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Chove no Vietname. As inundações, que se abateram sobre o país ao longo dos últimos dias, coincidem com o final da época das tempestades, que normalmente decorre entre junho e outubro. O país é frequentemente afetado por fenómenos meteorológicos extremos durante este período, que causam perdas humanas e materiais significativas.

Matilde Leitão é portuguesa e está no Vietname desde setembro. "Sou nómada digital já há oito anos, trabalho remotamente, e sou cofundadora da empresa Nomadico, uma rede de co-livings à volta do mundo e, portanto, posso trabalhar onde quiser. Vim para o Vietname porque o meu namorado já viveu aqui durante a pandemia e gosta muito", começa por contar ao 24notícias.

"Não era um país que eu tivesse explorado, portanto viemos para aqui. Fizemos uma semana de férias na Tailândia e depois chegámos e começámos trabalhar. A ideia era ficar três meses, mas entretanto já encurtei para dois meses", confidencia.

Apesar de saber que estariam no Vietname em plena época de chuvas, decidiram manter a ideia. "Estou numa fase um bocadinho diferente de viajar. Já não viajo a toda a hora porque não tenho energia, nem paciência — nem quero. Preciso de uma comunidade à minha volta que eu já conheça e onde me sinta confortável".

Para isso, criou duas bases: uma em Bansko na Bulgária, onde passou o inverno, e outra em Santa Cruz, Torres Vedras, que foi casa durante o verão. "Este ano só nos restava mesmo este tempo, para o ano já temos planos [de viagens]. Quisemos arriscar porque o meu namorado também já viveu aqui durante a época de chuva e foi tranquilo, não choveu assim tanto, só de vez em quando. Quisemos arriscar e ver no que dava", confidencia.

O mau tempo começou há volta de duas semanas, duas semanas constantes com chuva. Até começarem as cheias já estava a chover non-stop há oito ou nove dias

"Dizem que não era assim desde 1960, esta imensidão. Portanto, tivemos azar", atira. "Estamos aqui desde setembro e de vez em quando chovia, mas nada de especial. O mau tempo começou há volta de duas semanas, duas semanas constantes com chuva. Até começarem as cheias já estava a chover non-stop há oito ou nove dias".

A 21 de outubro, Matilde recebeu uma mensagem no chat do coworking. "Basicamente começou com um alerta de tufão que estava a vir das Filipinas e um aviso de tempestade. Nós estamos num apartamento onde temos a nossa senhoria local e ela avisou-nos o que é que devíamos fazer", conta.

Nos dias seguintes, nada mais além de chuva ligeira. Tudo parecia normal. "No dia 23 ainda estava tudo ok. E a partir daí choveu sem parar até ao primeiro dia de inundações, que foi esta segunda-feira, 27 de outubro".

Nesse mesmo dia, Matilde recebeu nova mensagem: a água estava a subir rapidamente e era aconselhado verificarem os níveis das casas, saírem do coworking devido à possibilidade de haver ruas inundadas e pontes bloqueadas e ter atenção aos alertas e possíveis cortes de energia.

"Estamos a trabalhar num local rural, onde é tudo muito aberto e com campos de arroz. Dois dias antes do que era suposto vir a tempestade começou a haver imenso vento, era impossível estar no coworking. Então fizemos o que aconselharam, fomos comprar comida enlatada e coisas assim para não termos de cozinhar e armazenámos água porque também podia faltar", recorda.

Pelo tipo de trabalho, ir para casa não mudava as rotinas. "Para nós não haveria problema, temos o hotspot da internet". Mas estar em casa com um temporal revelou-se desafiante. "A nossa senhoria falou-nos da elevação das águas e disse que era preciso meter uns sacos de areia para a água não chegar tanto à nossa zona".

Para Matilde, o que aconteceu depois disso foi uma sucessão de eventos inesperados. "No início não percebi que ia ser tão mau, tanto que nós tínhamos um jantar na segunda, mas depois pensámos que, se ia ficar tudo inundado, era chato sair com a moto e então íamos ficar em casa, para no dia seguinte continuarmos com a nossa vida".

