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É um nome incontornável da política portuguesa, sobretudo no que toca ao governo local: quatro mandatos em Ílhavo e três em Aveiro. Confessa que estaria "pronto para mais quatro anos", não fosse a limitação de mandatos, que o impede de continuar.
Licenciado em Engenharia Zootécnica, foi deputado e secretário-geral do PSD, com Luís Filipe Menezes, agora candidato a Gaia, mas foi numa empresa privada que iniciou a sua carreira profissional. Com humor, reconhece que a disciplina de Comportamento Animal, que estudou na universidade, tem sido um instrumento valioso para compreender a dimensão irracional do comportamento humano, incluindo dos políticos.
Acima de tudo, José Ribau Esteves espera que este governo tenha mesmo a coragem para reformar o Estado. E ideias não lhe faltam, uma delas é acabar com alguns elefantes brancos como o IEFP - Instituto do Emprego e Formação Profissional. E explica porquê.
No combate aos incêndios, não tem dúvidas: Portugal continua sem enfrentar o tema de forma séria. Para o autarca, a falta de meios próprios e permanentes é um erro estratégico que se repete ano após ano, transformando o país num recordista europeu de área ardida. A solução, defende, passa por entregar à Força Aérea Portuguesa a gestão e operação desses meios, que devem voar o ano inteiro.
Nesta conversa, o autarca, que também está no Comité das Regiões europeu, critica o desenho do PRR e e programas comunitários como o 2030, que no quinto de existência tem apenas 21% de execução. Um desperdício de dinheiros públicos.
Por causa desta entrevista, José Ribau Esteves chegou atrasado a uma reunião sobre fundos comunitários, o que lhe valeu um "raspanete" do ministro da Economia e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, confessou mais tarde. Pedimos desculpa por isso.
Vinte e oito anos como presidente de câmara. O que vai fazer a seguir?
A seguir tenho uma reunião no Campus XXI [riso].
Bem, não era já, já a seguir, mas sei que percebeu isso. Sobre o que é a reunião?
Sobre fundos comunitários, combate ao desperdício. Ficámos com a ideia de que íamos ser capazes de gastar tudo, mas é difícil. Já estamos na fase de gastar só por gastar, nas coisas mais inacreditáveis.
Então podemos começar por aí. Já há grupos de cidadãos e associações a pôr diversos Estados em tribunal por má aplicação de dinheiros comunitários. O que lhe parece?
Acho bem feito.
"No quadro 2030, está tudo aflito, porque a primeira etapa de corte é no final deste ano e estamos com um grau de execução péssimo"
A câmara de Aveiro ficou com muitos fundos por executar?
Não, não. Nós jogamos ao contrário, já jogava assim em Ílhavo, a fazer para acabar com muito mais do que temos no início.
Normalmente, quem tem dez milhões guarda e vai gastando ao longo do mandato. Chega ao fim, não tem acesso a nada. Mas se gastar os dez o mais rapidamente possível, depois vai ao jogo das sobras, do dinheiro que não se usa. Porque alguém vai telefonar, em regra no fim dos quadros comunitários.
É sempre assim, só temos de ter capacidade para definir o que fazer a mais para ser elegível, num exercício de, "mais tarde ou mais cedo, isto vai mesmo ser financiado". A nosso contrato-base era de 12 milhões, acabou em 40 milhões de fundos conquistados com essa estratégia.
No quadro 2030, está tudo aflito, porque a primeira etapa de corte é no final deste ano e estamos com um grau de execução péssimo, porque temos a concorrência do PRR, que também não está lá grande espingarda (mas o 2030 está pior). Do Portugal 2030, já estão a pedir a quem tem projetos que os submeta para gastar a verba disponível.
Quanto falta executar do Portugal 2030?
O Portugal 2030 começou em 2021 e acaba em 2027, mas sabemos que tem um prolongamento até 2029. Comparando o Portugal 2030 com o Portugal 2020, dois quadros análogos, no quinto ano de existência, o 2030 tem 21% de execução e, na mesma altura, o 2020 tinha 55% de execução. É este o nível de atraso.
A Comissão Europeia e o governo português têm estado a discutir, também com a ANMP [Associação Nacional de Municípios Portugueses], eu próprio liderei uma comitiva recentemente, a reprogramação do Portugal 2030 e a adoção de medidas excecionais para garantir que não vamos perder dinheiro na chamada primeira etapa de corte, que é no dia 31 de dezembro de 2025.
Se perdermos fundos comunitários, quanto perdemos?
Ainda não há um número e ninguém quer dizê-lo, vamos tentar executar para não correr o risco de perder umas centenas de milhões de euros, umas dezenas de milhões de euros ou nada. Neste momento, todo o trabalho é para procurar soluções que garantam a execução.
O que torna a execução tão difícil? As regras, a burocracia, a falta de boas ideias e de projetos?
Há um quadro-base, com tipologias e investimento definido, e há metas de execução anuais. O que acontece é que em Portugal há mil coisas problemáticas: um quadro de contratação pública hiper-burocratizado, os vistos prévios do Tribunal de Contas, os pareceres vinculativos de tudo quanto é entidade.
Mas depois temos a Comissão a cortar financiamentos e a dizer que a União Europeia tem de encontrar novas formas de receita.
Há sempre um problema, é que os quadros são muito formatados logo à nascença. E num formato muito teórico. E ainda há um fenómeno novo, é que queremos gente para fazer um projecto e não há. Um projeto, hoje, demora o dobro ou o triplo do tempo que demorava há cinco ou seis anos. Queremos fazer uma escola de um ou dois milhões de euros, por exemplo, e não temos empreiteiro, temos de lançar segundo, terceiro concurso.
"Se perguntar quem quer ser empreiteiro, pedreiro, canalizador, ninguém. E engenheiro civil, quem quer ser? Ninguém. São sectores que saíram de moda"
Porque é que isso acontece?
Porque o país passou a ter uma capacidade de oferta de trabalho muito grande. Só de fundos temos, na prática, dois quadros em simultâneo, o PRR e o Portugal 2030. Isto nunca aconteceu. Onde está a capacidade de projetar? As empresas projetistas estão aflitas para ter técnicos. Onde está a capacidade de construir? Na última crise as empresas cortaram muito.
Aliás, se perguntar quem quer ser empreiteiro, pedreiro, canalizador, ninguém. E engenheiro civil, quem quer ser? Ninguém. São setores que saíram de moda em termos profissionais. Recrutamento? Vamos aos imigrantes — mas a esmagadora maioria da mão-de-obra imigrante não sabe fazer, vem com vontade de trabalhar, mas tem de aprender.
Para ser especialista em qualquer área da construção civil são precisos três, quatro, cinco anos, para atingir níveis de produtividade altos. Isto, claro, repercute-se na capacidade que as empresas têm de responder àquilo que está a ser posto em cima da mesa.
