O frenesim que se fazia sentir na capital desde as 6h00 locais (menos duas horas em Lisboa), rapidamente deu lugar a barricadas, com ruas e avenidas cortadas por toda a cidade a partir das 8h00, respondendo ao apelo de Venâncio Mondlane, para novo período, agora de sete dias, de contestação aos resultados das eleições gerais de 9 de outubro.

Nas ruas, depois da venda de apitos nos últimos dias, como forma de contestação, são agora os crachás, alusivos a Venâncio Mondlane, com a sua fotografia e colocados ao pescoço, o novo negócio, quer seja para apoio ao candidato ou como espécie de livre-trânsito para quem circula na cidade, mesmo a pé.

“Nós estamos aqui a reivindicar o resultado eleitoral, porque foi fraudulento”, atirava, em plena avenida 24 de Julho, centro de Maputo, Luís Gambo, vendedor ambulante de 36 anos, de apito e crachá ao peito, e capacete das obras na cabeça: “Esta causa é para todos nós. Não é para o benefício do Venâncio, é para benefício de todos os moçambicanos”.

Recusando o rótulo de “vândalo”, garantia estar a participar numa “manifestação pacífica”.

“Deixamos a nossa família, os nossos afazeres, para estar aqui na rua para lutar por esta causa justa”, afirmava, enquanto mostrava o crachá de Venâncio Mondlane, que está a ser vendido nas ruas a 100 meticais (1,5 euros). “O meu foi oferecido. Mas podia muito bem comprar, com muito gosto”, acrescentava.

Pouco depois, naquela avenida, manifestantes arrastavam enormes contentores do lixo para o centro da via, para bloquear a circulação, que a seguir eram removidos por militares, mas que rapidamente, à força de braços, voltavam ao meio da avenida.

Noutro troço da avenida 24 de Julho, já no acesso à ponte para Catembe, um carro foi incendiado, enquanto na avenida Acordos de Lusaka, a caminho do aeroporto internacional de Maputo, pneus em chamas no meio da via, juntamente com barricadas e manifestantes, travavam qualquer circulação automóvel, enquanto a polícia apenas assistia.

“Este é o meu passaporte, é o Podemos [partido que apoia Venâncio Mondlane]”, afirmava o vendedor ambulante Nelson Vicente, junto à tenda improvisada no passeio com sapatilhas, que há 13 anos vende nas ruas de Maputo. Ao peito não faltava o apito da semana passada e agora o crachá.

“Comprei a 100 meticais, sem nenhum problema. Até se eu perder vou comprar outro e mais outro”, garantia o vendedor, de 32 anos.

“Estamos a lutar por uma justa causa, pelo país inteiro. Vamos em frente (…). Nós, como jovens moçambicanos, não vamos parar. Não há nada que nos vai intimidar, estamos com ele, o Venâncio”, garantia.

Em vários pontos da capital viveram-se esta manhã momentos de tensão, sobretudo com automobilistas que tentavam circular entre as barricadas, como junto ao mercado do Xiquelene, onde duas viaturas foram imobilizadas pelos manifestantes, que saquearam o interior, obrigando condutores a pagar pela segurança.

Pela avenida Eduardo Mondlane, José Jutica, segurança privado de 43 anos, tentava chegar a pé ao trabalho, sem dispensar o crachá ao peito: “Sim, porque eu gosto do Venâncio Mondlane, nós votámos ele. Porque ele é o nosso homem”.

Ao lado, a avenida estava praticamente sem trânsito, apesar dos esforços da polícia, sem incidentes, para impedir que os manifestantes cortassem a via por completo.

“Apoio, porque sou moçambicano (…) queremos a verdade eleitoral”, retorquia Jutica.

Venâncio Mondlane, que não reconhece os resultados eleitorais anunciados, apelou a uma nova fase de contestação, de 04 a 11 de dezembro, em “todos os bairros” de Moçambique, com paralisação da circulação automóvel.

Pelo menos 76 pessoas morreram e outras 240 ficaram feridas por baleamento em Moçambique em 41 dias de manifestações, indicou a Organização Não-Governamental moçambicana Plataforma Eleitoral Decide.

Segundo o relatório, que aponta dados de 21 de outubro a 1 de dezembro, há ainda registo de “mais de 1.700 feridos por causas diversas” e uma estimativa de “mais de 3.000 detenções”.