O país africano encerrou o seu espaço aéreo a 20 de março, para conter a pandemia de covid-19, com exceção de voos humanitários e de carga, e tem prevista a retoma dos voos comerciais para 30 de junho, ainda sujeitos à confirmação das autoridades sanitárias, segundo o decreto executivo conjunto 180/2020, que regula o regresso ao país de cidadãos nacionais e estrangeiros durante o período de calamidade pública, que vigora desde 26 de maio.
No entanto, as condições de quarentena e a realização de testes para despistar a covid-19, não estão suficientemente claras, segundo alguns portugueses contactados pela Lusa que continuam sem saber quando poderão voltar a Luanda.
Para Miguel (nome fictício), empresário da área alimentar, o regresso só será possível “quando a situação estiver esclarecida” e perceber como vai funcionar a quarentena e os custos que envolve.
Vivendo entre Angola e Portugal, este empresário considera que “não faz grande sentido” ficar em quarentena duas semanas, quando os períodos que passa em Luanda não ultrapassam, em geral, as três semanas
O responsável da empresa, que emprega cerca de cem pessoas, chegou a Portugal a 14 de março e esperava voltar a Angola depois da Páscoa, mas desde então já viu serem canceladas três das viagens previstas, estando a próxima marcada para agosto.
A gerir a empresa à distância, através de “muito Zoom [aplicação para reuniões online] e muitos whatsapp”, Miguel assume que foi necessária alguma aprendizagem para desenvolver métodos de liderança à distância e fazer alguns ajustamentos a nível de gestão.
“Nomeámos um diretor comercial, por exemplo. Há situações em que é preciso olhar nos olhos e estar presente fisicamente”, disse, destacando as reuniões com clientes.
António (nome fictício), quadro de uma empresa ligada ao setor da comunicação, está em Portugal desde 15 de março e esperava voltar a 21 de março, mas foi apanhado de surpresa pelo fecho de fronteiras.
Desde essa altura já viu os seus voos pela TAP cancelados 4 vezes e queixa-se de dificuldades em contactar a companhia aérea.
“Não respondem aos emails, se tento ligar estou uma hora à espera e depois desligam a chamada, já me aconteceu algumas vezes”, lamentou.
O último voo que tinha agendado, a 20 de junho, foi novamente cancelado e António, que pretende regressar “o mais rápido” que puder, aguarda agora que os voos sejam retomados.
A trabalhar em Angola desde janeiro de 2010, o responsável diz que a sua empresa se adaptou também às medidas que visam conter a propagação da pandemia e reduziu substancialmente as presenças físicas.
“Está muita gente a trabalhar a partir de casa, a empresa tem reduzido ao mínimo a presença física por causa do risco de contaminação”, adiantou António que tem um outro colega em Portugal também a espera de poder voltar.
Os custos são outro fator a ter em conta, considerando que o diploma impõe quarentena institucional a quem regressar durante, pelo menos, sete dias, com possibilidade de optar por uma unidade hoteleira aprovada pelo ministério da Saúde.
Questionado sobre se os custos da estadia num hotel podem dissuadir as empresas que têm trabalhadores em Portugal, António diz que a questão “ainda não foi contemplada” pois aguardam-se ainda decisões oficiais.
“Vamos aguardar que os voos comerciais abram”, indicou.
Esta é uma das preocupações mais partilhadas nos vários grupos de Facebook da comunidade portuguesa em Angola, a par de muitas dúvidas sobre as condições da quarentena em centros públicos (gratuitos, mas com lotação limitada) e críticas aos elevados preços da testagem, já que o teste de base molecular RT-PCR, exigido pelas autoridades sanitárias angolanas, é feito, a título privado, apenas por uma única clínica de Luanda e custa quase 300 euros.
Com mais de 200 casos positivos de covid-19 registados até ao momento, Angola assistiu nas últimas duas semanas a um aumento significativo do número de infeções com quase 100 novos diagnósticos.
Na segunda-feira, a ministra da Saúde, Silvia Lutucuta, avançou que as viagens para Angola vão ser feitas "por etapas" para "proteger o país" e admitiu que a cerca sanitária de Luanda vai manter-se face ao evoluir da pandemia no país
“Não queremos continuar a importar mais doença. Nós estamos na situação em que estamos por importação, porque o foco veio de fora”, afirmou na altura Sílvia Lutucuta.
Sem esclarecer se a data prevista para a abertura da fronteira aérea se vai manter, salientou que “tudo o que está no decreto depende da evolução epidemiológica”.
A ministra revelou que têm sido feitos voos humanitários, transportando de regresso cidadãos angolanos, mas avisou que tudo terá de ser feito “por etapas” e em função das condições do país, tendo em conta a capacidade da quarentena institucional.
O decreto regulamenta, no âmbito da declaração da Situação de Calamidade Pública para a prevenção e risco de propagação do covid-19, o regresso ao país de cidadãos nacionais e estrangeiros, titulares de autorização de residência, cartão de refugiado, vistos de investidor, de trabalho, de estudo e de permanência temporária.