Para não falar dos preços, que dispararam. E vão continuar a subir. Há uma coisa de que se fala pouco: o que é que o dinheiro está a fazer na banca? O mercado imobiliário está com níveis de crescimento brutais, é para aí que vão os investidores; depois vendem ou arrendam.
"Cada câmara é como um ser humano, tem personalidades, lógicas e dinâmicas completamente distintas"
E volto à pergunta inicial: o que vai fazer a seguir, depois de outubro?
Tenho 58 anos, 28 anos como presidente de câmara, sou felicíssimo nesta vida e recomendo vivamente, é uma vida muito intensa e muito dura, mas retribui muito em realização pessoal e profissional. Investimos muito, mas temos muito de retorno.
Cada câmara é como um ser humano, tem personalidades, lógicas e dinâmicas completamente distintas. Só o formato jurídico é que é igual; de resto, nada é parecido, quanto mais igual.
Podia ter-se candidatado a outra câmara.
Chega-se a um ponto na vida em que se tem o direito de dizer: eu não quero mais fazer esta função.
Fui convidado, auscultado, para duas câmaras, e disse não. Não digo para que câmaras, seria uma deselegância. Na política e na vida em geral dizer não a uma coisa é sempre visto como algo negativo, a palavra é ela própria negativa. Só pedi compreensão, ainda por cima dei sete vitórias ao meu partido com maiorias absolutas e reconhecidamente com um bom trabalho.
"Há várias perspectivas na política e há várias perspectivas no mundo privado. Não há nenhuma decisão"
Vai continuar na política?
O meu futuro não tem segredo. Por um motivo muito simples, não está definido. Há várias perspetivas na política e há várias perspetivas no mundo privado, coisas objetivas já em cima da mesa. Não há nenhuma decisão.
Sou um homem de causas. Trabalhei numa multinacional americana até surgir a história de poder ser candidato a uma câmara, não fui eu que em pequenino disse à minha mãe, que era presidente de junta, que quando fosse grande queria ser presidente de câmara. Isso é para gente superiormente iluminada.
"Sou o menino da mamã. Aliás, por causa da minha génese política, a oposição até dizia outra coisa sobre mim: era filho da mãe"
Quando é que começou a interessar-se por política?
A minha mãe era membro de Assembleia Municipal, presidente de Junta, membro da Comissão Política do PSD. O meu pai sempre trabalhou fora, foi imigrante, e era preciso que um dos rapazes — somos cinco filhos, dois rapazes e três raparigas —, acompanhasse a mamã, porque todas as reuniões eram à noite. Quem vai com a mamã para ela não ir sozinha? O filho [rapaz] mais velho, eu.
Então é o 'menino da mamã'?
Sou o menino da mamã. Aliás, por causa da minha génese política, a oposição até dizia outra coisa sobre mim: era filho da mãe. Esse era um pressuposto na minha vida.
Mas depois, ia para uma reunião fazer o quê? Não tinha telemóvel, claro, e então estava atento, ia aprendendo, ia apanhando o gosto. Até que um dia alguém me convidou: "Olha, não queres construir a JSD no nosso concelho?" Explicaram-me o que era a JSD [Juventude Social-Democrata] e eu disse ok, vou tratar disso.
Foi fazer o centro de emprego?
Na altura ainda não era, isto foi há muitos anos. Neste momento nem sabemos bem o que são as organizações políticas juvenis.
Aliás, está à frente de uma pessoa que, há vários anos, defende a extinção do IEFP [Instituto de Emprego e Formação Profissional]. Não é por causa dos partidos serem empregadores, é por causa das dinâmicas.
"O meu pai entregou a carta de renuncia na Petrangol na manhã do 25 de Abril de 1974 sem ter noção nenhuma do que estava a acontecer em Portugal"
Nasceu em Luanda, veio para Portugal ainda miúdo. Que memórias tem desse tempo?
Os meus pais, pouco depois de casarem, decidiram que a sua vida ia mudar para Luanda. A minha mãe era professora primária, foi para lá dar aulas, e o meu pai fez um contrato com a petrolífera angolana, que na altura se chamava Petrangol, hoje Sonangol.
Regressámos em 1974. Admito que regressaríamos sempre por força do processo de descolonização feito como foi feito, no entanto, foi a vida profissional do meu pai que nos fez vir embora. O meu pai assinou contrato com uma empresa francesa e entregou a carta de renúncia na Petrangol na manhã do 25 de Abril de 1974 sem ter noção nenhuma do que estava a acontecer em Portugal.
Entretanto, os meus pais já tinham construído uma casa em Ílhavo, foi uma saída preparada. Já éramos quatro, a minha mãe estava grávida — na altura, havia os portugueses de primeira e os portugueses de segunda, os de segunda eram os que nasciam nas províncias ultramarinas —, e a minha mãe disse que só saía de Luanda quando nascesse a filha mais nova, porque não queria ter quatro filhos de segunda e uma de primeira. E assim foi, a minha irmã nasceu no dia 7 de julho e no dia 20 e tal de agosto viemos embora.
Veio com oito anos. Regressou a Angola?
Voltei a Luanda em 2010, a convite do secretário de Estado da Educação do governo angolano, numa delegação oficial de autarcas em que estava o vice-reitor da Universidade de Aveiro, uma coisa sobre cooperação a nível da investigação e desenvolvimento, ciência e tecnologia.
Na volta que demos por Luanda, fui ver a Baía, a Ilha de Luanda, o bairro onde era a nossa casa, a igreja onde íamos à missa. E tinha memórias de todos esses locais. Foi a primeira vez que regressei a Luanda e, até à data, a única, embora queira lá voltar.
"Vivemos um tempo em que os recursos humanos vinham bater à nossa porta a toda a hora, agora andamos nós a bater à porta dos recursos humanos"
Disse há pouco que defende a extinção do Instituto de Emprego e Formação Profissional. Porquê?
Primeiro, porque o desemprego, hoje, é marcadamente e maioritariamente uma questão social, que deve ser gerida pelo Instituto da Segurança Social e pelas entidades da esfera, a que pertencem as câmaras pela descentralização.
Por outro lado, a parte da formação profissional deve estar nas empresas, em acordos geridos pelo Ministério da Educação, que tem o ensino profissional, numa relação direta com as empresas, a verdadeira formação dual. É isto que defendo há muito tempo.
Isto quer dizer que um dos grandes elefantes brancos da administração pública portuguesa é perfeitamente dispensável. E, nesta fase, precisamos de gente para muitos empregos em áreas que estão sem ninguém.
Na administração pública em Portugal andamos como no futebol, metemos mobilidade para ir para determinado sítio, uns deferem, outros indeferem. Os que indeferem fazem com que a entidade que quer aquela pessoa abra um concurso, a pessoa concorre e, para isso, já não precisa da autorização do chefe. E muda.
Vivemos um tempo em que os recursos humanos vinham bater à nossa porta a toda a hora, agora andamos nós a bater à porta dos recursos humanos. E não é só para as funções mais indiferenciadas, é também para as mais qualificadas.
