A afirmação é de Aristides Teixeira, participante nos protestos contra o aumento das portagens de 100 para 150 escudos, que culminaram, no dia 24 de junho de 1994, com o bloqueio da praça da portagem da Ponte 25 de abril.
"Este movimento de cidadãos na Ponte 25 de Abril criou um novo paradigma dos protestos - a partir daí as populações adotaram o buzinão, os trocos [dificultados com notas de elevado valor] e as marchas lentas como forma de protesto em diversas causas - e foi o ponto mais alto e de referência do movimento de cidadania e do exercício da cidadania", disse à agência Lusa Aristides Teixeira, que alguns dias depois do bloqueio se tornou presidente da nova Associação Democrática de Utentes da Ponte 25 de Abril (ADUP).
O bloqueio da ponte (que liga Lisboa e Almada, no distrito de Setúbal) começou ainda de madrugada quando um grupo de camionistas começou a circular em marcha lenta na autoestrada A2 e imobilizou seis camiões carregados de brita junto às portagens.
Muitos automobilistas e `motards´ juntaram-se de imediato ao protesto dos camionistas contra o aumento (de 50%) das portagens, que tinha sido aprovado cerca de cinco meses antes pelo Governo de Cavaco Silva, mas que só entrou em vigor em 18 de junho de 1994.
Como recorda Aristides Teixeira, "o então ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, justificou o aumento das portagens com a necessidade de se observar o princípio do utilizador-pagador, mas os utentes defendiam, já nessa altura, que as portagens se destinavam apenas a pagar a construção da ponte, tal como tinha sido anunciado pelo anterior regime, que previa a extinção das mesmas quando o custo da obra estivesse liquidado, o que, na realidade, nunca aconteceu".
Embora os primeiros protestos tivessem começado em 18 de junho, com muitos automobilistas a buzinarem sempre que atravessavam a ponte, o bloqueio terá apanhado o Governo de surpresa.
"Isto apanhou o Governo desprevenido. Os membros do Governo já se tinham esquecido do que tinham decidido há cinco meses e aquilo caiu-lhes quase como um presente envenenado, porque se aproximavam eleições. Não era conveniente", disse Aristides Teixeira.
"Com Mário Soares [Presidente da República] a dizer que tínhamos direito a manifestar a nossa indignação, o Governo estava perfeitamente aflito, não sabia o que fazer e a decisão que tomou só podia ser a de suspender as portagens", acrescentou.
O bloqueio só viria a terminar ao final do dia, após uma carga policial que ocorreu depois de o então ministro da Administração Interna, Dias Loureiro, ter aterrado de helicóptero na praça da Portagem e de ali ter permanecido durante algum tempo.
A carga policial que se seguiu provocou vários feridos. Um jovem, na altura apenas com 18 anos, foi atingido por um disparo de arma de fogo, que o deixou paraplégico, mas nunca se apurou quem tinha sido ao autor desse disparo.
Três dias depois do protesto, o executivo de Cavaco Silva acabou mesmo por suspender o aumento das portagens, até setembro, enquanto os utentes e a ADUP, formalmente constituída já depois do bloqueio, reclamavam aumentos não superiores à taxa de inflação e soluções de pagamento com descontos significativos a partir de um determinado número de travessias da ponte.
Algumas dessas soluções foram mesmo implementadas e ainda se mantêm em vigor.
A Ponte 25 de Abril foi inaugurada em 6 de agosto de 1966, apenas com um tabuleiro rodoviário, e, tal como previsto desde o início da construção, acabou por ter também um tabuleiro ferroviário, a partir de 29 de julho de 1999, por onde circulam diariamente mais de uma centena de comboios.
Ao nível do fluxo rodoviário, em 1970 atravessaram a ponte cerca de seis milhões de veículos (6.133.000), enquanto em 2015 foram mais de 50 milhões de viaturas (50.564.545).
Porém, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), foi em 2005 que se verificou a mais elevada afluência de que há registo, com a circulação de mais de 57 milhões de viaturas (57.028.695).
Quando a ponte foi inaugurada, em 1966, o preço da portagem para uma viatura de classe 1 era de apenas dez escudos. Atualmente, o mesmo tipo de viaturas paga 1,85 euros (o equivalente a cerca de 370 escudos na antiga moeda portuguesa) pela travessia, no sentido sul-norte.
A agência Lusa tentou ouvir o então ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, que desde 2008 é membro não-executivo do conselho de administração da Lusoponte, mas não foi possível.
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