Desde as invasões napoleónicas, entre 1807 e 1810, que Portugal e França têm tido relações diplomáticas muito estáveis, sobretudo a nível cultural. A 12 de junho de 1970, por exemplo, assinou-se em Lisboa um acordo de cooperação cultural, científica e técnica. França permanece como um dos destinos mais escolhidos pelos emigrantes lusos e há um intercâmbio evidente de influências. Agora, de fevereiro a outubro, por iniciativa de diplomacia bilateral, acontece a “Temporada Cruzada”, com eventos, atividades e programa culturais a decorrer em ambos os países para celebrar esta relação.

A inauguração oficial da obra "As Três Graças", de Pedro Cabrita Reis, no jardim das Tulherias, em Paris, no último fim de semana, serviu de pontapé de saída para nove meses de intercâmbios culturais nesta “Temporada Cruzada”. Mais tarde, a pianista Maria João Pires e os fadistas Carminho e Camané atuaram na Filarmónica de Paris. Já o Ensemble Divino Sospiro, dirigido por Massimo Mazzeo, com a soprano Ana Vieira Leite, fez ouvir obras de Francisco António de Almeida, Carlos Seixas, Pedro António Avondano e Domenico Scarlatti, num concerto sob o título “O Portugal Barroco Cosmopolita”. Pedro Caldeira Cabral e Joaquim Silva fizeram uma apresentação da história da guitarra portuguesa, num concerto promovido pelo Museu Nacional da Música. Já no Théâtre du Châtele, vários artistas lusos partilharam poesia, música, dança folclórica.

Horas antes, num jantar no Palácio do Eliseu para assinalar a abertura oficial da"Temporada Cruzada", ao lado do homólogo Marcelo Rebelo de Sousa, Emmanuel Macron disse que o seu país não esquece o contributo dado por centenas de milhares de emigrantes portugueses que ajudaram a construir França. A par, lembrou vultos como Mário Soares, que se exilou em Paris para depois construir a democracia em Portugal, ou o cônsul em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, cuja coragem salvou milhares de franceses, entre eles 10 mil judeus.

"Partilhamos um destino comum, no seio da União Europeia e todos, esta noite, são testemunhas deste laço nunca rompido entre os dois países. Vocês encarnam a vitalidade e diversidade das relações franco-portuguesas e, do fundo coração, agradeço-vos", disse o presidente francês, lembrando que há "dois milhões de portugueses" em França e atualmente cerca de 50 mil franceses a viver em Portugal.

Em resposta, Marcelo Rebelo de Sousa desafiou Emmanuel Macron a recandidatar-se ao Eliseu — "Meu caro Emmanuel, disseste que ainda há tanto a fazer. Eu estou lá para os próximos quatro anos, cabe-te a ti mostrar que também estarás aqui para os próximos cinco anos. Isso não podemos fazer a partir de Portugal. É difícil votar em França" — e recordou as grandes correntes do pensamento e da literatura francesas que influenciaram Portugal ao longo dos séculos, frisando que os dois países convergem hoje nos seus valores e na presença na cena internacional.

"Estamos juntos em todo o lado: nas Nações Unidas, na NATO, mas sobretudo na União Europeia. Estamos juntos noutros continentes. Temos as mesmas posições sobre a paz, os direitos do homem, a democracia, o multilateralismo, a reinvenção do humanismo. Tudo que é essencial recebemos em Portugal da França", notou.

No total, esta "Temporada Cruzada" conta com cerca de 500 eventos, a acontecer nos dois países nos próximos meses. A ministra portuguesa da Cultura, Graça Fonseca, destaca a importância desta iniciativa para a internacionalização dos artistas portugueses: "a internacionalização dos artistas portugueses é um objetivo comum e estratégico, não apenas na forma como projetamos o país, mas a forma como podemos apoiar os artistas portugueses naquilo que é a sua presença no contexto internacional", disse no arranque deste intercâmbio cultural, em Paris.

De forma a lançar esta temporada em Portugal, a ministra francesa da Cultura, Roselyne Bachelot, vai estar esta semana em Lisboa, acompanhada por uma comitiva de jornalistas franceses, para assistir à inauguração da retrospetiva do artista francês Gérard Fromanger, no Museu Berardo.

Cabe agora ao público, tanto em França como em Portugal, acolher esta iniciativa, voltando, após o período da pandemia, às salas de espetáculo.

"Este início de 2022 traz-nos a todos algum alívio em relação à situação pandémica e é muito importante a mensagem de que a cultura é segura, e demonstrou-se que assim era, mas precisamos mesmo que as pessoas voltem de forma muito expressiva aos teatros, aos cinemas, às exposições e às escolas", sublinhou Graça Fonseca em declarações à Lusa.

Com passagens por Lisboa, Coimbra, Porto ou Vila Real, são vários os eventos que terão lugar nos próximos meses, e cujo cartaz poderá consultar na íntegra aqui.

*Com Lusa