No entanto, continuamos a perder talento, como agora se diz, para o exterior.
Nunca olhei para isso como um problema. Ensinamos os nossos filhos a serem cidadãos do mundo, a terem experiências lá fora, a conhecerem outras culturas, temos o Erasmus+. Apostámos nisto para quê?
"É bom lembrar os números de 2024: são cinco vezes mais as pessoas que imigram, que vêm para Portugal, do que as pessoas que emigram, que saem de Portugal"
Portugal tem salários baixos quando comparados com os de outros cidadãos do mundo. Que vêm para cá quando se reformam para ter uma vida incomportável para a maioria dos nacionais. Isto não é um problema?
Temos, de facto, um problema muito sério em termos de competitividade da nossa economia, que é a dimensão do rendimento do trabalho, naquilo que é o valor absoluto do rendimento e o valor dos impostos sobre esse rendimento. Comparando com outros países, e nem é preciso sair da Europa, temos países onde se ganha o dobro, o triplo, o quádruplo em funções análogas. E esse é o nosso grande desafio.
Ainda assim, hoje estamos mais surpreendidos com a quantidade de cidadãos do mundo que quer viver e trabalhar connosco. É bom lembrar os números de 2024: são cinco vezes mais as pessoas que imigram, que vêm para Portugal, do que as pessoas que emigram, que saem de Portugal.
Aveiro tem muitos imigrantes?
Aveiro tem duas comunidades imigrantes muito antigas, com 30 ou 40 anos, já com grande relevância, a comunidade venezuelana e a comunidade ucraniana. São comunidades perfeitamente integradas.
O que está a acontecer nesta nova fase de fluxo migratório, que Aveiro também tem, é recebermos cidadãos de todo o mundo para virem trabalhar e viver connosco, e aí temos claramente uma predominância de cidadãos brasileiros e de países que em África falam português, com incidência muito especial da Guiné, de São Tomé e Príncipe e de Angola.
Gere câmaras há quase três décadas. Qual é o grande empecilho no funcionamento do governo, central ou local?
O empecilho do Estado é o Estado. E esta aposta do primeiro-ministro do Governo XXV, da guerra à burocracia, palavra muito forte, é de uma importância e de uma verdade assustadora, porque já é verdade há muito tempo.
É assustador que ao 25.º governo na nossa democracia haja um primeiro-ministro que põe o combate, a guerra à burocracia, na primeira linha do seu discurso e até na estrutura do governo — criou um ministério para a Reforma do Estado, em que, além do mais, o ministro tem estatuto de adjunto.
A questão é: fazemos ou não fazemos? Porque as disfunções, as perdas de tempo, o excesso de entidades, as irracionalidades da administração pública são mais que muitas. Repito sempre isto: dos milhões de coisas que há para fazer, quantas vão ser feitas? Não só as grandes, mas as pequeninas — quando um país não resolve as pequeninas, como vai resolver as grandes?
"Eu defendo o despedimento individual na administração pública"
Pode dar um exemplo concreto desses entraves?
Vou dar um exemplo: um presidente de câmara quer publicar um anúncio no Diário da República com carácter de urgência — e pago, porque os avisos de urgência são muitíssimo mais caros do que os normais. Nenhum cidadão, no caso de Aveiro, vai ler o Diário da República. Nenhum. Vai consultar um regulamento ou o plano de pormenor porque foi publicado no site [da câmara] ou se fez nota de imprensa. Mas a lei obriga-me a ir para o Diário da República, eu vou.
E porque é que um secretário de Estado opina sobre uma coisa destas e, mais, porque é que tem o poder de a chumbar? Porque entende que a justificação do senhor presidente não é suficientemente sólida. E lá temos de fazer mais um recurso, três telefonemas para convencer xis pessoas, andar a pedir por favor.
Porque é que um secretário de Estado tem de se meter numa coisa destas, que é uma opção de uma entidade que, ainda para mais, é politicamente autónoma e obrigada por lei a publicar um anúncio? Porque alguém pôs isto na lei.
Já teve situações destas, pode contar?
Na semana passada, no mínimo, 50% do meu tempo de quinta e sexta-feira foi dedicado a resolver um problema destes. Haja coragem para mudar isto, para desinstalar.
"Muitas vezes um processo está no IHRU um, dois, três anos. Só porque a administração pública não confia nos seus vários patamares"
Luís Montenegro vai ter essa coragem ou vai ser mais um governo a criar grupos de trabalho e task forces para ficar tudo na mesma?
Há dois princípios de que a administração pública precisa, o princípio da confiança e o princípio da responsabilização. Por exemplo, tenho um técnico da câmara para verificar um prédio que entrou para licenciamento para habitação a custos controlados que confirma que aquele T2 tem cem metros quadrados (o mínimo para receber o selo de habitação a custos controlados).
Mas o país não confia no meu técnico ou no meu despacho. Por isso, aquele processo tem de ir ao IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana] para que um técnico do IHRU faça a verificação, para depois ir a despacho do diretor e da administração. Muitas vezes, para fazer uma coisa destas, o processo está no IHRU um, dois, três anos. Só porque a administração pública não confia nos seus vários patamares.
Dois: vamos supor que o técnico da câmara mentiu, ou porque estava comprado, ou porque se enganou, e o T2 tem 80 m2 e não 100 m2. Quando se descobre isto, a aplicação da sanção, a responsabilização, é de uma dificuldade incomensurável, porque o nosso sistema judicial é de uma improdutividade brutal.
Podia dar milhares de exemplos desta natureza. Quando alguém erra, por mero engano ou por dolo, quanto tempo leva a ser responsabilizado?
Porque é que na administração pública portuguesa não é possível despedir uma pessoa? Ninguém quer despedir ninguém, mas se houver esse direito, quando se está a agir sobre um funcionário que, sistematicamente, não trabalha ou anda a brincar aos atestados médicos, as coisas resolvem-se.
Eu defendo o despedimento individual na administração pública. É para usar? Não. A sua existência é um factor de pressão e, quando precisar de usar, uso — e, obviamente, como uma empresa privada, pago a justa indemnização.
"Na primeira reunião e câmara disse: "Daqui a quatro anos, duzentas pessoas que estão nesta sala não vão poder estar aqui. Porque não temos dinheiro para lhes pagar, não temos trabalho para lhes dar. Saíram 230 pessoas"
Quantos funcionários tinha a câmara de Aveiro em 2013?
Quando cheguei, na minha primeira reunião (faço sempre reuniões de plenário com todos), éramos oitocentos, lembro-me de que a sala só levava 700 pessoas e alguns funcionários estavam sentados nas escadas e nos corredores.
