O bastonário da ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, manifesta criticismo face à proposta de lei do Governo sobre a Estratégia Nacional Anticorrupção que na sexta-feira é discutida no parlamento, tendo dito à Lusa que no diploma, logo em primeiro lugar, "não se propõe qualquer medida relativa ao financiamento dos partidos políticos, a qual, como se sabe, é essencial em qualquer combate à corrupção".

Depois, adianta o bastonário, pretendeu-se criar um novo órgão de combate à corrupção, o Mecanismo Anticorrupção, extinguindo-se o Conselho de Prevenção da Corrupção.

"No entanto, esse Mecanismo Anticorrupção vai deixar de fora do novo regime de prevenção da corrupção os gabinetes de todos os órgãos de soberania, incluindo os tribunais e o Ministério Público, dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas e autarquias locais. É manifesto que com todas estas exclusões esse Mecanismo Anticorrupção não será eficaz", alertou.

Luís Menezes Leitão disse também ser "muito criticável" a proposta de estabelecer um sistema de negociação das penas, que fará com que o processo penal português deixaria de ser um processo de julgamentos para passar a ser um processo de acordos, à semelhança do que sucede no sistema norte-americano.

Tal proposta, em sua opinião, "viola claramente" o princípio da legalidade e o princípio da culpa, levando a "uma verdadeira mercantilização da justiça, em que o melhor negociante acabaria por ser o menos punido, em total contrariedade ao que deve ser o funcionamento da justiça".

Associado a esta proposta de consagração de mecanismos de negociação de penas, disse ainda o bastonário dos advogados, surgem propostas como o que designou de "delação premiada", destinada "a premiar" o criminoso que denuncie os seus cúmplices, com uma redução ou mesmo uma isenção de pena.

"Trata-se de uma proposta que põe igualmente em causa o princípio da legalidade, na medida em que subtrai à condenação penal pessoas que a deveriam sofrer, apenas porque denunciaram outros, mas também viola o princípio da culpa, já que vai punir os participantes num crime por forma distinta da culpa que cada um deles teve no mesmo, apenas pelo facto de terem sido os primeiros a denunciar os companheiros", observou

Nas palavras do bastonário, o problema é que este tipo de sistema não garante a condenação daquele arguido que é mais responsável pelos crimes, acabando por beneficiar aqueles que confessaram primeiro e denunciaram os outros e, em última análise, poderia permitir aos líderes de organizações criminosas convencer membros menores da organização a assumir a culpa pelos crimes, escapando assim à condenação.

"É evidente que desta forma não se estaria a fazer justiça", disse, concluindo que, por todos estes motivos, a Ordem dos Advogados pronuncia-se "desfavoravelmente sobre as propostas do Governo de combate à corrupção”.

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) acredita que algumas das propostas do Governo podem contribuir para a melhoria dos instrumentos legislativos no combate ao fenómeno criminal, mas "não resolvem o problema de base, a falta de meios para um combate eficaz à corrupção".

"Quanto aos meios não vemos qualquer vontade ou proposta séria do Governo para dotar a investigação criminal dos mesmos. Essa vontade do Governo não encontra suporte no Orçamento de Estado, nem no megapacote aprovado de ajuda à recuperação dos países afetados pela pandemia e aprovado pela União Europeia (a denominada bazuca europeia), onde não é visível qualquer reforço financeiro ou projeto do governo português no âmbito do reforço dos meios para o combate à corrupção", assinalou o SMMP.

O SMMP apresentou 50 medidas para combater a corrupção, incluindo dotar o MP de magistrados e funcionários em número suficiente com formação específica em investigação criminal e para reforçar os vários departamentos da PJ, bem como o laboratório cientifico, com inspetores, peritos, técnicos e especialistas

Entre as medidas estão também aumentar o número de magistrados nos Tribunais Administrativos e Fiscais para acelerar decisões com impacto económico-financeiro e dotar o Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) junto da PGR de meios humanos capazes de dar resposta às solicitações de todo o país.

"Nenhuma dessas medidas foram acolhidas pelo Governo", disse o SMMP, notando que, pelo contrário, e por exemplo, se assiste na proposta de Estatuto dos Oficiais de Justiça que o Governo pretende limitar e condicionar a atividade do MP, arredando esta magistratura da possibilidade de ter qualquer poder de decisão quanto à afetação de funcionários e inviabilizando a possibilidade de realização de diligências pelos mesmos no DCIAP e DIAP Regionais e DIAP.

Para o sindicato, o MP atravessa uma crise de falta de magistrados que "não encontra paralelo na sua história e que se não for resolvida rapidamente vai levar à paralisação de muitas das investigações em curso, designadamente sobre corrupção", pelo que "o pacote legislativo apresentado pode apenas servir para iludir os incautos de que o Governo está interessado em combater a corrupção".

A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) avançou com propostas sobre "Obrigações Declarativas em altas funções públicas", incluindo a obrigação de declarar promessas de vantagens patrimoniais futuras superiores a 50 salários mínimos nacionais, mas a medida, segundo a ASJP, não foi acolhida pelo PS e PSD.

Quanto à proposta da ASJP de obrigação de justificar a proveniência de rendimentos ou património, aí as sugestões foram acolhidas pelos projetos do PCP, BE, PS, PAN, PEV, PSD, IL, CDS-PP, embora o projeto do PSD preveja o dever de indicar os factos que originaram as alterações patrimoniais, mas depois não puna essa omissão como crime, limitando-se a prever um dever de participação ao MP.

A ASJP fez ainda propostas sobre ocultação de riqueza adquirida no exercício das funções, mas nos projetos do PS e PSD só haverá crime se o titular do cargo for previamente notificado para apresentar uma declaração em falta e mesmo assim ocultar intencionalmente património ou rendimentos, pelo que "os casos problemáticos visados na proposta da ASJP, que são aqueles de verificação mais frequente e que oferecem maior risco, ficam isentos de punição".