"Mesmo antes das eleições, Trump decidiu que, independentemente dos factos e da verdade, se perdesse, diria que houve fraude", afirmou Zoe Lofgren, deputada democrata do comité que procura esclarecer a responsabilidade do bilionário republicano no ataque ao Congresso dos Estados Unidos pelos seus apoiantes a 6 de janeiro de 2021.

O ex-presidente de 76 anos reagiu durante a noite, chamando à investigação de "escárnio da justiça", numa carta de 12 páginas na qual também reiterou as suas falsas alegações de fraude nas eleições presidenciais de 2020.

O painel liderado pelos democratas "procura distrair o povo americano", escreveu Trump. "A verdade é que os americanos apareceram em grande número em Washington D.C. em 6 de janeiro de 2021, para responsabilizar os seus funcionários eleitos pelos sinais claros de atividade criminosa ao longo da eleição", acrescentou, apesar do arsenal de provas que apontam para o oposto.

Na segunda de uma série de audiências após quase um ano de investigação, a comissão exibiu depoimentos em vídeo sobre as manobras do ex-presidente entre a noite das eleições presidenciais e o assalto ao Capitólio.

Uma hora depois do encerramento das urnas, no dia 3 de novembro de 2020, Joe Biden e Donald Trump estavam empatados. "Estava cada vez mais claro que as eleições não seriam decididas nessa noite", declarou Ivanka Trump, filha do ex-presidente e uma das suas principais assessoras à época, em testemunho divulgado nesta segunda-feira pela comissão.

Ivanka foi apenas uma das pessoas da equipa de Trump a aconselhá-lo a não declarar vitória nessa noite. Contudo, pouco antes das 02h30 da madrugada, no horário local, Donald Trump fez uma declaração pela televisão da Casa Branca. "Ganhamos as eleições", garantiu, num momento em que a contagem dos votos ainda não tinha sido concluída.

Um dos poucos que incentivaram o presidente a pronunciar-se publicamente foi o seu advogado e ex-mayor de Nova Iorque, Rudy Giuliani, que, segundo o testemunho de um dos assessores do presidente, estava "aparentemente bêbado"

Já a 7 de novembro de 2020, pouco antes das 11h30, Joe Biden foi declarado o vencedor das eleições. No mesmo dia, o chefe de campanha de Donald Trump participou numa reunião com o presidente em fim de mandato. "Dissemos-lhe quais eram as suas hipóteses de ganhar naquele momento, tinha talvez 5% ou 10%", lembrou Bill Stepien, ex-gestor de campanha de Trump.

Ainda segundo Stepien — que não pôde estar presente nas audiências, mas que deixou um testemunho gravado —, essas afirmações irritaram cada vez mais Trump, que decidiu mudar a sua equipa e cercar-se de pessoas que o apoiavam a qualquer custo. A 19 de novembro, essa nova equipa jurídica concedeu uma conferência de imprensa, na qual Sidney Powell, uma das advogadas de Trump, acusou a Venezuela, Cuba e os democratas de tramar um complot eleitoral. Ao seu lado, Rudy Giuliani denunciou "uma escandalosa cortina de ferro da censura".

Quatro dias depois, o procurador-geral Bill Barr foi até à Casa Branca para examinar diversas vezes a suposta fraude eleitoral apresentada por Donald Trump.

"Isto desmoralizou-me, porque eu pensei: 'Isto é loucura, se ele realmente acredita em tudo isto, significa que está realmente desconexo com a realidade'", declarou Bill Barr, que renunciou ao cargo a 14 de dezembro desse ano.

No mês seguinte, Donald Trump e os seus colaboradores continuaram a defender "estas mentiras" sobre a fraude eleitoral para arrecadar dinheiro, concluiu a comissão. A equipa de campanha de Trump inundou os seus apoiantes com dezenas de mensagens e arrecadou 250 milhões de dólares entre o dia da eleições e o 6 de janeiro de 2021, revelou.

"A grande mentira também foi uma grande farsa", disse Lofgren, conhecida por trabalhar nas acusações perante o Congresso de três presidentes: Richard Nixon, Bill Clinton e Donald Trump.

A chamada comissão "de 6 de janeiro", composta por sete democratas e dois republicanos, continuará a apresentar as suas conclusões sobre a investigação, segundo a qual o ex-mandatário planeou "uma tentativa de golpe de Estado".

O secretário de Justiça, Merrick Garland, afirmou que está a acompanhar "todas as audiências" dessa comissão e prometeu que responsabilizará todos os envolvidos nos eventos de 6 de janeiro de 2021, "independentemente da sua patente, da sua posição ou se estavam" presentes no ataque ao Congresso.