Na minha primeira preleção para explicar o que íamos fazer, como íamos resolver o problema de uma câmara gravemente desestruturada e corrupta, disse uma coisa difícil, mas disse-o com toda a seriedade e expliquei porquê: "Daqui a quatro anos, duzentas pessoas que estão nesta sala não vão poder estar aqui. Porque não temos dinheiro para lhes pagar, não temos trabalho para lhes dar, não há justificação para as ter cá. Vão ter de sair duzentas pessoas da câmara".
Saíram 230 pessoas. É evidente que estavam em empresas municipais que foram extintas, não se despediu ninguém, a natureza da extinção das empresas fez o resto. Cuidámos de cada pessoa, toda a gente teve fundo de desemprego, ajudámos outras a arranjar emprego, nenhum problema social derivou daqui.
Quantas pessoas, incluindo empresas municipais, tem a câmara de Aveiro hoje, 12 anos depois de ter tomado posse como presidente?
Hoje, a câmara da Aveiro só tem uma empresa municipal, pequena, que gere um parque de feiras e exposições e que tem sete pessoas. Acabámos com tudo; havia duas empresas para gerir um teatro, tínhamos uma empresa de mobilidade, hoje temos um prestador de serviços externo, acabou a empresa que geria o estádio municipal.
Tínhamos 800 pessoas quando cheguei à câmara e geríamos um orçamento de 5 milhões; hoje, temos 500 pessoas — tiro as escolas (450 assistentes técnicos e operacionais) para poder comparar —, e gerimos um orçamento de 180 milhões.
Sobre a descentralização de competências, está a correr bem, era assim que devia ser?
Na ação social está a correr muito bem, na educação está a correr globalmente bem, com questões ao nível da sustentabilidade financeira, na saúde corre mal, com duas dinâmicas contraditórias: os gestores das unidades de saúde familiar, por exemplo, têm respostas rápidas para tratar dos edifícios ou da frota automóvel, quando antigamente para mudar um ar-condicionado ou substituir uma viatura velha eram tempos infinitos, mas a organização é má.
"A orgânica do SNS está completamente desatualizada, não tem racionalidade económica, não tem comando, não há poder de decisão dentro das unidades"
Porquê má?
Porque a orgânica do SNS está completamente desatualizada, não tem racionalidade económica, não tem comando, não há poder de decisão dentro das unidades.
A saúde nunca teve tanto dinheiro como agora. O que falta?
Um dirigente desportivo, que é também um grande empresário, José Roquette, dizia sempre esta frase: os problemas não se resolvem atirando-lhes dinheiro para cima. É preciso dinheiro para resolver os problemas, sim, mas a solução não está no dinheiro. O primeiro problema do SNS é que ninguém manda em ninguém.
Logo, uma coisa que os senhores jornalistas adoram noticiar durante todo o ano, com três picos, Páscoa, verão e Natal, que é o fecho dos serviços, tem uma única causa: as férias. É tão simples quanto isto, mas ninguém admite a verdade.
Na câmara de Aveiro, é feito um mapa de férias e cada chefe de unidade orgânica tem o poder delegado para tomar decisão. Nas férias dos chefes quem manda é quem está acima deles, porque eu sou gestor de recursos humanos, e todos sabem que nenhum serviço fecha. Se um serviço só tem duas pessoas, elas não podem estar de férias ao mesmo tempo.
É muito desagradável que uma pessoa só possa fazer férias no Natal de dois em dois anos? É a vida. Há coisas mais desagradáveis, como morrer novo, por exemplo, é super desagradável. Na saúde a questão é só esta, a malta mete férias, fecha o serviço. Tinha de haver alguém a dizer: "Ó sotôr, desculpe lá, mas o senhor faz férias na semana um e dois e o outro faz na semana três e quatro".
Assim como não é possível, e a senhora ministra até disse isto recentemente com grande clareza e coragem, ter ofertas de certas especialidades em cada canto do país. Mas temos de ter serviços de transporte de emergência médica que complementem essa carência.
Mas como isto há outras mil coisas, como as horas extraordinárias, que não é fácil, mas é possível resolver. Na reforma do Estado, a saúde está em primeiro, reformar o serviço na sua estrutura.
"É muito desagradável que uma pessoa só possa fazer férias no Natal de dois em dois anos? É a vida. Há coisas mais desagradáveis, como morrer novo"
Por isso lhe perguntava há pouco qual a pedra na engrenagem.
A primeira é tirarmos as pedras que, naturalmente, estão no nosso caminho. Não é possível fazer reformas sem nos incomodarmos. Não é possível pegar numa estrutura orgânica que tem 30 departamentos e passá-los para metade sem nos incomodarmos.
E espero que o governo XXV seja diferente dos últimos — do XXIV, do XXIII, do XXII, do XXI, do XX — naquilo que é a gestão que interessa ao país e aos portugueses, que é deixar a espuma dos dias e a notícia de hoje e trabalhar para governar, para daqui a um ano ou daqui a três ou quatro anos, no fim da legislatura, podermos dizer que isto melhorou.
Esta não é só uma questão dos políticos, é uma questão da sociedade. E há também uma pressão da comunicação social, parece sempre que o mundo vai acabar amanhã, se as coisas não estão arrumadas hoje, temos um problema. Governar exige coragem e tempo para que as coisas resultem.
É evidente que vivemos com um problema, isto dos governos minoritários — vimos o que aconteceu ao governo XXIV — tem, obviamente, uma pressão negativa em cima.
"Não é possível fazer reformas sem nos incomodarmos"
Acha que a situação pode repetir-se, queda do governo?
Claro que pode.
"Ou o governo de Luís Montenegro tem globalmente sucesso e a Aliança Democrática arrisca-se, finalmente, a ter uma maioria absoluta, ou o balanço é negativo e André Ventura será o próximo primeiro-ministro de Portugal"
Tem receio do que possa acontecer no próximo orçamento, em outubro?
Nenhum, o próximo orçamento está a ganho, não há questão nenhuma com o orçamento.
Há dias, a discutir com uma ministra do atual governo, dei a minha perspetiva de que a legislatura vai até ao fim e, das duas, uma: ou o governo de Luís Montenegro tem globalmente sucesso, e há questões que são capitais para esse sucesso — a saúde é uma delas, a segurança é outra, como a tal reforma do Estado —, e a Aliança Democrática arrisca-se, finalmente, a ter uma maioria absoluta, ou se o balanço for negativo, André Ventura será o próximo primeiro-ministro de Portugal, como ouvi dizer há dias o meu colega Isaltino Morais.
A ministra concordou com a sua teoria?
A ministra estava inteiramente de acordo comigo, mas com uma nuance, é que acredita que essa avaliação não será feita ao fim de quatro anos, mas sim ao fim de dois. O que é plausível, porque há aqui uma certa volatilidade, uma voracidade excessiva.
Pessoas como André Ventura nunca geriram nada na vida, sabem lá o que é uma câmara, sabem lá o que é uma empresa, sabem lá o que é gerir com o tempo. Sabem protestar e de forma excelentíssima.
