Numa manifestação de protesto diante do Palácio de Belém, Tina Sabounati, da Associação de Iranianos em Portugal, frisou à agência Lusa que a ação em Lisboa também se destinava a forçar Portugal a tomar uma posição contra o regime de Teerão, congratulando-se com o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter dito ao embaixador Morteza Damanpak Jami que Teerão "deve tratar com cuidado as mulheres e as jovens estudantes" e que estão em causa os direitos humanos.

"É um princípio, não diria que é uma vitória, diria que é um primeiro passo para a vitória. [O Presidente português] disse que [as autoridades iranianas] deveriam ter cuidado com os direitos humanos e com as estudantes, mas também deveria ter dito que há pessoas a morrer", afirmou Sabounati à Lusa.

"[Marcelo Rebelo de Sousa] deveria ter mencionado [ao embaixador do Irão em Lisboa] que o regime [de Teerão] não deve matar, não deve torturar, não violar. Esta é a verdade e é o que está a acontecer atualmente no Irão. Continuo a acreditar que estamos no princípio e fico satisfeita por ter falado e dirigido essas palavras ao embaixador, mas ainda temos um longo caminho a percorrer", acrescentou.

Durante uma visita ao Bazar Diplomático, no Centro de Congressos de Lisboa, e ao passar pela banca da República Islâmica do Irão, Marcelo Rebelo de Sousa conversou com o embaixador Morteza Damanpak Jami e ao despedir-se disse-lhe: "Deviam tratar com cuidado as mulheres, as jovens estudantes, as mulheres, porque é bom para vocês e bom para o mundo".

É uma questão de "direitos humanos", assinalou o Presidente da República, que falava em inglês, com jornalistas à sua volta.

À saída do Centro de Congressos de Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa confirmou ter dito ao embaixador do Irão "que olhasse para a forma como as autoridades iranianas estão a lidar com o papel da mulher e a intervenção cívica das jovens mulheres no Irão, defendendo os seus direitos".

O protesto da comunidade iraniana mobilizou cerca de três dezenas de iranianos no Jardim Afonso de Albuquerque, em frente ao Palácio de Belém, onde foram espalhadas 100 fotografias de ativistas iranianos executados pelo regime e 66 outras de presos políticos, momento simbólico para chamar a atenção para a repressão em curso no Irão.

Tina Sabounati, de 41 anos, natural de Teerão, denunciou que o "regime bárbaro" do ayatollah Ali Khamenei prendeu 14.000 iranianos inocentes e manifestou o receio de muitos deles virem a ser executados, considerando "esmagadoras" as "atrocidades" cometidas contra o povo, sobretudo contra as mulheres.

"Não há nada que este regime evite para permanecer no poder. Está a espancar, prender, violar sexualmente, torturar e a matar manifestantes, entre crianças e idosos", disse à Lusa Nahid, iraniana de 34 anos, em Portugal há cinco e que preferiu não revelar o apelido por temer represálias à restante família, que vive em Teerão.

Tal como Sabounati, Nahid lembrou que há um "longo caminho a percorrer" para que a comunidade internacional pressione o Irão a pôr cobro à repressão, uma vez que a população quer a democracia.

Nahid relembrou o caso da jovem curda Mahsa Amini, 22 anos, que morreu a 16 de setembro deste ano, três dias após ter sido presa pela "polícia da moralidade", que a acusou de ter quebrado o rígido código de vestuário que exige que as mulheres usem o véu em público.

Nas manifestações que se seguiram à morte de Amini, pelo menos 304 pessoas foram mortas até agora na repressão às manifestações que decorrem em todo o país, tal como denunciou a Iran Human Rights (IHR), com sede em Oslo,

Martin Sobels, holandês de 51 anos e casado com uma iraniana, disse à Lusa que a sua participação no protesto de Lisboa visa apoiar as mulheres iranianas "vítimas da repressão da ditadura" de Khamenei e contribuir para a libertação e para a revolução das mulheres no Irão, lamentando que poucos no mundo saibam o que se está a passar no Irão.

"Estamos aqui também para ser a voz das mulheres e homens que, no Irão, não têm acesso à Internet, que lhes foi vedada pelo regime, que gritam por liberdade", sublinhou Sobels, palavras repetidas pela sua mulher, que preferiu identificar-se como Maria, 50 anos, para evitar também represálias aos familiares que vivem em Teerão.

 "As iranianas e os iranianos pedem-nos para sermos a voz deles no exterior, pois estão a ser presos, torturados e mortos, não têm liberdade. Queremos, desta forma, contribuir para uma revolução para pôr fim a um regime ditador", afirmou Maria, natural de Teerão, de onde os pais emigraram para os Países Baixos há 49.

Em Lisboa desde 2017, ao lado de Martin, um "nómada digital" que trabalha em Lisboa para uma empresa neerlandesa, Maria, pintora e desenhadora, considerou ser "vergonhoso" o "silêncio" da comunidade internacional face às "constantes e flagrantes" violações aos direitos humanos no Irão.

"[As autoridades de Teerão] são criminosas, são terroristas. O mundo deveria erguer-se contra o regime e apoiar a revolução, a libertação do povo iraniano de um regime ditatorial. O regime ditatorial dos ayatollah deve acabar", frisou Maria.

A artista lembrou que toda uma geração, até aos 43 anos, vive em repressão desde a revolução islâmica de 1979, que transformou o país, até então uma monarquia autocrática pró-ocidental, liderada pelo Xá Mohammad Reza Pahlevi, num república islâmica teocrática, sob o comando do ayatollah Ruhollah Khomeini.

Na ação de protesto, alguns dos participantes vestiam uma 't-shirt' branca salpicada de tons de vermelho, simbolizando o "sangue dos que estão a sofrer e dos que morreram torturados".

 

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