"No dia a seguir, vimos que estava mesmo muito inundado, não dava para ir a lado nenhum. E eu ainda pensei: 'ok, pronto, ficamos este dia em casa, mas é uma chatice, tinham planos, queria ir ao ginásio, queria ir ao coworking'. Mas estava tudo bem, tínhamos comida só para dois dias, porque na última vez que a nossa senhoria nos tinha alertado para fazermos isto nada aconteceu, então não estávamos nada preparados", reflete.

Só no dia 29 é que a realidade bateu à porta. "Quando acordámos e ainda estava pior, aí comecei a pensar 'isto não está a acontecer'.  Na véspera já tínhamos comido só massa, arroz e atum nas duas refeições e não tínhamos mais nada. E foi aí que eu comecei a ficar preocupada e fomos ver o que é que estava a passar".

"Os nossos amigos começaram a mandar-nos coisas e a dizer que estava muito mau no centro da cidade, na zona velha. As coisas estavam fechadas, o mercado era o único estabelecimento aberto e também estava muito alagado. Era incrível. Só havia noodles e ovos e nós, para lá irmos, ainda tínhamos cerca de 10 ou 15 minutos a andar — mas agora a andar dentro de uma piscina. O meu namorado quis arriscar e foi, mas demorou umas duas horas a fazer o percurso e teve de usar uma caixa para trazer a comida sobre a água", recorda.

muitas pessoas ficaram sem casas, sem negócios — aqui é muito normal que cada casa seja um negócio; um restaurante, um cabeleireiro, tudo é na casa da pessoa.

Devido às circunstâncias — e porque ainda não tinha parado completamente de chover —, Matilde e o namorado optaram por sair de casa, até porque tinham uma viagem de uma semana prevista. E isso só foi possível de barco, para fugir às inundações. Depois, já num sítio sem água, conseguiram apanhar um táxi e continuar caminho a partir daí.

"A ideia é voltarmos, não este domingo, mas no domingo seguinte, porque temos as nossas coisas todas lá ainda. Mas a verdade é que era para ficar até ao final de dezembro e acabei por encurtar a minha viagem por um par de semanas, porque realmente é demasiado tempo a chover", considera.

"Venho para aqui e trabalho oito horas por dia, mas aos fins de semana e de manhã tenho um bocadinho para explorar. Estando sempre a chover não há a possibilidade de fazer isso, então prefiro voltar para Portugal, onde vou passar o Natal, e depois vou passar o inverno à Bulgária de novo", adianta.

Quanto às consequências das chuvas, Matilde diz que são "devastadoras". Por todo o Vietname, "muitas pessoas ficaram sem casas, sem negócios — aqui é muito normal que cada casa seja um negócio; um restaurante, um cabeleireiro, tudo é na casa da pessoa. Há quem tenha ficado com tudo mesmo alagado até ao teto e nos hospitais as pessoas também estão alagadas, está mesmo muito mau", remata.

O que se espera para os próximos dias?

As autoridades vietnamitas confirmaram esta sexta-feira que as cheias provocadas por chuvas torrenciais já causaram 13 mortos e deixaram 11 pessoas desaparecidas.

As cheias, resultantes de níveis de precipitação recorde, deixaram vastas áreas submersas e provocaram danos significativos em habitações, estradas, linhas férreas e plantações agrícolas.

De acordo com a agência governamental de gestão de desastres, mais de 116 mil habitações e 5 mil hectares de culturas agrícolas ficaram inundados. As cheias danificaram também infra-estruturas rodoviárias e ferroviárias, interrompendo o tráfego e o fornecimento de energia em várias zonas do Vietname central.

Os serviços de emergência continuam no terreno, empenhados em localizar os desaparecidos e prestar apoio às comunidades isoladas. No entanto, as dificuldades de acesso e o colapso de estradas têm dificultado os trabalhos de socorro.

A chuva deverá manter-se intensa nos próximos dias, com precipitação diária superior a 500 milímetros em algumas regiões entre esta sexta-feira e sábado. Assim, a população deve manter-se vigilante e evitar deslocações desnecessárias enquanto persistirem as condições adversas.

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