É muito fácil protestar, e esse é um fenómeno que está a acontecer na nossa sociedade, na portuguesa e na europeia, com uma exceção, já lá vou. Governar é substancialmente mais difícil. Mas quem vai governar tem de assumir a governação sabendo que o seu resultado passa pela tal necessidade de incomodar, de desinstalar pessoas, de rasgar instituições, de extinguir entidades.
"Pessoas como André Ventura nunca geriram nada na vida, sabem lá o que é uma câmara, sabem lá o que é uma empresa"
Qual é a exceção?
A exceção é hoje uma das grandes vedetas da governação dos Estados europeus, Giorgia Meloni, Itália, que era igual ou pior do que André Ventura quando estava na oposição. Hoje é um exemplo na governação ao nível da União Europeia.
Quem alimentou o Chega, disse muitas vezes isto no meu comentário político, foi o Partido Socialista. Primeiro, matou os líderes do protesto na democracia portuguesa, o Bloco de Esquerda e o PCP, com a geringonça; depois, o país sancionou o Partido Comunista por ter tirado o tapete a um governo que, globalmente, ia fazendo o seu trabalho e deu maioria absoluta a António Costa.
Ao mesmo tempo que a esquerda definhava, devagarito, devagarito André Ventura e o Chega vão crescendo. Quantas vezes era o Partido Socialista, através do presidente da Assembleia da República, a puxar pelo Chega? Objetivamente, até porque sabiam, gente inteligente e experimentada, que vinha ali um fenómeno que quanto maior fosse, mais conforto lhe dava pela divisão do espectro político do centro para a direita, e mais confortável ficava o Partido Socialista.
Só que aconteceu uma coisa inaudita, cai um governo de maioria absoluta, que desde o início mostrou mil fragilidades, um feito inédito na nossa democracia.
"O 'não é não' sempre foi um erro. Quem governa tem de tratar com o líder da oposição de forma diferente, está nas regras da democracia, acabou a conversa"
O "não é não" do PSD ao Chega foi uma decisão acertada?
Há uma coisa em que sempre discordei do presidente do meu partido: não posso tirar da minha mesa política um partido que é democrático e no qual há cidadãos portugueses a votar. Temos de respeitar a democracia.
O "não é não" sempre foi um erro, na minha opinião. Até costumo dizer que tenho mais afinidade com a extrema-direita, que é pró-europeia, pró-NATO, do que com a extrema-esquerda, que é anti-europeia, anti-NATO, pró-Putin. Digo isto com tranquilidade absoluta. Onde é que eu tenho de ganhar ao Chega? Na dialética política e, quando sou governo, na qualidade da governação.
É evidente que as coisas agora complicaram-se mais um pouco — ou simplificaram-se. O Chega, por decisão dos portugueses, ganhou a liderança da oposição em Portugal. Quem governa tem de tratar com o líder da oposição de uma forma diferente, está na lei do país, está nas regras da democracia, acabou a conversa.
Surpresa, [o líder] é o Dr. André Ventura. O Partido Socialista entrou numa situação de clara crise interna, e o facto de ter tido só um candidato à liderança é um sinal da sua fragilidade, porque as facções continuam vivinhas e sãs. Faz parte, não há volta a dar, que o governo XXV tem de lidar com o Chega, tem de falar com o Chega, tem de ter plataformas de acordo. E, também a esse nível, o sucesso de coisas que se resolvam sem a participação do Chega ou em que o Chega se tenha recusado participar, ou insucesso em matérias onde o Chega tenha tido participação, podem significar o início da regressão do partido.
"Pedro Nuno Santos é um político que não tem jeito nenhum para coisa nenhuma"
Em tudo isto, Marcelo Rebelo de Sousa tem sido mais amigo ou mais inimigo do PSD?
Marcelo Rebelo de Sousa faz um primeiro excelentíssimo mandato e um segundo mandato com muitas contradições. É muito criticado em alguns setores do PSD porque, de facto, usando a expressão antiga de Pedro Santana Lopes, houve ali colo a mais ao governo do Dr. António Costa, claramente.
Neste percurso, não foi Marcelo Rebelo de Sousa que, per se, criou algum problema ao PSD, pelo contrário. O facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter decidido ir para eleições — eu discordo, mas foi a decisão dele — por causa de um orçamento chumbado, por causa de um primeiro-ministro que tem uma maioria absoluta no parlamento e quer ir embora, secundarizou completamente o papel da Assembleia da República.
Isto acabou por ajudar o PSD, que chegou ao governo por força deste conjunto de ações, embora o ajudante n.º1, António Costa, soubesse desde o princípio que o seu sucessor seria Pedro Nuno Santos, por mais que José Luís Carneiro se tenha esforçado, e que Pedro Nuno Santos é um político que não tem jeito nenhum para coisa nenhuma.
Já vi que gosta de Pedro Nuno Santos.
Conheço bem de mais, e quando conhecemos bem as pessoas... Conheço-o do distrito de Aveiro, de disputas partidárias distritais, do tempo das jotas, das juventudes, conheço muito bem. Tenho a melhor relação pessoal com Pedro Nuno.
Mas aconteceu aquilo que era inevitável, só quem não estava atento não viu, porque ficou claro que se para ministro não tinha jeitinho nenhum, para primeiro-ministro era inimaginável. Portanto, foi um erro capital.
Embora na eleição de 2024 a AD tenha ganhado ao PS por uma unha negra.
É verdade. E estava claro — segundo erro dramático de Pedro Nuno Santos —, que o PS ia atirar com o governo abaixo, como atirou, por força de uma moção, quando também estava na cara que a derrota do Partido Socialista em 2025 ia ser mais penosa.
Conclusão, nas dialéticas do acumulado dos mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa, é o Partido Social Democrata e Luís Montenegro que estão no poder, mas isto também deriva do mérito e do trabalho de Luís Montenegro, além dos condicionalismos da gestão política de Marcelo.
O PSD não tem de agradecer a Marcelo, mas à lógica de ir a eleições por questões menos avisadas — lembro que Inglaterra teve três primeiros-ministro no espaço de uma legislatura porque a entidade que lidera a democracia, como devia ser um Portugal, é o parlamento.
O parlamento é que é a casa da democracia, os políticos costumavam encher a boca com isso, mas veja o que aconteceu à Assembleia da República nos últimos anos. A transformação é total, da extrema-direita à extrema-esquerda.
Revê-se na Assembleia da República?
Globalmente, não. Hoje, mesmo nós, que somos profissionais desta coisa, que estamos mais atentos, temos dificuldade em escolher seis ou sete deputados de referência.
"A Assembleia da República deixou de ser importante"
Contra isso, o que fazer?
Uma coisa que defendo há muito tempo, a eleição uninominal dos deputados. Só assim se pode fortalecer a Assembleia da República.
