Ana Leal anunciou a sua saída da TVI numa publicação na sua conta na rede social de Facebook.

"Moro num livro envelhecido pelo tempo. Hoje abri esse livro. As imagens sucedem-se. São a minha existência. O que vi. O que senti. O que ninguém poderá contar por mim. Nomes. Lugares. Pessoas. Rostos. Expressões. Montanhas. Vales. Cores. Cheiros. Medo. Esperança. Memórias. O que nunca me conseguirão tirar porque fui eu que escrevi essas linhas. Hoje chorei. Amanhã será outro dia", escreve a jornalista, depois de indicar que foram "20 Anos de Tvi que chegaram ao fim".

Depois de fazer agradecimentos a vários profissionais com quem trabalhou, a jornalista termina o texto em tom de recado à direção da TVI.

"Durante o Programa Ana Leal emitimos cerca de cem reportagens de investigação que incomodaram poderes instalados e pessoas que se julgavam intocáveis. Voltaria a fazer tudo da mesma forma, com o orgulho de quem não verga a nenhum tipo de pressão", conclui.

A TVI instaurou um inquérito interno a Ana Leal no passado dia 26 de maio e a jornalista foi alvo de um processo disciplinar. Em causa, esteve a a suspensão do segmento “Ana Leal”, que era transmitido quinzenalmente, às terças-feiras, a 10 de março, na sequência da propagação da pandemia.

O cancelamento foi alvo de críticas por parte dos jornalistas que integravam a equipa do programa. “A equipa continuou a trabalhar sob as orientações da coordenadora Ana Leal”, apenas em “histórias sobre a temática covid-19” e que seriam transmitidas no “‘Jornal das 8’ sempre que estivessem concluídas, mas agora sem dia nem hora marcados”, refere uma carta, a agência Lusa teve acesso, enviada pela equipa da jornalista ao Conselho de Redação da TVI.

A carta refere ainda que o Diretor de Informação, Sérgio Figueiredo, concordou manter “a marca de água ‘Ana Leal’ para que os espetadores soubessem que o programa estava vivo”, mas acabou por retirar a “respetiva autorização acordada com a jornalista Ana Leal, sem nunca explicar porquê”.

Segundo o documento, o diretor de Informação comunicou, em 26 de março, que a equipa do programa “era dissolvida” e que os jornalistas que a integravam “regressavam à redação”.

A carta acrescenta que nunca foi referido a este grupo “que se tratava de uma situação transitória para acorrer a necessidades da redação” e que “a ideia foi transmitida como definitiva”.

Os jornalistas que integravam a equipa deste segmento incluíram na missiva um excerto de uma conversa na aplicação de mensagens para 'smartphone' WhatsApp, de 17 de março, com uma mensagem atribuída a Sérgio Figueiredo e que consideram que demonstra “o que pretendia da informação da TVI”.

“Jornalismo é informar, mas é, sobretudo, ter a noção do papel que desempenha na sociedade. Por isso, também é filtrar, ter a noção do tempo e do modo como o nosso trabalho impacta na vida dos outros. Enquanto os incêndios não se apagam, não é hora de questionar os bombeiros. Não ignoramos as falhas, mas estar a insistir nelas, estar sobretudo preocupado em denunciar o que não funciona, assusta as pessoas e afasta-as da antena, provoca rejeição. As televisões têm agora a preocupação de informar, de esclarecer, de ser pedagógicos, de perceber que as pessoas precisam sobretudo tranquilizar-se e confiar”, terá dito Sérgio Figueiredo, em resposta a Ana Leal sobre uma reportagem que seria exibida no dia seguinte (18 de março).

“Quando ela acabar [a pandemia], quando ela for vencida, então voltamos a questionar, a denunciar, a pôr em causa. Como sempre temos feito, como esta equipa tem feito, com o aval e o comprometimento pessoal deste diretor que vos admira e dá o corpo às balas para que nenhuma pressão nenhum interesse vos trave”, terá acrescentado o diretor de Informação da TVI.