sem papas na língua para outros, Suzana Garcia promovia o Movimento Zero e tinha a língua afiada, também treinada nas prestações televisivas sobre temas criminais. As suas posições assemelhavam-se às do Chega: defendia a castração química de pedófilos e a prisão perpétua. Atribuía aos estrangeiros «grande percentagem» da culpa nos «incidentes criminosos» e, a exemplo do deputado, esteve ao lado de Hugo Ernano, militar da GNR, condenado por matar um jovem cigano.

O «superjuiz» Carlos Alexandre e o comentador Hernâni Carvalho foram outros nomes avançados por Nuno, mas foram afastados. Resultado: as presidenciais ainda vinham longe, mas Ventura estava pronto para o «sacrifício».

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