“A fim de assegurar uma aplicação uniforme do direito da União, o Tribunal de Justiça, criado para este efeito pelos Estados-membros, tem competência exclusiva para declarar que um ato de uma instituição da União é contrário ao direito da União. Com efeito, divergências entre os órgãos jurisdicionais dos Estados-membros quanto à validade de tais atos seriam suscetíveis de comprometer a unidade da ordem jurídica da União e de prejudicar a segurança jurídica”, sustenta, numa invulgar reação a uma decisão de um órgão jurisdicional nacional.
A reação surge num comunicado hoje divulgado, no qual a direção da comunicação do Tribunal de Justiça da UE indica ter recebido numerosas questões em relação ao acórdão da passada terça-feira pelo Tribunal Constitucional alemão sobre o programa de compra de dívidas do Banco Central Europeu (BCE) e, apontando que “nunca comenta uma decisão de um órgão jurisdicional nacional”, recorda alguns princípios “de uma maneira geral”.
O Tribunal aponta então que “cabe recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um acórdão proferido a título prejudicial por este Tribunal vincula o juiz nacional relativamente à solução do litígio no processo principal” e sublinha que, “à semelhança das demais autoridades dos Estados-membros, os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados a garantir a plena eficácia do direito da União”.
“Só assim é possível assegurar a igualdade dos Estados-membros na União por eles criada”, reforça a instituição, que conclui o comunicado indicando que “abster-se-á de qualquer outra comunicação sobre este assunto”.
O Tribunal Constitucional alemão exigiu na terça-feira ao BCE que no prazo de três meses justifique a conformidade do seu mandato para as vastas compras de dívida, numa sentença com implicações incertas, isto apesar de, em 2017, e face a dúvidas já levantadas pelo mesmo tribunal com sede em Karlsruhe, o Tribunal de Justiça da União Europeia ter proferido um acórdão considerando que o programa do Banco Central Europeu não viola o direito comunitário.
Todavia, na nova sentença proferida esta semana, o tribunal de Karlsruhe declarou que o programa de compra de dívida do BCE, adotado em 2015 excedeu os seus poderes sem considerar a proporcionalidade da medida como uma ferramenta para aumentar a taxa de inflação para cerca de 2%, e considerou "duvidosa" a competência para recomprar massivamente a dívida pública.
À luz da decisão do Tribunal Constitucional alemão, o banco central alemão (Bundesbank) será proibido de participar neste programa anticrise se "o Conselho do BCE" falhar em demonstrar, "de maneira compreensiva e substancial", "que não excedeu os tratados europeus”.
Com esta sentença, o tribunal alemão declarou que o programa de compra de dívida do BCE, adotado em 2015, é parcialmente contrário à Constituição da Alemanha, mas sublinhou que "não foi capaz de estabelecer uma violação" pelo BCE da proibição de financiar diretamente os Estados europeus.
A Comissão Europeia já garantiu que velará pelo respeito dos Tratados da UE, que determinam de forma "muito clara" o primado do direito europeu.
“Vamos ser os guardiões dos Tratados, e isso significa duas coisas muito claras: a primazia no direito europeu é europeia, e não de tribunais nacionais, e, em segundo lugar, a independência do BCE é um pilar do nosso projeto europeu, pelo que não creio que haja consequências [desta sentença], pois estou confiante de que o Guardião dos Tratados, a Comissão, atuará nesta direção após esta decisão, tal como fizemos após outras decisões de outros tribunais constitucionais e outros tribunais de Estados-membros”, disse quarta-feira o comissário da Economia, Paolo Gentiloni, numa entrevista à Lusa e a outros órgãos de comunicação social europeus.
Na quinta-feira, a presidente do BCE, Christine Lagarde, disse que a instituição “continuará, sem se deixar desencorajar, a fazer tudo o que for necessário para cumprir o seu mandato”.
O BCE “continuará, sem se deixar desencorajar, a fazer tudo o que for necessário para cumprir o seu mandato” de estabilidade de preços na zona euro, estimou Christine Lagarde numa conferência organizada pela agência Bloomberg, acrescentando que o Banco Central Europeu é “uma instituição europeia, responsável perante o Parlamento Europeu e sob a jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia”, acrescentou.
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