O governo de Israel, através do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, está a repetir que nunca haverá um Estado palestiniano, apesar de a coexistência dos dois Estados (Israel e Palestina) ser a decisão, assente pela ONU, em novembro de 1947, no Plano de Partilha daquela terra. A barbárie cometida pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 deu pretexto a Netanyahu para retaliar em outra continuada barbárie que configura genocídio com assalto e ocupação da terra palestiniana. Perante esta procura do facto consumado por parte de Netanyahu, tornou-se imperativo que os países que respeitam a ordem internacional e cultivam a decência, a dignidade e a justiça concretizem o reconhecimento do Estado da Palestina.

Tudo o que possa ser feito de forma pacífica e legal para impedir Netanyahu de realizar as suas intenções exterminadoras da Palestina faz sentido.

Reconhecer o Estado da Palestina significa reconhecer a existência do povo palestiniano, que ninguém pode contestar, e a existência de um território no qual o seu direito à autodeterminação pode ser exercido. Trata-se de assegurar o direito dos povos à autodeterminação.

Ao ser reconhecido, o Estado palestiniano passa a beneficiar do direito à proteção internacional. Até agora, o Estado palestiniano era reconhecido por 148 dos 193 países com assento na ONU. Entre os 148, sobretudo países do hemisfério sul (quase todos), mas nenhuma potência ocidental. Agora, juntam-se pelo menos três: França, Reino Unido e Canadá. Também a Austrália. Os 148 passam a ser 158, incluindo entre outros, Portugal e a Bélgica. A França lidera este movimento e espera juntar outros países, sendo que Eslovénia, Espanha Islândia e Irlanda já se anteciparam com reconhecimento declarado em maio e junho.

A instalação do Estado da Palestina tem antecedentes.

Israel chegou a assinar, em 13 de setembro de 1993, através de Yitzhak Rabin e Shimon Peres, com Bill Clinton como testemunha, o acordo de paz com a Palestina representada pela OLP através Yasser Arafat. O então presidente dos EUA juntou as mãos de todos na cerimónia transmitida em mundovisão a partir dos jardins da Casa Branca.

Meses antes desta assinatura em Washington do acordo de paz Israel/Palestina, François Mitterand discursou na Knesset, o parlamento de Israel, e, como presidente da França, exortou à coexistência harmoniosa entre os dois povos nos seus dois Estados. Corajoso, Mitterand quis repetir perante os deputados e o governo de Israel o aviso que De Gaulle, antecessor na presidência da França, tinha deixado 20 anos antes: ocupação significa necessariamente resistência, e é difícil evitar que esta passe por terrorismo.

Então ainda prevalecia a lógica de pacificação e convivência, apesar de muitas hostilidades, entre os dois povos com dois Estados vizinhos. Mas, dois anos depois da assinatura do acordo em Washington, um fundamentalista judeu assassinou o primeiro-ministro pacifista Rabin. Foi um pretexto mais para o acordo de 93 nunca se concretizar na prática e para Israel continuar a submeter a Palestina, por entre avanços e recuos, com algumas concessões forçadas pela mediação internacional e em tempo de lideranças menos soberanistas em Israel.

Arafat, doente, morreu em 2004 e logo a seguir a OLP perdeu a unidade interna que o carisma de Arafat impunha. Cresceram tensões entre a Fatah (que Arafat tinha encabeçado), muito desgastada or acusações e evidência de corrupção, e os rivais do Hamas. As políticas sociais do Hamas valeram-lhe ampla vitória em Gaza nas eleições de 2006, as últimas até agora na Palestina. A Fatah ganhou a votação na Cisjordânia. A Autoridade Nacional Palestiniana, liderada or Macmud Abbas(Fatah), tomou a liderança do governo da Palestina, dividido pelas tensões entre Fatah e Hamas, que sucessivos governos de Israel trataram de explorar.

Agora, 23 meses e meio depois do tremendo massacre terrorista praticado pelo Hamas, é o Estado de Israel quem, por ordem do seu governo, faz terrorismo de estado com crimes de guerra diários.

Netanyahu ainda está como chefe de governo de Israel mas o lugar dele deveria ser, como está requerido, no banco dos réus no Tribunal Internacional de Haia, garante da justiça planetária. Ao lado dele deveriam estar os dirigentes do Hamas (julga-se que os principais mandantes já estarão mortos), tal como antes esteve um tirano como Milosevic e já também deveria estar Putin, para além de vários outros promotores de atrocidades que são crime contra a Humanidade. Muita gente com muitas poderosas cumplicidades.

Macron, principal promotor da atual vaga de reconhecimento do Estado palestiniano, está a insistir que este é o caminho mais eficaz para neutralizar o Hamas e concretizar a coexistência de dois Estados. Macron repete que o reconhecimento é um imperativo.

É um facto que o reconhecimento tem valor político e diplomático. Há quem o veja simbólico. Mas a conferência internacional a realizar na segunda-feira na ONU, promovida pela França (Emmanuel Macron) e pela Arábia Saudita (Mohamed bin Salman) vai tratar de introduzir consequências para o ato de reconhecimento: vai ser tratado um plano para a reconstrução de Gaza. O plano tem financiamento multimilionário de monarquias árabes. O plano também prevê, para além do desarmamento e impedimento do Hamas por atividade criminosa terrorista, o apoio à instalação de um governo transitório palestiniano com o encargo de organizar eleições.

Netanyahu fará tudo para que a guerra continue e o plano de pacificação colapse. Mas até dentro de Israel está a crescer a oposição a Netanyahu, sobretudo por se tornar evidente que para ele a libertação dos últimos reféns não é prioridade.

A meio dos anos 90 muita gente julgava impossível que Milosevic e outros criminosos da guerra na ex-Jugoslávia fossem entregues à justiça internacional para julgamento no tribunal de Haia. Foi preso em março de 2001, acusado de crimes contra a Humanidade.