O cargo de presidente dos Estados Unidos é uma das três posições mais influentes no mundo e só se pode comparar com a influência de um Papa ou do líder das Nações Unidas. Curiosamente, já tivemos um Papa Português, João XXI, no século XIII e estamos a caminhar para ter um líder das Nações Unidas português, António Guterres. Já um presidente dos Estados Unidos de origens lusas, não podemos sequer ambicionar, uma vez que as regras do jogo não permitem. Para se ser presidente dos Estados Unidos é necessário ter mais de 35 anos, ter vivido lá, pelo menos, durante 14 anos e claro, ter nascido nas 'terras do Tio Sam'. Talvez um lusodescendente nascido em território americano, mas, por agora, não há nenhum a jogo.

Vamos por partes, porque o sistema eleitoral americano é complexo. Cada estado possuiu as suas próprias regras e o próprio sistema incluí vários processos. Desde as primárias internas à nomeação pelo partido, passando pela conquista de posição nos boletins de votos, ao dia da eleição, e à votação do colégio eleitoral. Confuso? Nós explicamos. Como se fosse um jogo de xadrez.

O tabuleiro

No xadrez, o tabuleiro tem 64 ‘casas’. No tabuleiro político americano, joga-se em 51 'casas', correspondente a cada um dos 50 estados e ao distrito federal de Washington DC. Como os estados não são iguais ao nível de população, cada um deles tem um peso diferente. Ao contrário da realidade portuguesa, em que a eleição presidencial decorre num círculo único, onde o candidato com mais de 50% dos votos expressos em urna é eleito presidente, nos Estados Unidos o voto do eleitor da Califórnia tem mais influência na determinação do resultado final do que o do eleitor de Montana ou do Alasca, por exemplo.

Exceto nos estados do Maine e Nebrasca, o modelo adotado pela maioria dos estados segue o modelo “Winner-take-all”. E não, os Abba não se inspiraram neste modelo para escrever a sua canção “The Winner Takes It All”, mas sim numa separação. Voltando à história, o “Winner-take-all” é um modelo em que quem ganha num estado fica com todos os representantes no colégio eleitoral a votar a favor do candidato que teve mais votos nesse estado. Bastante diferente do modelo europeu de democracia representativa, onde os representantes são eleitos de acordo com a proporção dos votos como no caso português, através do Método D’Hondt.

Os eleitores escolhem, através de um sistema de votação presencial, um candidato presidencial - no fundo, estão a escolher os delegados representantes do seu estado e que mais tarde vão votar na reunião do colégio eleitoral. Para se tornar Presidente dos Estados Unidos, o candidato tem de ter a maioria absoluta de votos do colégio, pelo menos 270 dos 538 delegados, só assim consegue dar um “xeque-mate” à eleição. Se nenhum candidato tiver uma maioria, a batata quente passa para a Câmara dos Representantes.

Este modelo de eleição foi implementado no momento da criação da Constituição dos Estados Unidos, em 1797. À época, cada estado queria manter os seus direitos, principalmente os estados mais pequenos, que temiam ser dominados pelos maiores estados. Os senadores não confiavam no povo para escolher o presidente e, então, decidiram escolher delegados como seus representantes.

Este é o mapa da distribuição do número de delegados no colégio eleitoral.

Distribuição dos Colégios eleitorais nos Estados Unidos

A não existência de uma maioria expressa no colégio eleitoral é uma situação pouco frequente nos Estados Unidos. Aconteceu por três vezes, a última delas em 2000. À época Al Gore, do Partido Democrata, enfrentava George W. Bush, do Partido Republicano. Al Gore teve mais votos, mas Bush venceu em mais estados. No final, foi Bush a ocupar a Casa Branca.

A eleição para Presidente acontece sempre, de acordo com a constituição dos Estados Unidos, na terça-feira depois da primeira segunda-feira de novembro no último ano de mandato do presidente. A posse do sucessor acontece às 12 horas (hora de Washington) do dia 20 de janeiro.

Os adversários

O sistema norte-americano funciona numa alternância bipartidária.

Existem dois grandes partidos nos Estados Unidos. O Partido Democrata, do atual presidente Barack Obama, e o Partido Republicano dividem as atenções mediáticas e a maioria dos lugares políticos.

O Partido Democrata define-se como um partido mais liberal, posicionado no centro-esquerda se fizermos o paralelismo com o sistema tradicionalmente europeu de classificação política. O Partido Republicano representa a ala mais conservadora dos Estados Unidos.

Existem ainda outros partidos, mas são praticamente irrelevantes na sonda eleitoral, visto que muito raramente conseguem mais de 1% dos votos dos eleitores americanos.