O documento refere que o teste de covid-19 deve ser administrado por entidades devidamente certificadas pela autoridade de saúde do país de origem.
Relativamente à opção da quarentena institucional em centro público ou numa unidade hoteleira para o efeito, o decreto prevê que é definida aquando do agendamento da viagem e poderá estar sujeita a confirmação pelas autoridades sanitárias, caso o passageiro opte por hospedar-se numa unidade hoteleira.
Na quinta-feira à noite foi publicado um novo decreto executivo conjunto, que prolonga a cerca sanitária na província de Luanda, a partir da meia-noite (0:00) do dia 26 de junho de 2020 às 23:59 do dia 10 de Julho de 2020, o que deverá implicar um adiamento das viagens internacionais.
O anuncio foi feito no mesmo dia em que Angola anunciou 15 novas infeções por covid-19, o maior número de casos desde o início dos registos, superando a barreira dos 200 infetados.
Portugal sensibiliza autoridades angolanas para regresso de pessoas "essenciais" à economia
O embaixador de Portugal em Angola admitiu hoje que a retenção de trabalhadores em Portugal compromete o funcionamento de algumas empresas que operam em Angola e apelou à viabilização do regresso de especialistas considerados "essenciais" para a economia.
Muitos portugueses que trabalham em Angola e viajaram para Portugal em março não conseguiram regressar a Luanda, depois de o país africano encerrar o espaço aéreo, a 20 de março, para conter a propagação da pandemia de covid-19.
“Temos tido conhecimento de uma crescente preocupação de empresas e empresários portugueses nestes últimos três, quase quatro meses de estado de emergência e de estado de calamidade”, declarou Pedro Pessoa e Costa à Lusa, salientando que, “para muitos dos que saíram e querem voltar, está em causa a sustentabilidade do próprio negócio
Para o diplomata, “tempos excecionais necessitam também de avaliações excecionais” e vai nesse sentido “a mensagem” que tem transmitido às autoridades angolanas.
“O que eu gostaria era que fosse entendido que há casos em que as empresas necessitam de técnicos especializados que se encontram em Portugal”, afirmou, dando como exemplo construtoras que tenham obras consideradas prioritárias em carteira e que necessitam de técnicos especializados para avançar.
“Se eles não estão cá, a obra não avança e isso é complicado para a própria empresa”, sublinhou.
Além disso, coloca-se a possibilidade de “quebra dos negócios” por ausência dos gestores com reflexos negativos para a economia angolana.
O feedback que “tenho recebido em algumas situações é complicado, são pessoas necessárias cá para que o negócio possa continuar”, sob pena de atividade económica ser muito prejudicada, continuou.
“Há uma serie de empresários que saíram há três meses e agora dizem: ‘se eu não volto, a minha empresa em Angola é capaz de fechar’ e quando fecha, é mau para todos porque são empresas que empregam muitos angolanos e isso vai criar desemprego, o que não é bom para ninguém”, frisou o responsável, assinalando que a embaixada “está atenta ao impacto desta situação no negocio e na atividade económica”.
Pedro Pessoa e Costa sublinhou que não se trata de um regresso de todos os que saíram e querem voltar, mas de um grupo de pessoas “fundamentais, consideradas essenciais para o trabalho e a economia do país” que terão de se submeter às orientações das autoridades angolanas.
O embaixador sublinhou, a este propósito a necessidade do “compromisso rigoroso das regras de quarentena” e a “seriedade das pessoas e colaboradores que são considerados essenciais para manter a atividade das empresas”, corresponsabilizando empresas e funcionários
Além de terem de se submeter a um teste pré-embarque, que considerou importante para a proteção de todos, “têm de se sujeitar às regras de quarentena que estão em vigor, que é a quarentena institucional numa das unidades hoteleiras homologadas para o efeito pelo ministério da Saúde angolano”, lembrou, remetendo para a legislação em vigor.
O embaixador realçou que já existe uma exceção para os voos que transportem trabalhadores dos setores petrolíferos e mineiros e defendeu que há outros setores prioritários.
“Imagine que tem uma empresa portuguesa que ganhou a obra de um hospital e precisa, para algumas especialidades, de ter alguns colaboradores cá”, exemplificou, sublinhando que estas pessoas terão de constar numa “lista muito credível”, de trabalhadores “essenciais para as empresas e para Angola”, sugerindo que será necessária “uma avaliação prévia das empresas na identificação dessas pessoas”.
Pedro Pessoa e Costa reconhece que face à atual situação, com um aumento diário do número de casos de covid-19, as autoridades nacionais “têm algumas reticências”, mas reforça que “há outros setores, que não são o petróleo, que também são importantes para o presente e o futuro pós-pandemia do país”.
Prometendo que a embaixada portuguesa está “atenta e disponível” para apoiar os contactos com as autoridades, o diplomata assinalou que esta situação terá de “ser trabalhada em grande equilíbrio e no interesse de todos, fundamentalmente o interesse de Angola”.
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