“Os princípios elementares entre aliados são a transparência e a confiança. Seguem juntos. E aqui, o que vemos? Uma clara falta de transparência, de lealdade”, disse Michel aos jornalistas em Nova Iorque, à margem da Assembleia Geral da ONU, que começa terça-feira.
Nesse sentido, acrescentou, a União Europeia (UE) pede a Washington um “esclarecimento” para “tentar compreender melhor quais são as intenções” do anúncio de uma parceria estratégica entre os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália, uma vez que “é incompreensível”.
O anúncio, a 15 deste mês, de um pacto de segurança concluído pelos norte-americanos com a Austrália e o Reino Unido gerou indignação, pois foi à revelia da França, que perdeu no processo um enorme contrato de submarinos encomendados por Camberra.
Os europeus acordaram com a sensação de terem sido ignorados pelo Presidente norte-americano, o democrata Joe Biden, tal como acontecia nos dias do seu antecessor republicano Donald Trump.
Sob a liderança do ex-presidente dos Estados Unidos, “estava claro, pelo menos, no tom, na substância, na linguagem, que a UE não era um parceiro, um aliado essencial”, observou Michel, para quem esta situação exige “mais uma vez” o reforço da capacidade de ação e defesa europeia.
“Temos de desenvolver a nossa capacidade de atuação, não contra os nossos aliados, mas sim porque, se formos mais fortes e robustos, então as nossas alianças também serão mais fortes”, sublinhou o responsável europeu.
Se a China é a prioridade número um dos Estados Unidos, então estes devem escolher “fortalecer a relação transatlântica” e não “enfraquecê-la”, acrescentou.
As palavras de Michel surgem no mesmo sentido das proferidas pela presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, que classificou hoje como “inaceitável” o tratamento dado a França, vincando que a UE quer “saber o porquê”.
“Um dos nossos Estados-membros foi tratado de uma forma que não é aceitável. […] Nós queremos saber o que se passou e porquê”, vincou, em entrevista ao canal noticioso norte-americano CNN.
Em Nova Iorque para participar na Assembleia Geral das Nações Unidas, a líder do executivo comunitário reagia, nesta entrevista, às implicações do pacto AUKUS, que levou ao fim de um grande negócio de armas entre a França e a Austrália.
O pacto AUKUS (iniciais em inglês dos três países anglo-saxónicos) tem como objetivo reforçar a cooperação trilateral em tecnologias avançadas de defesa, como a Inteligência Artificial, sistemas submarinos e vigilância em longa distância.
Uma primeira consequência foi o cancelamento, pela Austrália, de um contrato com a França para o fornecimento de submarinos convencionais e a intenção de desenvolver submarinos nucleares em coordenação com os seus novos aliados, o que já originou protestos e críticas de Paris.
A França tinha um contrato para a entrega à Austrália de 12 submarinos com propulsão convencional no valor de 56 mil milhões de euros, que foi cancelado por Camberra, que comprou posteriormente os submergíveis aos Estados Unidos.
Paris expressou hoje novamente a sua insatisfação com os três países signatários do pacto AUKUS depois de, na sexta-feira, o Presidente de França, Emmanuel Macron, ter decidido chamar os embaixadores em Washington e Camberra para consultas.
Uma medida sem precedentes que as autoridades francesas justificaram com o que consideraram uma “traição” dos três países aliados tradicionais e uma grave quebra de confiança.
O assunto será discutido pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE numa reunião à margem da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque, encontro que será presidido pelo chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell.
Na passada quinta-feira, Josep Borrell lamentou que a UE “não tenha sido informada e não esteja a par do que este acordo significa”, mas rejeitou “dramatizar” a situação.
“Lamentamos não ter sido informados e não termos feito parte destas conversações, mas o tempo há de chegar e, por isso, não vamos dramatizar e não vamos pôr em questão a nossa relação com os Estados Unidos, que tem vindo a melhorar bastante com a nova administração [norte-americana]”, adiantou o Alto Representante da UE para a Política Externa, falando em conferência de imprensa na sede da Comissão Europeia, em Bruxelas.
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