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TriPoint, Norte de África

Não ouço o grito.

A enfermeira ouve. E o anestesista também. Estou totalmente focado; é o tipo de foco que só consigo desenvolver quando entro num bloco operatório, quando vejo o esterno aberto desta forma, e as minhas mãos estão dentro do peito do rapaz.

Esta é a minha casa, o meu escritório, o meu santuário. Sinto-me zen aqui.

Mais gritos. Tiros. Helicópteros. Uma explosão.

Doutor?

Ouço o pânico na voz dela. Mas não me mexo. Não desvio o olhar. As minhas mãos, os instrumentos médicos mais antigos da humanidade, estão dentro da caixa torácica, o meu indicador pulsa encostado ao pericárdio. Estou totalmente concentrado, única e exclusivamente, no que estou a fazer. Não há música a tocar. Isso é estranho num bloco operatório hoje em dia, eu sei, mas aprecio o silêncio neste espaço sagrado, mesmo quando temos de fazer transplantes de coração que demoram oito horas. Isso irrita a minha equipa. Precisam da abstração, do entretenimento, da distração… e isso é um problema para mim. Não quero distrações. A minha felicidade absoluta e a minha excelência têm origem nesse foco único.

Mas os sons invadem.

Tiros em rápida sucessão. Mais uma explosão. Gritos mais altos. Estão mais próximos, agora.

— Doutor? — A voz treme agora, em pânico. Então, porque, claramente, não a estou a ouvir. — Marc?

— Não há nada que possamos fazer — respondo. O que não é grande conforto.

Filipe Garcia junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 27 de novembro, uma quinta-feirapelas 21h00. Consigo traz "Breve História do 25 de Novembro", o seu mais recente livro, publicado pela Ideias de Ler.

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Eu e o Trace chegámos a Gadamés há oito dias. Aterrámos no aeroporto Diori Hamani, onde fomos recebidos por uma jovem que eu e o Trace conhecíamos, chamada Salima, se é que esse é o verdadeiro nome dela, e por um motorista entroncado que não chegou a apresentar-se nem nos disse uma palavra que fosse. Viajámos os quatro para nor- deste durante dois longos dias, dormindo numa casa segura perto de Agadez e depois em tendas, debaixo das estrelas, em Bilma. Deixámos o motorista no norte de Níger, atravessando o deserto à noite, até encontrarmos outro carro.

Filipe Garcia junta-se ao É Desta Que Leio Isto no próximo encontro, marcado para dia 27 de novembro, uma quinta-feirapelas 21h00. Consigo traz "Breve História do 25 de Novembro", o seu mais recente livro, publicado pela Ideias de Ler.

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A Salima e o Trace trocam olhares. Não me surpreende. O Trace é a definição pura de um «engatatão». Mesmo rodeado pela morte… bem, talvez seja por causa disso.

Quando estamos próximos da morte é quando nos sentimos mais vivos.

A Salima foi-nos levando para norte, fazendo-nos passar a fronteira entre a Argélia e a Líbia. A leste de Djanet, meia dúzia de membros de uma milícia fortemente armados travaram-nos. Eram todos jovens, adolescentes, diria eu, e com um comportamento agitado e errático motivado por algum tipo de narcótico muito forte. Chamavam-se o Exército das Crianças. Sentia-se o sangue no ar. De olhos arregalados, começaram por me agarrar a mim, depois ao Trace. Os jovens da milícia fizeram‑me ajoelhar.

Encostaram uma arma à minha nuca.

Eu seria o primeiro a morrer. O Trace assistiria. Depois seria a vez dele.

Fechei os olhos, visualizei o rosto da Maggie e esperei que alguém premisse o gatilho.

O Exército das Crianças não nos matou, obviamente. A Salima, que fala pelo menos quatro línguas fluentemente, pôs‑se de joelhos e come- çou a falar muito depressa. Não sei o que ela disse ao certo — a Salima não nos contou —, mas os soldados-crianças seguiram o seu caminho.

Mais gritos. Mais tiros. Mais próximos agora. Tento despachar-me. Não disse à Maggie os verdadeiros riscos que esta última missão implicava a tantos níveis, não por pensar que ela ficaria preocupada, mas por causa das promessas que fizemos um ao outro: ela teria insistido em vir também.

