Num jantar em Pequim com dirigentes ao mais alto nível da China Three Gorges, State Grid, Fosun, Haitong e de outras seis empresas chinesas, Marcelo Rebelo de Sousa agradeceu-lhes por terem investido em Portugal num "momento importante e difícil para a economia portuguesa".

No início deste encontro, na residência do embaixador português na China, Marcelo Rebelo de Sousa disse-lhes que "estiveram presentes quando outros que teriam podido estar não estiveram", numa altura de crise em Portugal, e tiveram sucesso "por mérito próprio", porque "foi de acordo com as regras do direito português e europeu".

"Nós queremos que não fiquem por aqui e queremos que da vossa parte, como da parte de outros investidores chineses, continue a haver a compreensão da importância de estarem presentes em Portugal. Na mesma área em que atuam como noutras áreas", acrescentou.

O Presidente da República convidou-os a fazerem "não apenas investimentos financeiros, mas investimentos na economia real, nos diversos setores da economia portuguesa", tendo em conta "a posição estratégica de Portugal".

A lista de participantes neste encontro inclui também dirigentes ao mais alto nível da empresa chinesa do setor da água Beijing Enterprises Water Group, do grupo agroalimentar COFCO e da Sociedade de Turismo e Diversões de Macau (STDM), fundada por Stanley Ho, do Banco da China, da empresa de construção CSCEC e da Tianjin EV Energies.

Marcelo Rebelo de Sousa propôs um brinde "à amizade entre a China de Portugal" e pediu aos presentes que durante o jantar, e aproveitando a presença dos ministros dos Negócios Estrangeiros e do Ambiente e da Transição Energética, fizessem "o balanço" da sua experiência em Portugal.

"Gostam muito, gostam pouco, querem gostar mais, querem investir mais, podem trazer mais investimento. Quero ouvir-vos durante o jantar", disse.

Como argumentos para o investimento em Portugal, o Presidente da República apontou a pertença à União Europeia, bem como à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), considerando que isso "permite projetos trilaterais, envolvendo a China, Portugal e Estados dessa comunidade".

Salientou também as relações com países africanos que não falam português, com o Brasil e com outras economias latino-americanas e o conhecimento mútuo de "há muitos séculos" entre chineses e portugueses, sem "nenhuma guerra".

Antes deste jantar, em declarações aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa mencionou que "o grande salto" no investimento chinês em Portugal "é dado com o Governo anterior, presidido pelo doutor Passos Coelho".

Sobre a economia chinesa, apontou "uma mudança", de uma "posição contrária ao comércio internacional, não pertença à Organização Mundial de Comércio (OMC)" para "uma abertura" que na sua opinião "é de facto um pouco surpreendente no espaço de tempo em que se deu".

No entanto, considerou que "outra coisa é a construção de uma economia de mercado em termos europeus", porque "a Europa tem regras que são particularmente exigentes".

"Estas regras que nós temos são regras muito exigentes e que vão sendo aperfeiçoadas, em termos de concorrência, transparência, de abertura de fronteiras, de regulações. Sabem que isso mesmo provoca questões com outras economias muito poderosas que têm economias de mercado, mas não exatamente com as regras que a Europa tem", referiu.

Europa e Ásia em parceria fora do "esquema das alianças clássicas"

O Presidente da República considerou hoje que países europeus e potências asiáticas estão a aproximar-se da China e a procurar uma parceria que "ultrapassa o esquema das alianças clássicas" em áreas como as interconexões e alterações climáticas.

Marcelo Rebelo de Sousa fez esta análise após participar, em Pequim, na segunda edição do fórum "Uma Faixa, Uma Rota", iniciativa chinesa de investimento em infraestruturas da Ásia à Europa, em que estiveram presentes perto de 40 chefes de Estado e de Governo e também o secretário-geral das Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, e a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde.

"O que eu senti aqui é que há um grupo crescente de países que sente que é inevitável manter portas abertas para este tipo de diálogos", afirmou o Presidente da República aos jornalistas, num hotel da capital chinesa.

