João Ferreira é eurodeputado pelo Partido Comunista e uma das vozes críticas à atual construção da União Europeia. Em fevereiro deste ano, foi notícia a sua intervenção no hemiciclo de Estrasburgo na presença do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker.  “Sabe de uma coisa, senhor Juncker? A Constituição da República Portuguesa diz que é da exclusiva responsabilidade da Assembleia da República organizar, elaborar e aprovar os orçamentos de Estado. Acalme lá por isso os seus burocratas (...)”, referiu.

O desconforto com a União Europeia foi um dos temas chave no discurso de abertura de Jerónimo de Sousa e é também uma das principais áreas de fricção entre comunistas e socialistas. Em entrevista ao SAPO24, João Ferreira fala da necessidade de derrotar o atual processo de integração europeia para depois construir um outro projeto europeu, centrado nas pessoas e não nos negócios.

Crítico do euro - "não é possível o país continuar a viver com uma moeda profundamente desajustada das necessidades nacionais", - João Ferreira contesta a submissão às políticas europeias, incluindo as que dizem respeita à banca. A discussão para a Caixa geral de Depósitos é, na sua opinião, um tema nacional que não devia carecer de aprovações externas e o nome de Paulo Macedo, frisa, é uma escolha socialista já que a CGD não deve ser gerida como os bancos privados, "cujos resultados estão hoje à vista".

Sobre o futuro da coligação parlamentar que apoia o Governo, deixa o aviso: que ninguém pense que uma alternativa "se pode fazer sem o PCP e muito menos contra o PCP".

Jerónimo de Sousa no seu discurso de abertura disse que a matriz da União Europeia não era uma matriz democrática. Subscreve?

A realidade tem confirmando essa ideia. Mas Jerónimo de Sousa não disse só isso. Sendo essa matriz o que é, e não sendo alterável, derrotando este processo de integração poder-se-á construir um outro projeto de cooperação solidária entre Estados soberanos iguais em direitos.

Como seria esse projeto?

Em muitos aspetos situaria-se nos antípodas daquilo que é a União Europeia. Como alguns dizem, a nossa alternativa não pretende um regresso a nacionalismos ou a defende isolacionismos.

Onde se quer chegar então?

Aquilo que é necessário contrapor à União Europeia é outro projeto solidário de cooperação genuína entre Estados baseado no progresso, no desenvolvimento social, e não no benefício de uns à conta do prejuízo de outros.

Acha que esta UE está carregada com demasiados vícios para que possa ser reformulada?

A UE é um processo de integração capitalista. É essa a sua matriz, é esse o seu DNA inscrito nos tratados, com a prevalência da livre concorrência no mercado único sobre quaisquer tipos de direitos sociais ou laborais.

Há então a necessidade de criar algo novo?

Só derrotando este processo de integração e construindo sobre essa derrota um outro projeto que não sirva os interesses das multinacionais, mas os interesses dos trabalhadores e dos povos; uma Europa que se funde não numa imposição antidemocrática; uma Europa fundada em elementares princípios democráticos, respeitadora da soberania dos Estados.

A Grécia foi também citada por Jerónimo de Sousa. É o exemplo mais concreto das consequências dessa "matriz capitalista"?

É um exemplo acabado. É inconciliável prosseguir um caminho de desenvolvimento social, de progresso, de recuperação de uma crise social e económica profunda, e, ao mesmo tempo respeitar regras e imposições que a UE faz aos Estados.

Aquilo que existe é um governo minoritário do partido socialista, o PCP criou as condições para que esse Governo iniciasse funções com base no programa do partido socialista.

O PCP chega a este Congresso num momento histórico, pela primeira vez no arco da governação.

Essa foi uma expressão que o PCP sempre rejeitou. E aquilo que Jerónimo de Sousa disse na sua intervenção é que o PCP não faz parte do Governo, nem considera que este seja um governo de esquerda. Nem sequer apoia a ação do Governo por via de um qualquer apoio de incidência parlamentar.

