A reivindicação é apresentada pela AMPLOS - Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade Sexual, mas faz parte de um manifesto assinado por várias associações internacionais, entre elas a Rede Europeia de Pais, e que na quinta-feira chegou às mãos dos deputados da Assembleia da República.

À Lusa, a presidente da AMPLOS defendeu que esta questão “é muito importante” porque “todos os jovens que fazem a autodeterminação não têm que fazer todo o tipo de intervenções que são consideradas”.

“Há jovens que só querem fazer a reposição hormonal, há jovens que querem fazer transição feminino [para] masculino, querem fazer uma mastectomia [cirurgia de remoção completa da mama], mas não querem avançar mais do que isto e isto tem de ser respeitado na saúde, enquanto há uns anos se entendia que a mudança no corpo tinha de ser na totalidade”, exemplificou Manuela Ferreira.

Sublinhou que “não há corpos errados” e que “o corpo é aquele que a pessoa entende que está bem para si”, salvaguardando, no entanto, que haja sempre quem queira fazer a transição completa e fazer a cirurgia de resignação sexual.

“Por isso digo que não há um padrão único, mas um padrão adaptado a cada pessoa”, apontou.

É nesse sentido que o manifesto defende também que os Estados-membros criem centros clínicos especializados em processos de afirmação de género “que oiçam o jovem ou a pessoa trans que está ali à sua frente e respeitem a sua decisão”, bem como o aumento de unidades pediátricas onde as crianças possam receber apoio.

Os pais e mães reivindicam também que os países reconheçam o direito à autodeterminação de géneros das crianças e garantam o seu direito a alterarem a menção do seu sexo legal e de nome próprio, sem necessidade de diagnóstico médico, cirurgias ou procedimentos em tribunal.

Manuela Ferreira deu como exemplo crianças “de género fluído”, “que não estão de acordo com o que é expectável no seu género”, mas que não significa que sejam crianças trans.

“As crianças têm que ser sempre ouvidas porque se for uma criança trans há uma consistência nos anos e posso dizer-lhe que há crianças trans que se começam a manifestar com três anos, quatro anos e depois há uma consistência nos anos seguintes, em que a criança continua a dizer que não é isto, é aquilo”, defendeu, sublinhando que se trata sempre de “uma questão de respeito”.

Apontou também, por outro lado, a importância da escola, tendo em conta que é o espaço onde as crianças estão mais tempo e que, por isso, tem de ser um espaço inclusivo e respeitador.

“Tem que deixar a criança fazer a sua transição social, mudar o nome, dizer o nome pelo qual quer ser tratada e a criança sentir-se bem na escola”, disse a responsável.

Sobre esta matéria especificamente, e referindo-se já ao projeto de lei do Bloco de Esquerda e à proposta de lei do Partido Socialista, que trazem medidas para garantir o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género nas escolas, Manuela Ferreira disse concordar genericamente e defendeu que este direito não pode ser discricionário e que não pode ficar nas mãos das escolas aceitar ou não cumprir.

“Estas crianças sofrem muitas vezes horrores nas escolas, até, não só de colegas, mas de professores”, denunciou.

O manifesto exige, por isso, que os países protejam todas as crianças e jovens trans de todas as formas de fobia, violência, discurso de ódio ou ‘bullying’ e que os Estados-membros “incluam a identidade de género, a sua afirmação e a sua proteção nos ‘curricula’ de todos os níveis de ensino”.

“Há crianças que são massacradas todos os dias, todos os dias vão para a escola com vontade de não ir, e que muitas vezes se cortam, se automutilam, entram em depressão e se suicidam. E é isto que as pessoas têm que pensar: É a vida dos miúdos que está em causa”, alertou.

Manuela Ferreira explicou ainda que a construção do manifesto surgiu da constatação que nesta matéria a Europa não segue ao mesmo ritmo, e que juntos têm mais força para defender os direitos destas crianças e jovens junto dos vários organismos europeus.