De acordo com o acórdão a que a agência Lusa teve acesso, o ex-presidente da Junta de Serro Ventoso, no concelho de Porto de Mós, distrito de Leiria, estava inicialmente acusado pelo Ministério Público de um crime de peculato, na forma continuada. O coletivo de juízes entendeu alterar a tipologia do crime.

"Configura o trato sucessivo a existência de um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas (…). É manifestamente o caso dos autos, em que houve uma homogeneidade na conduta do arguido que se prolongou no tempo que durou a sucessiva apropriação de quantias”, justificou o coletivo de juízes.

Assim, Carlos Venda foi absolvido do crime de peculato de forma continuada, sendo condenado por um crime de “peculato prolongado, protelado, protraído, exaurido ou de trato sucessivo”, a uma pena de quatro anos de prisão, “cuja execução se suspende por igual período e sujeita à condição resolutiva de o arguido, no prazo de quatro anos, proceder ao pagamento integral do prejuízo causado à Freguesia de Serro Ventoso, devendo fazer prova desse pagamento”.

O arguido vai ter de pagar ainda a quantia de 121.772,41 “relativa aos danos patrimoniais, acrescida de juros moratórios vencidos”.

Para o Tribunal ficou provado que Carlos Venda, “aproveitando-se da circunstância de ter acesso às contas bancárias da Junta de Freguesia de Serro Ventoso”, no período compreendido entre os dias 29 de janeiro de 2010 e 20 de setembro de 2013, “emitiu à sua ordem vários cheques sacados sobre tais contas bancárias da junta de freguesia, apondo neles diversas quantias, as quais fez suas, tendo-os depositado na sua conta bancária e na de familiares seus”.

Confirmando a acusação do MP, o tribunal considerou que o arguido se apropriou em “proveito dos seus familiares do montante total de 40.751,84 euros e em proveito próprio da quantia total de 81.020,57 euros, o que ascende à importância total de 121.772,41 euros”.

“Fê-lo sem autorização e contra a vontade da referida junta de freguesia, em detrimento do serviço público prosseguido por esta entidade, atingindo os deveres e obrigações decorrentes das suas funções de natureza pública”.

O coletivo de juízes sublinha que “nenhum dos montantes acima referidos se destinou a pagamento de despesas da Junta de Freguesia de Serro Ventoso ou a pagamento de serviços prestado à mesma”.

No acórdão, o tribunal refere ainda que “o arguido, prestando-se a dar a sua versão dos factos, admitiu ter emitido os cheques e levantamentos constantes da acusação, mas apresentou uma justificação para tal: a Junta de Freguesia tem vindo a utilizar, desde 2005, o pavilhão de que ele é proprietário; desde essa época que entregou as chaves e, embora não tenham formalizado o negócio, o pavilhão é na prática da junta de Freguesia e usado por esta”.

“Apenas em 2013 fizeram um contrato, mas acabou por dizer depois que afinal foi o negócio completado em março de 2014. Esclareceu que as quantias que foi recebendo e aquela que entregou por cheque de 20/02/2012 foram-no por conta do preço do pavilhão, inicialmente não definido, mas situado entre 17.000 e 180.000 euros, tendo acabado por ser fixado em 157.000 euros”.

O documento acrescenta que o arguido “esclareceu ainda que os valores de saída não eram contabilizados nas despesas, mas não era ele quem fazia a contabilidade”.

No acórdão, o tribunal nota que “perante a admissão pelo arguido dos factos que lhe eram imputados (…), não resultaram dúvidas ao tribunal em dar como provados os factos que antecedem”.

“Quanto ao enquadramento que o arguido pretendeu dar aos factos por si praticados, o mesmo não se afigurou sequer coerente com a demais prova produzida, desde logo na disparidade do alegado preço com as quantias apropriadas, o que poderia até levar o tribunal a ponderar se os factos imputados na acusação não pecam por defeito, quanto ao montante global apropriado”, lê-se ainda no acórdão.