Então o que lhe podemos chamar?

Aquilo que existe é um governo minoritário do partido socialista, o PCP criou as condições para que esse Governo iniciasse funções com base no programa do partido socialista.

Com todas as divergências a que essa diferença de programa tem direito...

Isso tem que ver com posições dos dois partidos que são conhecidas.

Diria que a UE foi um dos maiores muros entre socialistas e comunistas?

É conhecido o impacto profundo negativo que teve, e tem, a submissão do país às imposições da UE que se revelaram profundamente contrárias ao interesse nacional e é conhecido também o papel que o Partido Socialista teve na aceitação dessas imposições. O PCP, pelo contrário, sempre alertou para os riscos e sempre combateu essa submissão.

Se o PCP chegasse ao Governo, isso significaria um Portugal fora UE? Essa era uma das respostas imediatas a essa “política de submissão”?

Não encontra nem no programa do PCP, nem na resolução política que aqui está a ser discutida neste Congresso a defesa dessa solução. Aquilo que encontra é a afirmação muito nítida de que o interesse nacional deve prevalecer sobre quaisquer imposições ou constrangimentos externos, venham eles de onde vierem.

Como por exemplo, o Euro?

Não é possível o país continuar a viver com uma moeda profundamente desajustada das necessidades nacionais e das características da nossa economia. Portugal, durante uma década e meia de Euro estagnou do ponto de vista do crescimento económico, recuou do ponto de vista da produção agrícola e industrial... Tornou-se mais dependente do exterior. Viu a sua dívida disparar!

Considera que parte dessa soberania tem vindo a ser recuperada desde que este Governo do PS inicou funções?

Não creio que se possa dizer isso. Aliás esse é um dos nossos grandes constrangimentos.

Mas não concorda que o PS se mostrou mais combativo e menos submisso em relação à UE?

O Partido Socialista tem uma posição conhecida. Aceita e defende essas imposições, aliás, contribuiu para elas no momento em que elas foram definidas.

Por onde passa a solução?

Se queremos resolver os problemas com que estamos confrontados não podemos submetermo-nos às políticas que criaram esses problemas. Pelo contrário, temos que romper com elas.

A situação da recapitalização da CGD é outra marca de submissão à Europa?

O PCP sempre considerou que um banco público, como é a Caixa Geral de Depósitos, em que o accionista do banco é o Estado português não tem que pedir a ninguém para capitalizar um banco que é seu.

Na sexta-feira foi conhecido o nome de Paulo Macedo.

Isso é da competência do PS.

E o que acha do nome?

A CGD é um banco público. Não deve ser tido nem gerido como os bancos privados, cujos resultados estão hoje à vista.

Ou seja...

Os sinais dados pelo Partido Socialista, tanto na escolha da anterior administração, como agora, não vão no sentido de reconhecer esta importante diferença.

Abrir caminho à alternativa política que defendemos, uma alternativa patriótica, uma alternativa de esquerda que não se fará só com o PCP, isso é claro. Mas ninguém pense que ela se pode fazer sem o PCP e muito menos contra o PCP

São várias as divergências. E é impossível não perguntar: Acha que há possibilidade, daqui a quatro anos, de a posição conjunta se voltar a repetir? Ou ficará para a história como algo de exceção?

Esta posição conjunta resulta de uma correlação de forças muito particular, indissociável de anos de grandes lutas em Portugal e isso foi essencial para isolar e derrotar, finalmente, o PSD e CDS.

E agora, onde fica o PCP?

Como dizia Jerónimo de Sousa na sua intervenção de abertura: devemos rejeitar o falso dilema de que a solução é isto ou andar para trás. A opção deve ser entre isto ou andar para a frente.

Qual é o passo em frente?

Abrir caminho à alternativa política que defendemos, uma alternativa patriótica, uma alternativa de esquerda que não se fará só com o PCP, isso é claro. Mas ninguém pense que ela se pode fazer sem o PCP e muito menos contra o PCP.

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