A dois meses das próximas eleições legislativas, e depois de um fim de semana de diretas no PSD mais uma vez marcado pelo tema das sondagens, a fiabilidade dos estudos de mercado e a própria evolução tecnológica do setor é um tema em discussão, a começar pelos próprios profissionais do setor. Carlos Mocho, presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Estudos de Mercado e Opinião (APODEMO), coloca ênfase na questão do intervalo temporal face aos eventos sobre os quais os inquiridos são questionados.
"Quanto ao tema específico da sondagem política é importante que se perceba o que é uma sondagem e o que representa. Uma sondagem efetuada um mês antes do evento a que se reporta, em casos específicos, dificilmente terá o mesmo resultado do evento. Existem inquiridos sem uma opinião formada, os indecisos e que são preponderantes para o desfecho final. Também existem os que mudam de opinião. Seguramente, se foi feita alguma sondagem dois ou três dias antes do evento, estou certo de que o resultado estaria muito mais próximo daquele que foi o final, do que o da sondagem feita um mês antes".
O desvio entre os resultados de sondagens e a realidade do voto não é uma idiossincrasia portuguesa, pelo contrário, foi a pedra de toque comum a dois acontecimentos internacionais que mudaram o mundo: o Brexit, que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia, e a eleição de Donald Trump, em 2016. Há quem aponte como explicação a ideia de que "os inquiridos mentem ou omitem as reais intenções", mas Carlos Mocho acredita sobretudo na mudança de opinião.
"A indecisão e a mudança de opinião parecem-me ser dois dos fatores mais importantes e que justificam em muito as diferenças dos resultados entre sondagens feitas em períodos temporais diferentes", sublinha, reforçando a importância da janela temporal e do papel dos media ao comunicarem as sondagens. " Os media têm um papel importantíssimo na divulgação correta e atempada dos resultados das sondagens. Publicar resultados de sondagens, muitas das vezes, mais de quinze dias depois de as mesmas terem ocorrido significa divulgar informação que provavelmente já não faz sentido analisar ou interpretar, no momento em que é disponibilizada".
O que, na verdade, remete para a questão da fiabilidade na forma como as sondagens retratam ou não efetivamente a opinião que se procura extrapolar a uma escala alargada. Tudo isto numa altura em que a tecnologia disponibiliza ferramentas de medição em tempo real, com os riscos associados que também existem, e de identificação de intenções através da análise de padrões.
As plataformas que permitem a qualquer pessoa visualizar ou utilizar dados de estudos/sondagens estão a desafiar também o setor em Portugal? "A evolução tecnológica e o mundo global em que vivemos permitem-nos aceder, cada vez mais rapidamente, a uma quantidade cada vez maior e mais diversificada de dados. Porém, estes não significam, por si só, informação. Muitas das vezes, carecem, e muito, de controle de qualidade, representatividade estatística", afirma Carlos Mocho, não sem acrescentar que, ainda assim, "constituem também uma oportunidade de melhorar ainda mais a qualidade/utilidade da informação disponibilizada pelas empresas de estudos de mercado".
A importância atribuída pelos profissionais à questão do acesso aos dados e à forma como podem ser usados ficou espelhada nos dados revelados pela própria APODEMO, segundo os quais 34% dos inquiridos no estudo que partilharam sobre o setor refere a mineração de dados como um dos maiores desafios. "A quantidade cada vez maior e disponível de dados obriga à criação de processos que os permitam analisar, interpretar, correlacionar etc. e tanto as empresas de estudos de mercado (algumas multinacionais presentes em mais de 100 países) assim como as empresas suas clientes têm acompanhado este processo e evoluído com o mesmo. Basta tomar como exemplo as áreas de business intelligence atuais e compará-las com as de há 10 anos, por exemplo. O que demorava horas a produzir agora demora segundos. Os estudos mensais, por exemplo, com base em painéis dantes eram entregues quase um mês depois do período a que se referiam. Agora são entregues poucos dias depois. Também é verdade que este é um processo em movimento e nem todas as empresas estão no mesmo patamar evolutivo".
2020 não foi um ano fácil para as empresas do setor - houve uma queda de 11% em 2020 e 26% das empresas de estudos de mercado não obteve lucros - apesar de vivermos num mundo que cada vez mais usa dados. Carlos Mocho desvaloriza o impacto: "penso que o decréscimo no mercado no ano de 2020 resultou mais do efeito pandémico verificado e que afetou todos os setores, alguns com decréscimos bastante superiores aos verificados nos estudos de mercado, do que de uma retração no investimento em estudos de mercado com consequências futuras". E espera, acrescenta, que 2021 apresente "uma tendência marginal de crescimento e que 2022 constitua já um ano de crescimento efetivo".
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