Manuel Clemente, que completa no domingo 75 anos – a idade em que se torna obrigatória a apresentação da renúncia ao cargo – disse, em entrevista à agência Ecclesia, que “a diocese de Lisboa está num estado em que precisa (…) de ser recomposta na sua equipa episcopal”.

“É absolutamente necessário olhar para Lisboa e esse olhar passa, com certeza, por quem tem de reorganizar o serviço episcopal. E não sou eu”, acrescentou o patriarca, lembrando que, no Patriarcado, o ano pastoral começa, por norma, em 1 de setembro, pelo que espera que até essa data haja nomeação do seu sucessor, por ser “uma boa altura para recomeçar, também sem demorar muito”.

“É preciso alguém que reorganize a vida da diocese, em termos episcopais. E que também proponha ao Papa os seus colaboradores”, acrescentou na entrevista à Ecclesia.

Manuel Clemente cumpriu no dia 6 de julho 10 anos à frente do Patriarcado.

Entretanto, a sua substituição a curto prazo levou, no final de maio, um grupo de católicos de Lisboa a enviar uma carta ao Vaticano, defendendo que o próximo patriarca seja “um bispo centrado no essencial” com a “atitude de proximidade e cuidado (…) com todos”, em especial os “mais pobres e vulneráveis”.

Na carta, os subscritores – entre os quais o jornalista Jorge Wemans, e o dinamizador da carta que pediu uma investigação independente sobre os abusos no seio da Igreja, Nuno Caiado - defendiam que o novo bispo “seja a imagem do Bom Pastor” e tenha “a atitude de proximidade e cuidado de Jesus Cristo com todos, em especial com os mais pobres e vulneráveis, doentes, excluídos e marginalizados, não a partir de cima, mas envolvendo-os” e que seja “um bispo livre e humilde”, com “movimentos de simples pastor e não de príncipe”.

Quanto a nomes, vários têm sido apontados publicamente, desde Américo Aguiar (auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023, que será elevado a cardeal em 30 de setembro) a Francisco Senra Coelho (Évora), passando por Virgílio Antunes (Coimbra), Nuno Brás (Funchal) ou Rui Valério (Forças Armadas e de Segurança), mas é sabido que muitas vezes é a surpresa que marca a decisão do Vaticano.

É conhecida, no entanto, a opinião de Manuel Clemente, que, no verão de 2022, em entrevista à Rádio Renascença, defendeu que Lisboa iria precisar de “um bispo a condizer com a juventude”.

O último ano e meio no Patriarcado não foi fácil para Manuel Clemente, devido às suspeitas de casos de abuso que saltaram para o domínio público e afetaram a sua imagem, nomeadamente um caso ocorrido em 1999 e recuperado no final de julho de 2022 pelo jornal Observador.

O jornal noticiava então que o atual patriarca “teve conhecimento de uma denúncia de abusos sexuais de menores relativa a um sacerdote do Patriarcado e chegou mesmo a encontrar-se pessoalmente com a vítima, mas optou por não comunicar o caso às autoridades civis e por manter o padre no ativo com funções de capelania”.

“Além disso, o sacerdote continuou a gerir uma associação privada onde acolhe famílias, jovens e crianças, com o conhecimento de D. Manuel Clemente. Tudo, porque (…) a vítima, que alega ter sofrido os abusos na década de 1990, não quis que o seu caso fosse público e queria apenas que os abusos não se repetissem”, noticiou o jornal.

Clemente assegurou, então, numa carta aberta, que “desde a primeira hora” deu instruções, no Patriarcado, “para que a Tolerância Zero e a Transparência Total sejam regra conhecida de todos” quanto ao abuso de menores e procurou esclarecer o que “testemunhou” no caso do padre acusado de abuso denunciado em 1999 ao anterior patriarca, José Policarpo, e disse aceitar que “este caso e outros do conhecimento público e que foram tratados no passado, não correspondem aos padrões e recomendações que hoje” todos querem “ver implementados”.

A par deste, outros casos de suspeitas de abusos no Patriarcado foram noticiados, tendo, já em março deste ano, sido suspensos do ministério quatro sacerdotes, um dos quais foi, entretanto, autorizado a voltar às suas funções.

“Em três há indicação para que as pessoas assumam plenamente as funções que tinham; no outro caso, talvez que assuma parcialmente as funções que tinha”, afirmou, sublinhando que só falta a decisão final do Vaticano.

Por mais de uma vez o patriarca pediu perdão às vítimas de abuso, como em 6 de abril, em que fez questão de vincar que esse pedido era “institucional e convicto” enquanto titular do Patriarcado.

A verdade é que a questão dos abusos marcou de forma impressiva os últimos meses do cardeal Manuel Clemente no Patriarcado, ecoando ainda as declarações feitas em março, quando considerou “insultuoso para as vítimas” falar-se em indemnizações.