Na última eleição, Luís Montenegro ainda veio baralhar mais as coisas — e bem em termos de estratégia política, porque a lógica era a de relegitimar o governo. Por isso, pensou em usar os seus ministros, grande parte deles, como cabeças-de-lista. Isto não tem nexo nenhum naquilo que é a lógica do parlamento, mas faz todo o sentido na lógica do governo apeado que quer continuar a ser governo. Foi uma grande ideia.
Agora, a lógica da representatividade tem de voltar. Isto estragou-se de tal ordem, que não conseguimos, em 230 deputados, escrever num papelinho uma dúzia de nomes relevantes. E garanto que 90% das pessoas não sabe responder quem são os deputados eleitos pelo seu círculo.
A Assembleia da República deixou de ser importante. E ou a Assembleia da República volta a ser o centro da democracia, ou vamos continuar a ter ciclos políticos curtos, o que é altamente negativo para a gestão do país. Digo e repito, a grande prenda que dávamos ao país para comemorar os 50 anos do 25 de Abril era uma profunda reforma da organização do Estado. Mas é duro.
Ainda a propósito de eleições, vêm aí as autárquicas, mas discute-se mais as presidenciais de 2026. É uma manobra de diversão?
Quando estávamos a começar o novo ciclo legislativo de 2024, não se falava de outra coisa que não as eleições presidenciais. A partir da tomada de posse do governo XXIV, o assunto político passou a ser "vai almirante ou não vai almirante", "vai Marques Mendes ou não vai Marques Mendes", e "do PS, quem vai?".
Estas eleições presidenciais estão excessiva e absurdamente partidarizadas. Cada partido tem de ter o seu candidato, o que é a negação do presidente da República, um erro político para quem o faz. Porque as pessoas estão cansadas dos partidos.
O PSD também errou ao escolher Marques Mendes?
Sempre discordei de Luís Montenegro quando disse, no congresso de entronização como líder, que o PSD ia apoiar um candidato a presidente da República que fosse seu militante. Aliás, limitou a ação política, por exemplo, de Marques Mendes. Mas os partidos estão todos a fazer o mesmo.
Mais Rui Moreira, menos Rui Moreira, com esta panóplia de candidatos — li um artigo que dizia que eram 26 ou algo assim —, banalizou-se a eleição presidencial.
Temos um candidato que é forte naquilo que respeita à liderança das sondagens, sendo que as últimas lhe vão dando alguma perda de gás e de distância em relação aos outros, e que é um episódio diferente, um cidadão português com uma carreira notável fora da política. O que é bom, saúdo isso. Andamos sempre a dizer aos cidadãos para se juntarem a nós e, quando aparece um, desata tudo a atirar pedras.
"Temos de ter um presidente da República que intervenha mais nas reuniões de quinta-feira com o primeiro-ministro e que fale menos à comunicação social, não precisamos que o presidente da República seja comentador"
Da panóplia de que fala, há perfis mais e menos adequados, já fez a sua escolha?
Sobre o perfil, às vezes ouvimos alguns candidatos que parece que são candidatos a primeiro-ministro, não a presidente da República. Temos de ter um presidente da República que intervenha mais nas reuniões de quinta-feira com o primeiro-ministro e que fale menos à comunicação social, não precisamos que o presidente da República seja comentador.
Obviamente, tem de ter um estilo radicalmente diferente do atual. Foi muito importante a mudança de Cavaco Silva para Marcelo Rebelo de Sousa, porque aproximou a Presidência das pessoas, humanizou-a. Agora, também é muito importante que passemos a ter um presidente da República muito diferente deste da reta final do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, que seja institucionalista, que puxe, que exerça a sua magistratura de influência, mas com o recato e com a eficácia de que o país precisa, no quadro constitucional em que vivemos, que não é o de alguém que de vez em quando mostra o poder que tem para ameaçar o governo.
A eleição presidencial tem a importância que tem, só vou tomar uma decisão lá para o fim do ano. Para mim, antes disso vai haver uma eleição que é muitíssimo mais importante, as eleições autárquicas.
Há pouco não lhe perguntei se concorda com a limitação de mandatos. Concorda?
Dos doze anos em Aveiro, de plena condição só tive seis, os primeiros quatro foram a pôr a casa em ordem e dois foram de intensidade baixa por causa da pandemia. O que é muito pouco. Se mandasse em tudo, fazia mais um mandato na câmara de Aveiro, mas a vida não é assim.
Sempre fui a favor da limitação de mandatos, mas quando falo disto aos meus colegas do Comité das Regiões, acham um absurdo, um atentado à democracia.
"Seria uma tragédia o candidato do PS voltar a ser presidente da câmara [Aveiro] depois de ter saído há 20 anos despedido pelos cidadãos por indecente e má figura"
Queria que o candidato fosse o seu vice-presidente, mas o partido escolheu Luís Souto Miranda. Se um vice-presidente estiver no executivo durante o mesmo números de anos que o presidente e passar a presidente, o que muda na prática?
Essa é outra questão, que dá uma bela discussão e sobre a qual tenho muitas ideias. Em Portugal só se limita o mandato ao presidente da câmara, ao presidente da junta de freguesia e ao presidente da República. Isto está completamente errado.
Defendo que, em primeiro lugar, deve-se limitar os mandatos aos deputados, que são os legisladores principais do reino. Mas defendo a limitação de mandatos dos vereadores em regime de permanência, ou seja, defendo uma limitação mais extensiva. Mas não desvirtuemos a bondade da limitação com a sua imperfeição por se aplicar a tão poucos eleitos.
Quanto ao meu vice-presidente, da minha análise às pessoas do município que lidero, às dinâmicas de uma equipa que é excelente, que tem um trabalho que é importante que tenha continuidade, entendi que a pessoa mais indicada era ele.
O presidente do PSD entendeu outra coisa, tem esse direito, e o órgão nacional que lidera tomou a decisão de ser outra pessoa, da mesma equipa, mas noutra dimensão. Teve a minha discordância, tomei as minhas posições, mas, aqui chegados, como diria o outro, entre o candidato do Partido Social Democrata e o candidato do Partido Socialista, não há dúvidas, seria uma tragédia o candidato do Partido Socialista voltar a ser presidente da câmara depois de ter saído há 20 anos despedido pelos cidadãos por indecente e má figura.
"A União Europeia vive uma situação muito dramática"
Falou no Comité das Regiões, queria que falasse do papel da União Europeia num mundo em mudança, pontos fortes e fragilidades.
A União Europeia vive uma situação muito dramática. Primeiro, porque a notícia mais importante dos últimos anos foi a saída de um país; segundo, porque andamos há dez ou 15 anos para nos alargarmos e não conseguimos.
O alargamento é de uma importância enorme, não só a estabilização de alguns processos na Europa, nomeadamente as questões mais antigas dos Balcãs ou a questão mais recente da Ucrânia, mas também porque uma organização aumenta as suas tensões quando não cresce. O crescimento é sinal de vitalidade, de fortalecimento.
Por outro lado, há a questão da sustentabilidade económica.