Essa é a fibra de que eu e a Maggie somos feitos.

Alguma vez se interrogaram sobre o que faz de alguém um herói? Há o altruísmo, claro. Mas também o ego, a temeridade e a busca pela emoção.

Não tememos o perigo. Tememos a normalidade.

O Trace, com a sua máscara cirúrgica, enfia a cabeça na sala.

— Marc?

— Quanto tempo temos?

— Atearam fogo à parte norte do campo. Já há dezenas de mortos.

A Salima está a evacuar toda a gente.

Olho para a enfermeira e para o anestesista.

— Vão — digo-lhes.

— Não o pode salvar — diz-me a enfermeira, começando a afastar-se. — Mesmo que acabe a tempo, mesmo que ele consiga, de alguma forma, sobreviver à cirurgia, eles não o vão deixar viver.

Não sei quem «eles» são. Não conheço as justificações, as origens, a história, as fações, as tribos, os líderes militares, os fanáticos, os extremistas, os inocentes. Não sei quem são os bons nem quem são os maus, por que motivo estas pessoas se encontram neste campo de refugiados, de que lado está o opressor ou de que lado está o oprimido. Não se trata de ser apolítico, mas, para mim, para a Maggie e para o Trace, isso não pode ter importância nenhuma.

Continuo a trabalhar no meu paciente, um rapaz de quinze anos chamado Izil. Espero que todas as pessoas que trato estejam inocentes, mas duvido que assim seja. Mas não podemos ter a incumbência de descobrir quem está de que lado. A nossa incumbência, e não quero soar pomposo, é salvar vidas. Costuma‑se dizer: «Matem‑nos todos. Deus escolherá os seus.» Para nós, é mais ou menos o contrário: salvem‑nos todos e Deus… Bem, já estão a perceber.

Não estou aqui a escolher «os dois lados». Estou a não escolher «lado nenhum».

— Saiam todos — insisto. — Quero a sala vazia.

— Marc — diz o Trace.

Os nossos olhares cruzam-se por cima das máscaras cirúrgicas. Eu e o Trace conhecemo-nos há muito tempo. Fizemos o nosso internato em cirurgia juntos. Garantimos cuidados médicos em crises humanitárias como esta por todo o globo. Ele é um dos mais dotados cirurgiões cardiotorácicos do mundo.

— Posso ajudar-te a fechar — continua o Trace.

— Eu trato disto.

— Nós esperamos.

Abano a cabeça, mas ele sabe.

— Deixa-me uma ambulância — peço. — Não hão de disparar contra uma ambulância.

Ambos sabemos que isso já não é verdade, não no mundo atual.

Não devíamos ter vindo. Eu não devia ter permitido. Devia ter tratado dos negócios, dizia adeus e apanhava o avião de volta para casa.

Devia estar com a Maggie.

Não me despeço do Trace. Ele não se despede de mim. Mas esta será a última vez que o vejo.

Segundos depois, estamos eu e o Izil na sala. Despacho-me, acre- ditando, estupidamente, que vou conseguir. Estou a fechar o peito do rapaz quando as portas se escancaram.

Os membros armados da milícia entram de rompante. Não sei quantos são. Têm todos aquela expressão endemoninhada nos olhos. Já vi aquela expressão. Demasiadas vezes. Vi-a há poucos dias a leste de Djanet.

E, às vezes, vejo-a quando me olho ao espelho.

Fecho os olhos, visualizo o rosto da Maggie e espero que alguém prima o gatilho.

CAPÍTULO UM

Baltimore

UM ANO DEPOIS

Maggie McCabe não devia ter vindo.

— Onde estás? — pergunta Marc.

Maggie olha para o rosto do marido no ecrã do telemóvel.

— Eu disse-te.

— Na Johns Hopkins?

— Sim.

— Estás no pátio central?

— Sim.

— Onde nos conhecemos — diz ele. — Na semana de acolhimento dos novos alunos de Medicina. Lembras-te?

— Claro que me lembro — responde Maggie.

