Segundo um despacho de citação apresentado pela Esperaza em 15 de julho de 2022, a que a Lusa teve acesso, Isabel dos Santos, filha do ex-Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, já falecido, esse alegado “desvio” terá ocorrido em 2017, quando o atual Chefe de Estado de Angola, João Lourenço, demitiu Isabel dos Santos do cargo de presidente da Sonangol.

Um relatório preliminar de uma investigação de um perito do Tribunal de Amesterdão, de 31 de outubro de 2022, concluiu que o alegado “desvio” de 52,6 ME da Esperaza baseou-se em deliberações com datas “falsas” pelo que são “nulas, e que a empresária Isabel dos Santos agiu “num óbvio conflito de interesses”.

Contactada pela Lusa, a empresária angolana afirmou por escrito que “os 52,6 milhões de euros correspondem a pagamentos de dividendos aos acionistas da Esperaza que foram devidamente autorizados em assembleia geral, contando com voto favorável da Sonangol”.

Os factos da história remontam, no entanto, a um período entre janeiro e outubro de 2006, altura em que a Sonangol, que detinha 100% da Esperaza, adquire, através desta empresa uma participação indireta de 15,005% na petrolífera portuguesa Galp. Para este efeito, a Sonangol “investiu 198 milhões de euros em dinheiro”, refere o documento.

Mas já após a aquisição daquela participação, e através de um acordo de compra de ações, regido pela lei neerlandesa, de 21 de dezembro de 2006 (SPA), a Sonangol, ao tempo presidida por Manuel Vicente – homem da confiança de José Eduardo dos Santos, que mais tarde foi vice-presidente de Angola – vendeu 40% da sua participação na Esperaza à Exem Energy B.V (Exem) – empresa holandesa que faz parte da rede de empresas (offshore) pertencentes a Isabel dos Santos e/ou ao seu falecido marido, Dokolo -, acabando esta por ficar também com uma participação indireta na petrolífera portuguesa Galp, refere o documento.

Porém, na altura, a Exem, através de uma empresa pertencente a Isabel dos Santos nas Ilhas Virgens Britânicas, “pagou apenas 15% [cerca de 11 milhões de euros] de um preço de compra não comercial de cerca de 75 milhões de euros pela participação indireta na Galp”, adianta.

Porque, a empresa estatal angolana Sonangol “acordou com a filha do Presidente que os restantes 85% seriam pagos a partir de dividendos futuros da Esperaza [aos quais a Sonangol já tinha direito de qualquer forma]”.

Assim, “o SPA [Acordo de Aquisição de Ações] foi seguido por um ato de transferência datado de 29 de dezembro de 2006, segundo o qual a Exem adquiriu a participação de 40%”.

Anos mais tarde, “nos dias que circundaram a sua destituição [da Sonangol], Isabel dos Santos, com a cooperação dos outros réus nestes processos, provocou a retirada de 52,6 milhões de euros da Esperaza e apropriou-se ela própria do montante através da Exem”, afirma o despacho.

“Como? Utilizando uma série de deliberações corporativas neerlandesas, que falsamente se alega terem sido tomadas na véspera da destituição de Isabel dos Santos”, afirma o documento.

Para o efeito, de acordo com o despacho, a empresária angolana, e os seus “fiéis associados destituíram apressadamente os diretores em funções da Esperaza, que tinham sido nomeados pela Sonangol, e nomearam dois dos confidentes de Isabel como novos diretores, juntamente com o terceiro diretor que já era o seu braço direito”.

“Foi então tomada uma deliberação para fazer uma chamada distribuição de dividendos, que praticamente esvaziou a Esperaza [dos quais 52,6 milhões de euros foram para a Exem]”, relata o despacho.

Depois, e ainda através das “mesmas deliberações, no mesmo 14 de novembro de 2017, a assembleia de acionistas da Esperaza resolveu dissolver a Esperaza”.

Já em 2020, o Ondernemingskamer [a secção especial do Tribunal de Recurso de Amesterdão com jurisdição sobre casos de direito empresarial, apelidada de Câmara de Empresas] ordenou uma investigação sobre o curso dos assuntos na Esperaza em torno das deliberações que a Exem alegou justificarem este ‘desvio’.

Ao mesmo tempo, a Câmara de Empresas nomeou um diretor temporário, Camilo B. Schutte, e este constatou, em maio de 2021, que o SPA (Acordo de Aquisição de Ações) “era nulo e sem efeito porque era contrário à ordem pública”.

Além disso, numa sentença posterior, de 23 de junho de 2021, a Câmara de Empresas decidiu que o diretor nomeado por ela própria “tinha razoavelmente conseguido chegar a essa conclusão com base nos factos e circunstâncias e também tinha de agir de acordo com as suas conclusões, de modo a impedir que a Esperaza e a direção da Esperaza potencialmente cooperassem no branqueamento de capitais”.

Numa sentença de 23 de julho de 2021, um tribunal do Instituto de Arbitragem dos Países Baixos (NAI) presidido por A.S. Hartkamp, numa arbitragem entre a Exem e a Sonangol, decidiu que a transação Exem “foi celebrada sob a influência de grande corrupção e era nula e sem efeito, porque violou a ordem pública e os bons costumes”. O tribunal arbitral proferiu uma sentença declaratória de que a Sonangol continuava a ter sempre direito a todas as ações da Esperaza e que a Exem nunca teve direito às ações que adquiriu na transação Exem.

“Estabelece-se assim que, de qualquer forma, o pagamento de 52,6 milhões de euros foi feito à Exem indevidamente, sem prejuízo da natureza ilegal do Desvio”, refere o despacho.

Mas quando foi solicitado aquele valor à Exem, de Isabel dos Santos e Dakolo, a empresa “não restituiu nada à Esperaza” e, em parte, “por esse motivo foi declarada em situação de falência a 21 de setembro de 2021”, que foi recentemente transitada em julgado.