Portugal e Ucrânia estão mais “amigos” — e a Rússia não gosta nada disso
Recuemos a março deste ano, quando a invasão da Rússia à Ucrânia ainda só tinha feito um mês, Moscovo ainda fazia tenções de conquistar Kiev, a Finlândia e a Suécia ainda não tinha decidido juntar-se à NATO e um pão custava bem menos do que agora.
Em videoconferência, perante o Conselho Europeu, Volodymyr Zelensky pedia mais solidariedade com a Ucrânia, lamentando o atraso da resposta europeia à agressão russa. No seu discurso, foi sinalizando, uma a uma, a posição de cada país em relação à guerra. Se a Croácia e a Suécia foram altamente elogiadas, a Hungria recebeu as mais duras críticas pela sua cumplicidade com o Kremlin. Quanto a Portugal? “… bem, está quase”, disse o líder ucraniano.
Na altura, o nosso país ia recebendo farpas mais ou menos veladas de ser titubeante quanto à ajuda à Ucrânia. Volvidos três meses, a situação mudou significativamente, tanto no terreno como na relação entre os dois países.
Se a Rússia passou a concentrar os seus esforços na conquista do Donbass e da zona costeira da Ucrânia — conseguindo resultados bem melhores que quando tentou tomar o país de uma assentada —, Portugal passou a concentrar as suas energias em apoiar o país invadido das mais variadas formas.
Desde então, a “tour virtual” de Zelensky pelos parlamentos do mundo passou também pela Assembleia da República portuguesa, Portugal enviou unidades de resposta rápida para integrarem os batalhões da NATO, assim como armamento e equipamento militar de variada índole. Mais importante que isso, António Costa deslocou-se a Kiev, onde viu de perto os horrores da guerra e comprometeu-se a enviar milhões para os esforços de reconstrução do país.
Sejamos, no entanto, realistas: Portugal pode apenas dar uma parca ajuda no que toca a apoio material e financeiro, e os atos simbólicos são isso mesmo. No que toca a dar um contributo efetivo à Ucrânia, o nosso país tem-se esforçado bem mais no campo diplomático, e hoje foi mais uma prova disso.
Menos de uma semana após o início da invasão pela Rússia, a 24 de fevereiro, a Ucrânia apresentou formalmente a sua candidatura de adesão à União Europeia. Esta terça-feira, mais um passo foi dado, com os 27 Estados-membros em "consenso total" sobre a atribuição do estatuto de país candidato à adesão à Ucrânia.
Dando conta das discussões preparatórias de hoje com vista ao Conselho Europeu que se celebra quinta e sexta-feira, em Bruxelas, o ministro para os Assuntos Europeus francês, Clément Beaune, disse que “o debate cabe agora aos chefes de Estado e de Governo”, que deverão pronunciar-se na cimeira sobre as recomendações da Comissão Europeia relativamente aos processos de adesão de Ucrânia, Moldova e Geórgia, mas manifestou-se convicto de que os ministros hoje já deram passos importantes para que “a unidade europeia, que é essencial, possa manifestar-se mais uma vez”, num “momento histórico no final desta semana”.
De Portugal a Ucrânia pode esperar total apoio, pelo menos de acordo com António Costa. “Falei hoje com o Presidente Zelensky. Confirmei que, na sequência do parecer da Comissão Europeia, Portugal apoiará a concessão do estatuto de candidato à Ucrânia no próximo Conselho Europeu”, escreveu na rede social Twitter.
Nesta mensagem, o primeiro-ministro disse também ter comunicado ao Presidente da Ucrânia a disponibilidade de Portugal “para aprofundar o apoio político e técnico ao processo de adesão ucraniano”.
Esta conversa telefónica com António Costa foi primeiro revelada por Volodymyr Zelensky também através de uma mensagem que divulgou na sua conta na rede social Twitter.
“Tive uma conversa com o primeiro-ministro António Costa. Agradeci-lhe o apoio de Portugal para a atribuição à Ucrânia do estatuto de candidato à adesão à UE. Concordámos usar a experiência de Portugal na nossa aproximação à UE”, escreveu Zelensky.
No Conselho Europeu de quinta e sexta-feira, em Bruxelas, os chefes de Estado e de Governo da UE deverão tomar uma decisão sobre o parecer de 17 de junho da Comissão Europeia, que recomenda a atribuição do estatuto de país candidato à adesão à Ucrânia, assim como à Moldova.
No mesmo dia, conhecida a recomendação do executivo comunitário, António Costa adiantou que Portugal vai acompanhá-la, mas advertiu também que um alargamento da UE vai exigir uma reflexão sobre a “futura arquitetura institucional e orçamental”, e disse esperar que todos estejam conscientes desse caminho coletivo.
Marcelo Rebelo de Sousa não deixou o momento passar em claro e também reagiu à tomada de posição do Governo. “Na sequência das declarações anteriores sobre as perspetivas europeias da Ucrânia, o Presidente da República (Órgão ao qual caberá ratificar um futuro Tratado de Adesão), congratula-se com a decisão do Governo de apoiar a candidatura daquele Estado europeu a membro da União Europeia”, lê-se numa nota colocada no portal da Presidência na Internet.
Não sejamos ingénuos: ser candidato à União Europeia não significa integrá-la num futuro remotamente próximo, muito menos alivia a dor ucraniana e suaviza a destruição que grassa no país. Mas é um começo, e se nos remetermos a 2014, foi essa viragem para Ocidente o que colocou em marcha a antagonização russa às pretensões ucranianas.
De resto, a Rússia continua pouco preocupada em fazer amigos no teatro internacional, e se há quatro meses Zelensky enumerou um a um os países que ajudaram muito ou pouco a Ucrânia, o embaixador da Rússia junto da ONU incluiu hoje Portugal numa lista de países fornecedores de equipamento militar a Kiev, acusando-os de serem "diretamente responsáveis pelo arrastar" da guerra.
Numa reunião do Conselho de Segurança da ONU sobre a situação na Ucrânia, Vasily Nebenzya criticou o Ocidente por fornecer armamento e artilharia de longo alcance a Kiev, visando atingir "a população civil de língua russa" na região do Donbass (leste ucraniano).
"Os Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha, França, Polónia, Áustria, Austrália, Bélgica, Bulgária, Grécia, Dinamarca, Espanha, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Portugal, Roménia, Macedónia do Norte, Eslováquia, Eslovénia, Turquia, Finlândia, República Checa, Suécia (...) uma lista dos maiores fornecedores de equipamento militar ao regime ucraniano, gastando milhares de milhões de dólares", afirmou.