— Soube que eras a tal assim que te vi.

— Não me faças vomitar.

— Estou a tentar animar-te.

— Não está a funcionar.

— Então, o que estás a fazer?

Maggie tem uma imagem súbita da primeira vez que ali esteve no campus, ingénua e inexperiente, como se costuma dizer, cheia de esperança, otimismo, energia, vitalidade e esses disparates todos. Quão ingénua. Mas também, quando o nosso mundo se desmorona — quando tivemos tudo e até percebemos e demos graças por termos tido tudo sem nunca tomarmos nada como garantido, nem por um segundo,  quando soubemos a sorte que tínhamos, e, por sermos tão gratos, de alguma forma, ingenuamente, esperámos que o carma nos recompensasse, ou, pelo menos, que nos deixasse em paz —, aprendemos da forma mais difícil que o destino é volúvel, que a vida é o caos e que ninguém sai ileso, que podemos ter tudo num momento e arrebatarem-nos tudo com tanta facilidade…

— Estou para aqui a sentir pena de mim própria — diz ela.

— Para com isso. Vai para dentro.

— Quero ir para casa. Marc franze o sobrolho.

— Não faças isso.

— Não estou preparada.

— Sim, estás. Por favor? Quero que vás. Faz isso por mim.

— A sério?

Ela ergue o olhar para a cúpula branca que encima Shriver Hall e pestaneja para afastar uma lágrima. Uma hora antes, com muita relutância, vestira um vestido formal azul-escuro, de mangas compridas, pelo meio da barriga da perna. Não é preto. Isso seria demasiado mórbido. Azul-escuro parece uma aposta segura: respeito pela ocasião, mas não tenta chamar as atenções. De facto, ela preferia derreter-se no chão do que sequer chegar próximo de dar nas vistas nesta noite em particular.

Livro: "Antes de Desaparecer"

Autores: Reese Whiterspoon e Harlan Coben

Editora: Presença

Data de lançamento: 19 de novembro de 2025

Preço: € 19,90

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— Maggie?

— Estou aqui.

— Vai para dentro. Seria muito importante para mim. E para a tua mãe.

— Uau! — exclama Maggie.

— O que foi?

— Não costumavas ser assim tão sentimental e manipulador.

— Costumava, pois afirma Marc. A voz dela sai suave.

— Costumavas, pois. — E logo a seguir: — Isto é uma treta.

— O quê?

— Nada, deixa estar.

Vinte e dois anos antes, Maggie formara-se nestas distintas salas com todo o tipo de honras que podem ser concedidas a um aluno de Medicina. Fez o internato em cirurgia no NewYork-Presbyterian, tornou-se uma cirurgiã reconstrutiva de renome, serviu o país nas linhas da frente no Afeganistão e no Médio Oriente como médica de campanha, casou com Marc, mudou-se com ele para o estrangeiro para curar os mais carenciados.

A voz de Marc ao telefone:

— Estou?

— Eles vão ficar a olhar.

— Claro que vão ficar a olhar — diz ele. — Tu és uma brasa. Maggie franze o sobrolho. Há coisas que nunca mudam.

— Vai — insiste ele.

Ela faz que sim com a cabeça, porque ele tem razão e desliga a aplicação. A capa do telemóvel dela tem dois bonequinhos de M&M’s, o M&M amarelo, um rapaz, está a estender flores ao M&M verde, a rapariga. Aquela capa para o telemóvel fora um presente que Marc lhe dera meio a sério, meio a brincar. Maggie & Marc. M&M. Marc comprou fronhas com M&M’s. Comprou almofadas decorativas com M&M’s. Marc achava tudo aquilo adorável. Maggie achava que era piroso, o que, claro, só o encorajava ainda mais.

— Maggie?

Assustada com o som da voz, atira o telemóvel para dentro da mala. Vira-se e vê um antigo colega de turma, Larry Magid, um dermatologista. A última vez que vira Larry fora cinco anos antes, no Nepal, quando ele voara para lá para a ajudar a ela e a Marc com uma epidemia de doença de Hansen, mais conhecida por lepra. Acabaram por trabalhar ambos no mesmo hospital, até no mesmo piso, por isso ele conhecia bem as atribulações que a afligiam atualmente.

