COP28: um acordo histórico ou algo que não vai passar do papel?
A presidência da COP28, a cargo dos Emirados Árabes Unidos (EAU), propôs hoje um novo acordo para desbloquear as negociações sobre o clima.
O documento, com publicação aguardada durante toda a noite pelos negociadores desta Conferência da ONU sobre Alterações Climáticas (COP28), propõe, pela primeira vez na história destes encontros, mencionar todos os combustíveis fósseis, principais responsáveis pelas alterações climáticas, numa decisão a adotar por todos os países.
O texto apela à "transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crucial, a fim de alcançar a neutralidade de carbono em 2050 em acordo com recomendações científicas".
Como é que este acordo foi visto em Portugal?
Os elogios:
- Ministro do Ambiente
O ministro do Ambiente considerou que o acordo alcançado hoje na Cimeira do Clima “fecha com chave de ouro” a participação de Portugal na COP28 e dá "uma perspetiva de esperança, que é muito necessária na política climática”.
Duarte Cordeiro afirmou que esta declaração, “do ponto de vista daquilo que é o texto e a sua ambição”, está “muito mais em linha” com o que diz a ciência, com uma linguagem “do fim dos fósseis”.
O governante destacou o facto de, no que diz respeito ao fim dos subsídios fósseis, ter sido retirada do texto inicial ”alguma da linguagem que abria alçapões para a sua utilização”, tendo o texto sido alinhado “com aquilo que era o mandato da União Europeia”.
- Secretária de Estado da Energia
A secretária de Estado da Energia, Ana Fontoura Gouveia, considerou que o dia de hoje é “muito feliz”.
“Na verdade, 30 anos depois, 28 COP depois, começámos finalmente o fim dos combustíveis fósseis e, por isso, temos de estar muito contentes por termos conseguido que 197 países decidissem em conjunto, por unanimidade, começar este caminho de afastamento dos combustíveis fósseis e também dotar os países mais vulneráveis, que estão mais expostos às alterações climáticas, dos meios para se defenderem, para se protegerem e para assegurarem a qualidade de vida dos seus cidadãos”, afirmou a governante.
- Presidente da República
Numa nota publicada no sítio oficial da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa refere que o acordo "estabelece, na sua redação final, a transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação até 2030, e recolocando a ação climática no rumo para a neutralidade carbónica em 2050, por forma a conter o aumento da temperatura global em 1,5°C, em linha com o Acordo de Paris".
O chefe de Estado assinala também "a importância da aprovação, pelas partes, dos objetivos, propostos pela União Europeia, de triplicar as energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030".
Marcelo Rebelo de Sousa realça "a importância histórica da decisão, aprovada na sessão de abertura da cimeira, sobre as regras de funcionamento do fundo de 'perdas e danos' resultantes das alterações climáticas, fundamental para ajudar os países mais vulneráveis, que prevê um financiamento de 100 mil milhões de dólares por ano, com início oficial previsto para 2024".
"O Presidente da República reforça, ainda, a necessidade de prosseguir no cumprimento dos progressos alcançados e da sua tradução em ações concretas e urgentes, o reforço na cooperação internacional, esforços locais, regionais e nacionais para alcançar uma transição justa e equitativa", lê-se na nota.
- Especialista em alterações climáticas
O investigador Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas, saudou as conclusões da COP28, que apelam para uma transição energética e incluem os problemas da agricultura e alimentação entre as consequências do aquecimento global.
“Deixar o uso dos combustíveis fósseis para passar a usar formas descarbonizadas de energia é um avanço muito grande”, mas “agora falta pôr isso em prática e isso vai levar tempo e esperemos que haja uma aceleração nesse processo de transição, porque ele tem sido demasiado lento”, disse à Lusa o geofísico, considerando que foi importante a inclusão desse compromisso, por consenso dos países reunidos no Dubai na 28.ª conferência das Nações Unidas sobre alterações climáticas (COP28), que terminou hoje.