E a discussão já começou, no dia 16 de julho, com a apresentação da proposta do quadro financeiro plurianual 2028-2034.
A Europa tem de trabalhar mais, tem de ser mais ousada. Esta ideia de o europeu trabalhar pouco, queremos trabalhar 35 horas por semana, um americano trabalha 45 horas, um chinês trabalha 65 horas, e a economia tem aqui um papel muito importante. Espero que o quadro financeiro plurianual seja uma oportunidade de consolidar, embora eu pertença ao grupo dos que criticam a proposta que a Comissão apresentou.
Outro problema da União, é que tudo é demorado demais. Vão ser dois anos a discutir uma proposta. Não quero ser exagerado, porque não somos uma federação de Estados, como os Estados Unidos da América, mas não podia ser em oito ou nove meses, é preciso dois anos? Os processos na União são lentos demais.
Além disto, a coesão política não está lá. O acordo com os Estados Unidos, conhecido por acordo das tarifas, que considero um passo positivo, teve logo várias vozes, cada uma a dizer a sua coisa. Esta falta de consistência política é muito grave. Há, de facto, uma necessidade de a Europa ser mais forte, senão está a cavar a sua sepultura em termos de importância geopolítica. Porque em termos económicos dificilmente conseguiremos bater o poder dos Estados Unidos e da China.
Que críticas faz à proposta da Comissão?
O modelo que está assente é um modelo de entregar os pacotes de fundos comunitários aos Estados-membros, um PRR de segunda geração. Na minha opinião, o PRR foi um erro, aliás, a ANMP criticou muitíssimo o governo do primeiro-ministro António Costa pela forma como desenhou o PRR.
Porque é fundamental para o desenvolvimento regional, para o desenvolvimento dos países, para o fortalecimento das democracias o papel autónomo de gestão de fundos comunitários dos poderes locais e regionais da Europa. A Europa é uma Europa de regiões mais forte do que a Europa de Estados em muitas zonas da União, e esse papel está completamente alienado na proposta da Comissão.
Dois, fundir a política de coesão, em termos de política e de instrumentos financeiros, com a política agrícola comum não tem qualquer sentido. E é uma lógica mercieira, porque a ideia da Comissão é reduzir as verbas às duas, então soma-as para dar um valor maior, como se as pessoas não soubessem fazer coisas de primárias.
Depois há a questão da defesa, precisamos de dinheiro para a defesa. Temos de tomar uma decisão. O nosso investimento em defesa vai ser dentro da União, dentro da NATO, ou nos dois? Continuo a entender que os países da NATO têm de investir mais na NATO, que também poderá ter que pensar na sua vida, não ser só uma organização militar defensiva.
Que outros papéis?
Ser uma organização ofensiva, quando for o caso. Não é só no futebol que a melhor forma de defender é atacar. Nas estratégias militares, também, muitas vezes a melhor forma de nos defendermos é atacar. E a NATO está proibida de atacar, é uma organização de reação.
E agora a União Europeia é que vai investir em defesa? É que vai fabricar mísseis, comprar mísseis. A proposta tem para a defesa mais verba do que tem para a política comum. Isto está certo? O primeiro-ministro espanhol na NATO disse que não pagava nem mais um cêntimo, e agora vai concordar com isto?
E faz sentido Portugal dizer que vai pagar 5% quando não paga nem os 2% acordados em 2014?
Tem sentido Portugal cumprir as suas obrigações, obviamente, temos que perceber todos como é que se vai chegar a 2%, a 3%, a 4%, a 5%, se é que é preciso chegar a 5%. É bom lembrar que o secretário-geral da NATO tem de puxar os Estados.
Há, no meio disto, uma questão importantíssima em termos geopolíticos, em termos económicos e em termos militares: a relação da Europa com os Estados Unidos. Pertencerei sempre àqueles que entendem que a Europa não pode alienar um milímetro da sua ação com os Estados Unidos; a Europa tem de ter o seu aliado político, económico, militar nos Estados Unidos da América. Isto não tem nada a ver com Trump, tem a ver com países, com culturas, com capacidade.
A aliança da União Europeia com os Estados Unidos é capital a todos os níveis, também a nível militar. Começámos a achar que isto da NATO ia correr mal e, então, decidimos que vamos nós, União Europeia, ter aqui uma política de defesa com armamento e com o investimento pesado. Não, temos é de investir no fortalecimento da NATO.
Não queria acabar a entrevista sem falar dos incêndios. Em 2025 os incêndios em Aveiro não têm sido severos, mas em 2024 o distrito foi fortemente afetado: Sever do Vouga, Oliveira de Azeméis, Águeda e Albergaria-a-Velha. Como é possível continuarmos a ter situações destas e que soluções existem?
Pode acrescentar o município de Aveiro, fui comandante, andei a comandar operações no meu município em setembro de 2024, além de ajudar colegas vizinhos. E nos fatídicos incêndios, inacreditáveis, de outubro de 2017, duas semanas depois das eleições autárquicas, passei 48 horas sem sair do combate aos incêndios, foram momentos de maior dificuldade da minha vida, como cidadão e como presidente de câmara.
Posso começar com o exemplo de setembro de 2024, que afetou Aveiro de forma inacreditável, por projeções do incêndio de Albergaria-a-Velha. Os ventos levaram o fogo para Aveiro, entrou numa zona florestal, passou para o Aterro Sanitário da ERSUC, empresa do grupo EGF, que devia estar selado há muitos anos e continua a não estar, e que está no meio de uma zona industrial. Deu-nos os maiores problemas para defendermos aquelas empresas e as comunidades ciganas que vivem ilegalmente dentro dessa mancha florestal.
Fiz um plano, dei-lhe a sigla OIRASE - Operação Integrada de Reabilitação Ambiental, Social e Económica, apresentei-o ao governo. A única coisa que pedi foi poder legal para poder intervir na área, ter a posse administrativa dos terrenos para os poder limpar e infra-estruturar e deslocalizar as 52 famílias que vivem ilegalmente ali. Não pedi dinheiro, não pedi mais nada.
Até hoje o governo não me respondeu, nem o XXIV nem o XXV. Como uma parte das minhas férias este ano foram passadas no concelho do Sabugal, e vivi bem de perto a fumarada dos vários focos de incêndio, aproveitei para falar com o secretário de Estado das Florestas, que não me respondeu. Também falei com o senhor ministro da Agricultura, para lembrar que está a chegar o primeiro aniversário dos incêndios de 2024 em Aveiro e que o governo tem uma proposta minha muito concreta e objetiva.
Na altura falei com o primeiro-ministro, Luís Montenegro, com o líder da oposição, Pedro Nuno Santos, para garantir a mobilização total para um assunto que é nacional, não tem nada a ver com partidos, e a verdade é que está a fazer um ano e nem sim nem sopas, não tive resposta.