— Olá, Larry.

Ele mostra-se embaraçado.

— Vieste por causa da… Quero dizer, hum, vais…? — Ele esboça um gesto vago na direção do edifício.

— Claro — responde Maggie.

— Oh.

— O que foi?

— Nada.

— Criaram uma bolsa para honrar a memória da minha mãe — explica ela.

— Certo, já ouvi dizer.

— É por isso que aqui estou.

— Certo. Tenho de ir. O Mickey deve estar à minha espera.

Ele apressa-se a seguir caminho como se, Maggie tem vontade de gritar, ela tivesse lepra. Só lhe apetece pegar no telemóvel outra vez para falar com Marc e queixar‑se: «Estás a ver o que eu dizia?» Mas o telemóvel se encontra dentro da mala, e agora ela está um bocadinho irritada, por isso que se lixe.

Com alguma hesitação, Maggie sobe penosamente os mesmos degraus que galgara com entusiasmo para receber o diploma duas décadas antes. Na faixa pendurada sobre a porta, pode ler-se:

evento de reconhecimento da bolsa bemvindos,
alumni johns hopkins!

O salão está a vibrar. A música, um quarteto de cordas composto por atuais alunos, está a tocar o Quarteto de cordas n.º 19 em maior, de Mozart. Maggie tem os braços estendidos ao longo do corpo e não consegue impedir os dedos de, semiconscientes, moverem-se ao som da música, como se tivesse um violino na mão. Devem estar ali umas quinhentas pessoas, entre médicos e vencedores da bolsa, a passear-se pelo distinto salão. Vê-se logo que é um evento de médicos porque um número demasiado grande dos homens usa laço. É um visual muito apreciado pelos médicos, sobretudo porque as gravatas habituais pendem, soltas, e metem-se no caminho quando estão a examinar alguém. O pai dela, um médico do exército que também viu combates servindo como médico de campanha — no caso dele, no Vietname —, usava sempre laços com flores garridas. Dizia que isso permitia que os pacientes o vissem com algo tolo e, portanto, reconfortantemente humano.

Quando Maggie entra, finalmente, no salão principal, o espaço não se detém nem se abate um silêncio nem nada disso, mas há, sem dúvida, alguma hesitação no ar.

Deixa‑se ali ficar durante alguns segundos demorados, a sentir-se para lá de incómoda, como se as suas mãos, subitamente, fossem demasiado grandes. O rosto fica corado. Porque tinha vindo? Procura um rosto amigo, ou, pelo menos, conhecido, mas o único que vê está no póster apoiado num cavalete em cima do estrado.

A mãe.

Deus, como a mãe dela fora bonita.

A fotografia que tinham ampliado fora tirada para o diretório da escola havia cinco anos, o último ano em que a mãe lá ensinara. Fora mesmo antes do diagnóstico, algo que ela escondera das duas filhas nos três anos que se seguiram, até finalmente telefonar a Maggie, então na sua clínica nova no Gana, e lhe dizer: «Vou contar‑te uma coisa se prometeres que não vens para casa assim que o fizer. O teu trabalho é demasiado importante.» Por isso, Maggie prometera, a mãe contara‑lhe e ambas choraram, mas Maggie manteve a promessa até que a irmã, Sharon, lhe telefonou e disse: «Está quase na altura.» Então, Maggie despedira-se de Marc com um beijo no Aeroporto Internacional do Dubai, dissera-lhe para tratar do que havia a tratar e vir rapidamente para casa, depois apanhara o avião para ficar de vigília com Sharon à cabeceira da mãe, nos seus últimos dias.

Maggie olha a sua mãe-póster nos olhos porque, neste momento, é o único rosto amistoso na sala. Encaminha-se ao estrado de cabeça erguida. Espera que seja narcisismo da sua parte, mas as conversas parecem deter-se ou, pelo menos, baixar de tom à sua passagem. Seguem-se murmúrios, ou, mais uma vez, talvez seja só da sua cabeça. Mesmo assim, não afasta o olhar, não se permite usar a sua visão periférica. Os olhos mantêm‑se cravados na mãe, mas agora sente os olhares fixos. 

