“Tenho o Pinhão, a Chuva, a Tininha, o Candeias, a Tucha, a Tiara, que vive dentro de casa, a Becas, a Nonô, o Ruca, a Maria. Eu sei o nome deles todos. O Mandela, o Obama, o Gandhi…”, enumerou Clara Simões, garantindo que nunca lhes troca os nomes.
O primeiro Tobias morreu, com cerca de 18 anos, e já existe um segundo. Quase todos os animais que Clara Simões leva para a sua casa, em Paços de Vilharigues, no concelho de Vouzela, carregam consigo uma história triste de abandono, que consegue ver nos seus olhares quando os aborda.
“Não os consigo deixar lá ficar. Começo a ver aqueles olhos tristes deles…”, afirmou à agência Lusa.
Clara Simões já pediu, por mais de uma vez, para pararem o trânsito na autoestrada A25, que liga Viseu a Aveiro, de forma a conseguir recolher animais.
“Ia na A25 e apercebi-me, junto ao separador, de um animal que estaria vivo. Caminhei na parte de fora da autoestrada, apareceu a carrinha da Ascendi, fiz sinal ao senhor, ele depois controlou o trânsito e eu fui apanhar o cão”, relatou, ao lembrar um desses episódios.
A oficial de justiça da Procuradoria de Família e Menores da comarca de Viseu começou por ter os cães no quintal. Agora, os seus amigos de quatro patas estão também num anexo da sua casa e numas boxes construídas num terreno ao lado.
Além dos cães, há ainda os gatos: “Tenho 25 em espaço fechado, mas, depois, que andam na rua, são mais de 25″.
Histórias para contar não faltam a Clara, como a da cadela que encontrou atada na estrada que liga Viseu a S. Pedro do Sul.
“Na berma da estrada, vi um caixote de papelão a mexer, num dia de chuva. Parei e estava a Ju, que ainda é viva, está comigo há 17/18 anos. Estava com as patas atadas com um fio azul, cravadinha de carraças”, recordou, acrescentando que foi um momento muito marcante, porque nessa época tinha 20 cães “e achava que já não ia ter mais”.
Numa altura em que veterinários municipais preveem que a entrada em vigor da legislação que proíbe o abate nos canis municipais levará ao aumento do número de animais nas ruas, Clara Simões considerou que é preciso tomar medidas ou esse será mesmo o cenário.
“Com muita sensibilização, com muito esclarecimento junto das pessoas, com castrações e esterilizações gratuitas, eu estou convencida de que os canis resolviam esse problema. Não havendo tantos nascimentos, já não há abandono”, frisou.
Clara Simões tem esperança de que, um dia, os animais deixem de ser vistos como coisas e faz um apelo: “Quem acha que não pode (ter animais), que não tenha. Quem não tem disponibilidade, não tenha. Quem não quer ter trabalho, não tenha”.
Se ter um animal dá trabalho, ter mais de uma centena dá muito mais, mas a oficial de justiça garantiu que “ninguém é recebido de uma forma tão efusiva como quem tem animais”.
“Quem tem sabe do que eu estou a falar. Eu recebo logo beijos às dezenas. Depois de um dia de trabalho difícil, emocionalmente pesado, isto é uma lufada de ar fresco que recebo”, admitiu.
À pergunta “como se alimentam tantas bocas sem apoios públicos”, Clara respondeu, sem hesitar: “com muito amor”.
“E gasto tudo o que ganho, como é obvio”, frisou, contando que tem ajuda do Jumbo de Viseu, que lhe dá carne duas vezes por semana, e de pessoas amigas que lhe oferecem ração, arroz trinca e detergentes.
Por mês, de arroz trinca gasta cerca de 300 quilos e de ração aproximadamente 200 quilos. Os detergentes são comprados às caixas e a despesa do gás ronda os cem euros mensais. Clara prefere não fazer muitas contas, garantindo que é ‘tesa’, mas é feliz.
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