Este é um exemplo de um país que tem uma doença crónica, há décadas, e que a única coisa que faz é complicar tudo, trazer mais uma entidade, mais um comandante, mais um corpo de bombeiros — hoje há corpos de bombeiros da GNR, do ICNF, temos corporações de bombeiros claramente a mais, muitas delas sem capacidade operacional. Tudo isto precisa de uma profunda reforma e este assunto não pode estar na ordem do dia apenas quando há território a arder.
"Em Aveiro, neste verão, já tivemos alturas com 32 ignições numa semana"
A quem interessa manter tudo como está?
Tenho a maior dificuldade em responder. Obviamente que temos um grupo, que são os incendiários. E esta ideia, para desculpar crimes tão graves como o fogo posto, de que os incendiários são tolinhos, é uma abordagem redutora. É preciso aumentar a capacidade de dissuasão dos cidadãos de atearem fogos, tenham eles total equilíbrio ou algum desequilíbrio. E isso faz-se com penas mais pesadas, sendo que uma parte da pena deve ser cumprida na floresta, a capinar e a trabalhar para baixar o risco de incêndio.
O país tem de ter uma capacidade de presença no território para assegurar uma resposta rápida quando aparecem as ignições. Em Aveiro, neste verão, já tivemos alturas com 32 ignições numa semana. Não houve nenhum incêndio relevante porque os nossos bombeiros, com a nossa GNR, com os nossos militares do Regimento de Infantaria n.º10, têm uma presença a pé e uma reação rápida.
Ponto dois, a presença no território tem de poder acionar meios terrestres e aéreos para reagir, com uma distribuição equilibrada no território, não é mandar vir bombeiros de Gavião para apagar um incêndio no Sabugal, ou aviões da Suécia ou de Marrocos.
Em terceiro lugar, o país, que além de ter este recorde europeu de incêndios, tem sempre um risco objetivo, precisa de meio próprios. Tem de ter uma frota própria do Estado de meios aéreos ligeiros, médios e pesados.
Portugal já teve a EMA - Empresa de Meios Aéreos, e nem por isso resolveu o problema.
Para mim, a entidade que tem de ter e operar esses meios — e eles têm de andar no ar todo o ano — é a Força Aérea Portuguesa. Quem é que toma conta da pesca ilegal? A Marinha. Tomar conta da floresta é tão importante como tomar conta dos nossos recursos marinhos. Quem é que sabe fazer melhor defesa de território do que a Força Aérea? Ninguém. Não é necessário empresa nenhuma nem andar a gastar fortunas a contratar empresas privadas e a fazer concursos que são impugnados por quem fica em segundo lugar.
"O país tem de ter uma frota própria do Estado de meios aéreos ligeiros, médios e pesados. A entidade que tem de ter e operar esses meios é a Força Aérea Portuguesa"
Para ter tudo o que diz, temos de ser competentes. Portugal premeia o mérito?
Aí vamos entrar com outros fatores muito importantes. Está a falar com uma pessoa que trabalhou oito anos numa empresa americana. O mérito é uma questão de cultura de sociedade e essa é uma das grandes reformas que é preciso fazer, não só no Estado, como nas empresas. Nas multinacionais é regra: és bom, és promovido; és mau, sais fora, perturbas-me a casa, vais embora.
Defendo uma sociedade meritocrática, obviamente com regulação para ajudar aqueles que, por algum motivo, não têm condição (física, social, económica). Aí, o Estado deve pôr a mão. No fundo, aquilo que é a social-democracia no seu conceito teórico aplicada na prática com muita qualidade.
Infelizmente, para mim, um dos problemas da sociedade portuguesa é que o mérito não está na primeira linha das escolhas na administração pública e, em muitas situações também, nas empresas privadas. E o mérito é fundamental para elevarmos a produtividade, para incentivarmos os que são medianos a serem bons, os bons a serem excelentes. Quando o sistema aposta no mérito, as pessoas apostam em ser melhores. Isto é fundamental.
"O Comportamento Animal, que é uma ciência como tantas outras, é muito útil para nós que gerimos seres humanos"
É licenciado em Engenharia Zootécnica, trabalhou na Purina, passou para a política. Se eu fosse humorista, diria que esteve sempre na mesma área.
Não digo isso, mas digo uma coisa parecida: uma das cadeiras onde fui melhor aluno, no segundo ano, chamava-se Comportamento Animal. O Comportamento Animal, que é uma ciência como tantas outras, é muito útil para nós que gerimos seres humanos, porque há uma parte do nosso comportamento que não é racional. Sou condicionado numa série de coisas pela minha altura, pela cor dos meus olhos, por uma série de fatores. Há um conjunto de atos que pratico que saem da minha componente irracional, da minha componente animal. Aí é que está a similitude.
Há uma utilidade enorme em pensar que uma pessoa está a fazer isto não só porque é um ser racional, mas também por estar condicionado pela sua genética. Como digo sempre aos meus colaboradores, quando às vezes não entendem o colega do lado, não se esqueçam que a genética manda, a natureza manda. Apesar de acharmos que criámos um mundo em que controlamos tudo. Nada disso, é preciso ser humilde e ter noção de que a genética é o episódio mais expressivo naquilo que é a constituição do ser humano.
Voltando ao futuro, podia ir para uma empresa pública, por exemplo?
Pegar numa empresa pública ou num instituto público, reformá-lo, pô-lo a trabalhar em condições à escala das dinâmicas de uma empresa produtiva, que em regra são as privadas — embora também haja má gestão privada —, com certeza que sim, é interessante.
Há alguma entidade ou organismo público que gostasse particularmente de reorganizar?
[Ri] A frente de reforma de que o país precisa em termos institucionais é tão larga que para quem, como eu, acredita profundamente que o país precisa imenso dessa reforma é difícil escolher.
Sempre gosto de colocar em primeiro lugar o Serviço Nacional de Saúde, pela importância que tem para todos os cidadãos. Uma segunda área muito importante é a da relação da ação social com o emprego — entidades como o IEFP, repito, não são necessárias em Portugal. Terceiro, tudo aquilo que tem a ver com a gestão do território, e aqui vamos ao aprofundamento da descentralização, à necessidade da implementação da regionalização e do aumento das competências das câmaras municipais e das comunidades intermunicipais e áreas metropolitanas, aprofundando a capacidade de decisão (em detrimento da nossa querida capital, Lisboa).
O PSD podia aproveitar melhor o seu trabalho, tê-lo num cargo mais nacional?
Sinto-me muito bem aproveitado pelo meu partido naquilo que tem sido o meu trabalho. Fui presidente da câmara da Ílhavo, presidente da câmara do Aveiro, presidente de comunidades intermunicipais, vice-presidente da ANMP, membro do Comité das Regiões da União Europeia, fui secretário-geral do PSD, não fui mais tempo porque o meu presidente na altura [Luís Filipe Menezes] decidiu demitir-se.
Sobre o que o meu partido quer fazer com aquilo que sou hoje, como ser humano e como ser político, falaremos lá para novembro ou dezembro.
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