“São boas notícias o facto de isso ter ficado expresso nas conclusões finais: a necessidade e o acordo de todos os países do mundo em fazer essa transição”, afirmou.
As conclusões da COP28 também reconhecem que “as alterações climáticas estão a ter um impacto sobre a produtividade agrícola em muitas regiões do mundo, praticamente em todo o mundo e que é necessário adaptar os países, adaptar a agricultura dos países, em particular dos países mais pobres, mais débeis, a uma mudança climática, incluindo na União Europeia, o sul da Europa, onde um clima mais seco e um clima mais quente está a provocar problemas”.
"Estes problemas afetam também o nosso país”, alertou o investigador, que destacou o facto de as conclusões terem “salientado a necessidade de diminuir as emissões de gases com efeito de estufa deste setor da agricultura, em particular o metano e o óxido nitroso” e a “decisão de triplicar o uso das energias renováveis até 2030” e de duplicar a eficiência energética.
As críticas:
- Greve Climática Estudantil
A Greve Climática Estudantil manifestou-se cética sobre o acordo alcançado na COP28 para o abandono dos combustíveis fósseis e considera que as soluções não serão encontradas pelas entidades que criaram os problemas.
“Gostávamos de ter essa esperança, mas desde que nascemos que ouvimos mentiras destas instituições, ou seja, fica difícil acreditar nestes acordos que fazem. Instituições em que os lóbis fósseis têm um número maior do que o número de representantes dos vários países… custa-nos acreditar que é isto que vai resolver”, disse à Lusa uma porta-voz da organização, Beatriz Xavier, assinalando que ano após ano as emissões de carbono têm vindo a aumentar.
“Seria ingénuo da nossa parte acreditar que é dentro do sistema que os criou que vão ser resolvidos os problemas e que vão ser criadas soluções. Já há algum tempo que a COP é um centro comercial de inúmeras fraudes apresentadas como soluções para a crise climática, ou seja, a captura e armazenamento de carbono, hidrogénio verde, e todos os produtos publicitários”, acrescentou a porta-voz.
Sublinhando não existir “nada de vinculativo” na declaração alcançada na COP28, Beatriz Xavier salientou que essa ausência de compromissos visíveis representa um “estado de degradação institucional” na resposta à emergência climática.
- Climáximo
O grupo Climáximo denuncia a ausência de objetivos vinculativos no acordo alcançado, sublinhando que o documento reconhece falhanços na luta contra as alterações climáticas.
Em declarações à Lusa, Noah Zino, membro da organização ativista ambiental, sustenta que a declaração dos países reunidos na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), no Dubai, não difere muito do que foi feito nas anteriores cimeiras e reforça a convicção de que “nenhuma instituição é capaz de parar de produzir a crise climática”.
“Liderada pelo executivo de uma petrolífera, o texto nem sequer vincula nada nem nenhum país e o que vemos é uma espécie de cadáver do Acordo de Paris [de 2015], que já está morto há anos e foi maquilhado, apesar do seu falhanço óbvio. 2023 é o ano com mais emissões de sempre e continuam a passar falsas soluções que não vinculam nada a ninguém”, refere.
No entanto, Noah Zino realça que o documento da cimeira também assume que “os esforços atuais só vão reduzir as emissões por 2% até 2030”, sem mudanças realmente visíveis no clima, e que nem a meta de triplicar o uso de energias renováveis será efetiva perante a dependência dos combustíveis fósseis.
“Triplicar renováveis não serve para nada se não for para cortar uns 70% de emissões até 2030. Isto é, têm de falir algumas das maiores petrolíferas do mundo. Nenhuma desta expansão energética está associada a uma redução de emissões, simplesmente querem produzir mais energia e tentam passar uma narrativa de que isso está associado a alguma espécie de corte de emissões. E isso não está escrito em lado nenhum. Nada disto é vinculativo”, observa.
*Com Lusa