No seu entender, está em curso "um movimento, que em si mesmo é positivo para o mundo, quer na Ásia, de diálogo, de aproximação e de cooperação entre potências asiáticas, e de reforço da aproximação entre a Europa, nomeadamente a União Europeia, e a China".

Marcelo Rebelo de Sousa destacou "a presença do Presidente Putin" neste encontro em Pequim, referindo que "esteve presente em permanência e que acompanhou muito atentamente o que se passava, significando também aí um diálogo e uma aproximação que são significativos".

Questionado se não pode tratar-se de uma união estratégica contra os Estados Unidos da América, o chefe de Estado respondeu: "Podia ser entendido assim, mas não foi essa a disposição de países por exemplo da União Europeia que afirmaram claramente - é o caso de Portugal - o relacionamento com os Estados Unidos da América".

"Os Estados Unidos da América são nosso aliado, enquanto a China é apenas um parceiro e, portanto, há um grau mais íntimo de ligação com os Estados Unidos do que com a China", frisou, reiterando uma mensagem que tem repetido a propósito das relações luso-chinesas.

Marcelo Rebelo de Sousa disse que "outros países da União Europeia e da NATO estão nessa posição, são aliados dos Estados Unidos da América e não são aliados da China, obviamente.

"Mas isto significa que a nível mundial há problemas que são tão graves e tão óbvios que se ultrapassa o esquema das alianças clássicas para encontrar uma forma de parceria em termos de resolver esses problemas. É o caso das relações e interconexões, do digital e das ligações físicas. É o caso das alterações climáticas", acrescentou.

"E depois, de alguma maneira, o combate à pobreza no mundo e a tentativa de superação das desigualdades. Isso ultrapassa as meras estratégias geopolítico-militares que possa haver, e que há, e que são diferenças entre si", completou.

O Presidente da República ressalvou que em termos geopolíticos "é evidente que cada qual tem a sua estratégia: há uma estratégia europeia, há uma estratégia americana, uma estratégia russa, uma estratégia chinesa".

No entanto, argumentou que há que distinguir o plano das "alianças políticas ou militares" dos setores em que é possível haver uma "parceria competitiva" e das "áreas de parceria cooperativa, como as alterações climáticas, o digital, as interconexões, a energia".

"Aí, não há como não cooperar. Não cooperar é impossível", defendeu.

Marcelo Rebelo de Sousa referiu que durante este fórum em Pequim conversou, entre outros, com os presidentes de Moçambique, Filipe Nyusi, do Chile, Sebastián Piñera, e do Chipre, Nicos Anastasiades, com quem tem "uma troca de visitas mais ou menos apalavrada".

"Depois até aconteceu poder encontrar pontualmente - mas isso vai ser retomado na visita de Estado - o Presidente chinês, e também pontualmente o Presidente russo", relatou, comentando: "Foram muito os encontros e muito interessantes".

Segundo a lista divulgada pela China, participaram neste encontro os chefes de Estado ou de Governo de 37 países, dez dos quais europeus: Itália, Grécia, Áustria, Chipre, Hungria, República Checa e Portugal, Bielorrússia, Sérvia e Suíça.

Os outros participantes, maioritariamente asiáticos, foram Azerbaijão, Brunei, Camboja, Cazaquistão, Emirados Árabes Unidos, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mongólia, Myanmar, Nepal, Paquistão, Quirguistão, Rússia, Singapura, Tajiquistão, Tailândia, Uzbequistão e Vietname e do Djibouti, Egito, Etiópia, Quénia e Moçambique, Chile e Papua Nova Guiné.

Marcelo elogia na televisão chinesa ajuste de "Uma Faixa, Uma Rota" com valores europeus

O Presidente da República considerou hoje, em entrevista à televisão estatal chinesa, que o seu homólogo da China demonstrou vontade de que a iniciativa "Uma Faixa, Uma Rota" convirja com valores europeus.

"Foi um discurso muito importante, porque o Presidente Xi [Jinping] respondeu a muitos daqueles que criticaram a China pela iniciativa 'Uma Faixa, Uma Rota'", afirmou Rebelo de Sousa, em entrevista à televisão estatal chinesa CGTN.