Uma figura conhecida atravessa‑se no seu caminho e diz:

— Não estava à espera que aparecesses.

É Steve Schipner, conhecido por Steve Sórdido, outro cirurgião reconstrutivo como ela, mas que, espera ela, não se assemelhe nada a si. Tem mais de um milhão de seguidores numa conta no Instagram, em que exibe fotografias de «antes e depois» e chama‑se a si próprio o Encantador de Mamas. Ela e Steve formaram-se na mesma turma e fizeram o estágio em cirurgia juntos no NewYork‑Presbyterian/Columbia University sob a tutela do doutor Evan Barlow. Steve é aquele tipo que não consegue dizer bom-dia sem que pareça ter um duplo sentido sórdido, daí a sua alcunha. Vive agora no Dubai e especializou-se em, para citar a biografia que tem no perfil, «influenciadoras ambiciosas que procuram engrandecer as visualizações nas redes sociais, as suas vidas… e o tamanho da copa.»

— Pois é, sou uma caixinha de surpresas — retorque Maggie. Ele olha em redor, reparando nos olhares fixos e hostis.

— Pelo menos, eu estou contente por te ver.

— Obrigada, Steve.

— Viste o Barlow?

— Tu viste? — pergunta ela.

— Não.

— Duvido que venha.

— Ouvi dizer que ia aparecer — diz ele. — Queria falar com ele sobre uma parceria muito vantajosa e… Ele cala-se, vira-se e esboça o seu sorriso mais radiante. — Oh, adivinha onde estou a trabalhar agora.

Ela não quer adivinhar, mas seria pior não alinhar na brincadeira.

— Ouvi dizer que no Dubai.

— Sim, mas onde no Dubai?

— Não sei, Steve. Onde?

Ele inclina-se para ela e sussurra:

— Na Apollo Longevity.

Maggie tenta manter o rosto inexpressivo. Não é fácil. Steve continua:

— Não era lá que tu e o Marc costumavam…?

— Já não estou envolvida nisso.

Maggie tenta digerir a informação. A Apollo Longevity continua em atividade. Ainda hoje. Mesmo depois de tudo o que se passou.

Isso não é nada bom.

Steve olha-a de cima a baixo, rastejando pelo corpo dela com os olhos como minhocas depois de uma tempestade.

— Estás com bom aspeto, Mags. — Ele arqueia uma sobrancelha, antes de acrescentar: — Muito bom. Tão bom.

Maggie produz um ruído evasivo, algo como «hum‑hum».

— Tão tonificada, tão em forma continua Steve, fletindo o bíceps para ilustrar. — O que é que fazes, musculação? Pilates? — Mais uma sobrancelha arqueada. — Ioga, quente e transpirada?

Ela abana a cabeça.

— Essas frases de engate costumam funcionar, Steve?

— Sempre, Mags. Sabes porquê?

— Não tens de me dizer — afirma Maggie. — Mas aposto que o vais fazer.

Ele aproxima-se da orelha dela.

— Porque agora sou um cirurgião rico, bem-sucedido, com quarenta e sete anos. Consigo comer petiscos muito mais novos do que tu.

Ela esboça um esgar.

— Acabaste de dizer «petiscos mais novos»?

— Não és demasiado boa para mim — diz ele. Depois, acrescenta num sussurro cruel: — Já não és.

Com essas palavras, Steve afasta-se, viscoso.

O rasto de viscosidade de Steve conduz a um aglomerado de antigos colegas de ambos que se encontram no canto direito do salão. Ela conhece todos eles, mas quando olha nessa direção, todos se juntam mais e se esforçam por fingir que não a veem. Parte de Maggie está furiosa e só lhe apetece confrontá-los, mas a outra parte, uma parte maior e mais honesta, interroga-se se ela própria não faria parte daquele amontoado de gente que a evita com o olhar se tivesse sido outro colega a cair em tamanha desgraça e não ela.

Que se lixe.

Maggie encaminha-se para o centro do aglomerado e diz:

— Olá.

Silêncio.

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