Vamos focar-nos, para já, nos dois grandes partidos. Democrata e Republicano, que nomearam Hillary Clinton e Donald Trump respetivamente.

Donald Trump
créditos: AFP or licensors

Os candidatos dos dois principais partidos nunca tiveram níveis de popularidade tão baixos. Hillary, a primeira mulher nomeada por um dos grandes partidos, é vista como uma pessoa não confiável por uma grande parte do eleitorado americano. Já Donald Trump é conhecido pelas suas posições extremadas em relação à imigração, política externa e questões de direitos humanos, o que também não agrada a todo o eleitorado.

Estes partidos realizaram desde fevereiro e até às convenções nacionais uma campanha interna, que tem como base uma eleição primária para a escolha do seu candidato. Começando no estado do Iowa, os partidos convidam os militantes, simpatizantes ou anónimos a escolher qual dos candidatos é melhor para o seu partido. Mais uma vez o sistema é complexo porque cada partido tem as suas regras e cada estado também. Mas no essencial os eleitores escolhem delegados que vão defender o candidato à Convenção Nacional do partido. Passado esse processo é escolhido o candidato a presidente dos Estados Unidos de cada partido.

Hillary Clinton

E candidatos independentes também se podem candidatar?

Podem, mas é tudo uma questão de dinheiro. A campanha à presidência dos Estados Unidos é extremamente cara, o que afasta candidatos com menos recursos e reduz as possibilidades dos pequenos partidos.

Para não falar de todos os gastos com deslocações, material de campanha, ou publicidade em rádio e televisões, o simples facto de aparecer nos boletins é pago ou tem requisitos exigentes na maior parte dos Estados.

O que quer dizer que os boletins de voto não são todos iguais independentemente do sítio onde estamos a votar, como acontece na escolha do Presidente da República em Portugal. As posições nos boletins compram-se. Pagamentos financeiros, recolha de assinaturas, ou resultados prévios dos candidatos ou partidos são exigências para aparecer nos boletins de voto.

Uma das situações mais curiosas nos Estados Unidos é que tudo se vota. Quando os americanos forem às urnas não vão só escolher o Presidente. Dependente do sítio onde se vota, os eleitores podem escolher os senadores, juízes para o Supremo Tribunal e até o xerife.

Americanos chamados a votar
créditos: AFP; JOHN MOORE

Apesar de existirem 31 candidatos formalizados, apenas três candidatos têm acesso aos 538 colégios eleitorais. São eles Donald Trump, Hillary Clinton e Gary Johnson do Partido Libertário.

Os outros 28 candidatos não aparecem em todos os boletins de voto dos Estados Unidos, o que torna difícil uma vitória na eleição.

Existe também um modelo intermédio chamado “Write-in”, em que o eleitor pode escrever o nome do candidato no boletim e essa opção é considerada válida. Também este modelo exige requisitos por parte dos Estados, mas menos exigentes do que o acesso normal ao boletim de voto.

Xeque-Mate

Para sair vencedor deste “jogo” não é preciso vencer em mais estados, basta vencer nos mais populosos. Apesar de hoje Clinton e Trump estarem empatados nas sondagens, com pouco mais de um ponto percentual a separá-los, Clinton segue na frente das sondagens nos estados mais populosos.

Esta é uma das críticas ao sistema norte-americano, uma vez que um candidato pode perder em 39 estados, mas se ganhar nos 12 mais populosos chega a Presidente dos Estados Unidos.

Os estados da costa do Pacífico configuram-se como estados mais liberais e, por isso, com maior tendência a votarem no candidato do Partido Democrata; tendência igual têm os estados da zona norte da costa atlântica. Os estados do interior, com especial referência para o Texas, são estados tradicionalmente conservadores e por isso fiéis ao Partido Republicano.

A Florida acaba por ser o estado-chave, em primeiro lugar pela composição racial, muito semelhante à realidade americana, maioritariamente branca, mas com percentagens elevadas de hispânicos e de afro-americanos. A tendência eleitoral deste estado acaba por na grande maioria das vezes definir uma tendência a nível nacional. De acordo com as sondagens atuais, se Hillary ganhar na Florida, é pouco provável que não seja a próxima presidente dos Estados Unidos.

Um dos momentos chave desta eleição pode ser o primeiro debate, já na madrugada da próxima segunda-feira. Mas uma coisa é certa, quatro em cada dez americanos pensam que nem Hillary nem Trump vai dar um bom presidente. E, no fim, quem pode vir a fazer "xeque-mate" pode ser mesmo a abstenção.

Esta é uma reportagem está inserida num especial rumo às Eleições Americanas que se realizam a 8 de Novembro deste ano.

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