Bancos e outras instituições da China estão a conceder empréstimos para projetos lançados no âmbito daquele gigantesco plano de infraestruturas.

A visão geoeconómica da China inclui uma malha ferroviária e autoestradas a ligar a região oeste do país à Europa e Oceano Índico, cruzando Rússia e Ásia Central, e uma rede de portos em África e no Mediterrâneo, que reforçarão as ligações marítimas das prósperas cidades do litoral chinês.

Críticos apontam para um aumento problemático do endividamento, que em alguns casos coloca os países aderentes numa situação financeira insustentável, permitindo a Pequim avançar com as suas ambições geopolíticas.

O Presidente da República disse ter "apreciado muito" a intervenção de Xi Jinping, no segundo dia do Fórum "Uma Faixa, Uma Rota", que se realiza em Pequim, por ter revelado "concordância" nos princípios e valores defendidos pela União Europeia.

"Nós queremos comércio justo, respeito pelas regras e pelo direito internacional e pelas regras da Organização Mundial do Comércio. Não queremos protecionismo, queremos um desenvolvimento mais sustentável e energia limpa e verde", afirmou, numa entrevista conduzida pela jornalista chinesa Liu Xin.

Portugal é, até à data, um dos poucos países da Europa ocidental a apoiar formalmente o projeto.

As autoridades portuguesas querem incluir uma rota atlântica no projeto chinês, o que permitiria ao porto de Sines ligar as rotas do Extremo Oriente ao oceano Atlântico, beneficiando do alargamento do canal do Panamá.

França e Alemanha recusaram assinar memorandos de entendimento com a China sobre a iniciativa, refletindo preocupações com questões ambientais, endividamento insustentável dos países aderentes e a opacidade dos contratos, que estão fechados a licitações de instituições de países terceiros.

Na intervenção de hoje, Xi Jinping pediu aos participantes no fórum para refletirem e alcançarem um consenso que garanta a "qualidade, resistência e sustentabilidade" dos projetos.

"Sob o atual contexto global, marcado por uma situação económica complexa, crescente instabilidade e incerteza e falta de dinamismo, o fortalecimento da cooperação internacional para maior interconetividade torna-se mais significativo", disse.

Na sexta-feira, o presidente do Banco do Povo Chinês (banco central do país), Yi Gang, afirmou que a China vai trabalhar para resolver a capacidade dos Estados em cumprir os seus empréstimos.

"Precisamos de avaliar objetivamente a questão da dívida dos países em desenvolvimento", disse Yi, perante uma plateia que incluiu a diretora do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde.

Os novos critérios de financiamento, definidos pelo ministério chinês das finanças e pelo banco central, destinam-se a atrair parceiros de investimento estrangeiro, visando aliviar as preocupações quanto à capacidade dos países aderentes cumprirem com as suas dívidas.

A China deverá agora levar em conta a dívida total e a capacidade de financiamento na moeda local do respetivo país e tornar públicos os detalhes dos contratos.

Lagarde considerou estas mudanças um "passo bem-vindo".

Nas vésperas do fórum, Pequim resolveu algumas das disputas relacionadas projetos, que ameaçavam prejudicar a reputação da iniciativa.

A Malásia negociou uma redução equivalente a 5,4 mil milhões de dólares para a construção de uma linha ferroviária na costa leste, de 668 quilómetros de comprimento, que liga a costa ocidental do país aos estados rurais do oeste.

A Etiópia, que tem tido dificuldades em pagar um empréstimo avaliado em 4 mil milhões de dólares, contraído para construir uma ligação ferroviária entre Adis Abeba e o Djibuti, entrou também num processo de reestruturação da dívida.

No Sri Lanka, um porto de águas profundas construído por uma empresa estatal chinesa, numa localização estratégica no Índico, acabou por ser um gasto incomportável para o país, que teve de entregar a concessão da infraestrutura e dos terrenos próximos à China, por um período de 99 anos.