Cereais ucranianos vão continuar em silos. Erdogan tentou, mas Putin disse não ao acordo
O dia começou com os olhos postos no Presidente da Turquia e na sua ida à Rússia, o objetivo da viagem era convencer o Presidente Russo a retomar o acordo sobre as exportações de cereais ucranianos, que Moscovo abandonou no passado mês de julho.
Viajando até julho, o 17.º mês de guerra na Ucrânia, altura em que a Rússia se retirou do acordo que permitia o transporte de cereais ucranianos através do Mar Negro, crucial para o abastecimento alimentar mundial, alegando que as sanções ocidentais estavam a dificultar o mercado internacional dos próprios produtos agrícolas e fertilizantes. A jogada do líder russo coincidiu com a cimeira Rússia-África, onde dias antes aproveitou para prometer aos países africanos que iria continuar a fornecer cereais apesar das sanções sobre Moscovo, num artigo publicado pelo Kremlin. E dias depois, os ataques aos armazéns de cereais ucranianos foram-se sucedendo.
Ora, havendo menos cereais a circular torna-se óbvio o que aconteceu aos preços dos cereais russos dias depois de abandonar o acordo. Logo uma semana depois no mercado europeu Euronext, baseado em Paris, os contratos de futuros do trigo começaram a semana com variações entre 10,5% e 17,25% (neste caso, para os que vencem em setembro), enquanto os de milho chegaram a 14%, no caso dos que acabam em agosto.
A bolsa de Chicago registou operações com subidas entre 46,25% e 60% nos contratos de futuros do trigo, enquanto no milho os aumentos foram de entre 22% e 26,25%.
Em Espanha, depois de interrompido o acordo, alterou-se a tendência descendente e os preços do trigo, do milho e da cevada subiram cerca de três por cento. Espanha é deficitária no comércio de cereais e este ano vai precisar de ainda mais grão devido à seca. Além disso, Espanha, a seguir à China, foi o país mais beneficiou com o acordo entre russos e ucranianos, mediado pela ONU e pela Turquia.
E volta-se assim ao dia de hoje e à Turquia que sempre teve um papel central nesta questão. Logo no início de agosto Putin, pediu ao seu homólogo turco, Recep Tayyp Erdogan, para exportar os cereais russos e contornar as sanções ocidentais.
Putin deixou claro a Erdogan que não tencionava retomar a Iniciativa do Mar Negro, para permitir a exportação de cereais. Na resposta, Erdogan lembrou a importância de evitar medidas que possam “aumentar as tensões durante a guerra entre a Rússia e Ucrânia”, de acordo com o comunicado da presidência turca. O Presidente turco salientou que a saída da Rússia do acordo não beneficia ninguém e que entre os mais afetados estão os países mais vulneráveis e carentes de cereais.
Dias depois, Erdogan considerou que a solução para o escoamento de cereais ucranianos no Mar Negro "depende dos países ocidentais, que devem cumprir as suas promessas".
“A solução deste problema depende do respeito pelos países ocidentais das suas promessas. Não foram tomadas as medidas que teriam permitido transformar num cessar-fogo a atmosfera positiva criada pela Iniciativa do Mar Negro, e de seguida num acordo de paz duradouro”, acusou o chefe de Estado turco, discursando perante a conferência de embaixadores em Ancara.
“Penso que pode ser encontrada uma solução”, acrescentou, numa referência ao recente contacto telefónico com o Presidente russo Vladimir Putin, que recusou prolongar o acordo que expirou em 17 de julho e do qual eram garantes a ONU e a Turquia.
“Na semana passada, no decurso da nossa conversa telefónica com Putin, tomámos conhecimento das exigências da Rússia”, indicou, sem adiantar mais pormenores.
E dando um salto de meados de agosto para o dia hoje, apesar das expectativas iniciais Putin voltou a afirmar que não haverá renovação do acordo para a exportação de cereais ucranianos enquanto o ocidente não ceder às suas exigências. Entre elas a facilitação à exportação de produtos agrícolas russos, tal como de fertilizantes, e levantamento de outras sanções. Putin adiantou ainda estar próximo um acordo para o fornecimento gratuito de cereais com seis nações africanas.
O Presidente da Turquia também aumentou a pressão na Ucrânia, que segundo Erdogan, deve "suavizar a sua posição" relativamente à Iniciativa dos Cereais do Mar Negro e "tomar medidas partilhadas com a Rússia" para que o acordo funcione.
“A Ucrânia deve, é claro, suavizar as suas posições para poder tomar medidas partilhadas com a Rússia”, disse Erdogan durante uma conferência de imprensa conjunta com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, na estância balnear russa de Sochi.
O líder turco insistiu que isso deve ser feito sem demoras para que os cereais possam chegar “aos países mais pobres de África”.
“Se 40% destes cereais forem enviados para países europeus, é claro que a Rússia não vê isto como algo positivo, e com razão”, acrescentou.
Desde o fim do acordo, a Rússia tem bombardeado intensamente os portos do sul da Ucrânia e seus silos de cereais, ao mesmo tempo que Kiev tem procurado rotas alternativas à exportação de produtos, o que merece a oposição de Erdogan.
“As propostas alternativas na agenda não podem oferecer um modelo sustentável e seguro baseado na cooperação entre as partes como a Iniciativa do Mar Negro”, declarou o Presidente turco.
Erdogan especificou que a Turquia está a preparar “um novo conjunto de propostas, em consultas com a ONU” para ressuscitar o acordo, crucial para o abastecimento alimentar global.
O acordo quadripartido permitia o tráfego marítimo a partir dos portos do sul da Ucrânia que estavam bloqueados pela frota russa na região.
Ucrânia e Rússia estão entre os maiores produtores mundiais de cereais e o abastecimento global foi seriamente afetado pela guerra entre os dois países, em fevereiro do ano passado, com impacto na segurança alimentar nos países mais vulneráveis e uma escalada de preços de bens. Sendo por isso bem sonoros os apelos da ONU, do Papa e de várias organizações para que a Rússia volte ao acordo. Importa lembrar que Borrel já culpou Putin pelas mortes fruto da fome.
*Com Lusa