"Não tenho nenhuma esperança de vê-lo", lamenta o irmão Jamil Afridi, que aceitou falar com a AFP num local mantido em segredo porque se sente ameaçado.

Tudo aconteceu quando o médico Shakil Afridi, de 50 anos, organizou uma falsa campanha de vacinação contra a hepatite C que serviu para confirmar a presença de Bin Laden, o procurado chefe da Al-Qaeda e cérebro dos atentados de 11 de setembro de 2001. Uma vez localizado, um comando das forças especiais americanas matou-o a 2 de maio de 2011, num ataque à casa de Abbottabad, uma pequena cidade paquistanesa que abriga a academia militar nacional.

O Paquistão considerou esta intervenção uma humilhação, o que deixou uma marca nas suas relações com os Estados Unidos e que apenas serviu para complicar a situação de Shakil Afridi. Os detalhes sobre como a CIA contactou Afridi são confusos. A imprensa paquistanesa afirma que vários funcionários da ONG "Save The Children", com quem Shakil Afridi trabalhava, agiram como intermediários. No entanto, a organização desmente esta afirmação.

Shakil Afridi chegou a reconhecer o seu envolvimento na operação através de uma confissão na única entrevista que concedeu sobre o tema à Fox News, em 2012, informação que foi confirmada pelo ex-secretário de Defesa dos Estados Unidos, Leon Panetta.

"Bode expiatório"

O médico, que ficou encarregue de organizar uma campanha de vacinação para obter uma amostra de ADN no lugar onde Bin Laden vivia, afirmou que ninguém o informou quem era o alvo da operação e que negou fugir do país quando isso lhe foi pedido.

As autoridades paquistanesas detiveram-no pouco depois. Foi julgado por vínculos com extremistas e condenado a 33 anos de prisão, reduzidos posteriormente para 23 anos. Desde então, o procedimento parou. O julgamento em apelação começou em 2014 e foi já adiado várias vezes.

Grupos de defesa dos direitos humanos deram o alerta e pediram a sua transparência. "Converteu-se num bode expiatório", afirma Zar Ali Khan Afridi, um ativista dos direitos humanos. Segundo o seu advogado, Qamar Nadeem, o médico está detido em regime de isolamento numa cela pequena. Nadeem acredita que, apesar de todas estas precauções, a sua vida corre perigo.

Qamar Nadeem, que é já o segundo advogado de Shakil Afridi, está há dois anos sem ter acesso ao seu cliente. O primeiro advogado fugiu do Paquistão devido às ameaças dos talibãs e foi assassinado durante uma visita ao país em 2015.

O médico só recebe as visitas da sua esposa e dos seus filhos a cada dois meses, aproximadamente, afirma o advogado. Apesar de uma decisão do Supremo Tribunal de Peshawar que concede o direito de visita a irmãos e irmãs, Jamil Afridi está há quatro anos sem conseguir ver o irmão. O tribunal "não reconhece a sentença", suspira Jamil, acrescentando que o aconselharam a não insistir.

O advogado Qamar Nadeem está convencido de que o caso não avançará sem pressão por parte dos Estados Unidos. "Até ao momento não deram sinais de apoio", lamenta.

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Prioridade às negociações

No entanto, a história de Shakil Afridi nem sempre foi assim. Em 2012, um comité do Senado americano votou simbolicamente um corte de 33 milhões de dólares da ajuda concedida a Islamabad, ou seja, um milhão por ano de prisão imposto ao médico. Mas a pressão americana foi diminuindo à medida que se reforçavam os vínculos com Islamabad e surgiam outras prioridades, de acordo com vários especialistas.

"As negociações com os talibãs (afegãos) impuseram-se sobre todas as outras", afirma Ahmed Rahsid, analista especializado em segurança. Os americanos não querem abordar "temas espinhosos" com o Paquistão, considerado um mediador crucial nas negociações de paz no Afeganistão. Michael Kugelman, investigador no Woodrow Wilson Center, em Washington, defende que o caso Afridi "não desapareceu nunca. Acredito que as autoridades americanas exercem pressão com certa regularidade, com discrição".Mas "é provável que o tema tenha passado para segundo plano", afirma, diante das poucas esperanças de que seja alcançado um acordo "no curto prazo".

As repercussões do caso Afridi não são apenas diplomáticas: alguns extremistas utilizam-no como desculpa para rejeitar as campanhas de vacinação e atacar os que as realizam.