A Organização Internacional do Trabalho (OIT) fala na “pior crise mundial desde a II Guerra Mundial” e os relatórios que tem vindo a publicar periodicamente não deixam margem para dúvidas: quatro em cada cinco trabalhadores foram afetados pela suspensão total ou parcial dos seus empregos; 6,7% das horas de trabalho desapareceram já no segundo trimestre de 2020, equivalendo a 195 milhões de trabalhadores a tempo inteiro.

Os setores de atividade mais expostos ao risco são alojamento e restauração, manufatura, comércio e atividades comerciais e administrativas – onde trabalha 38% da força de trabalho global – e a economia informal, que envolve dois mil milhões de pessoas, na maioria em países em desenvolvimento e economias emergentes, e em particular em África. Em todos, o impacto “afeta desproporcionadamente as mulheres”.

“As dimensões humanas da pandemia vão muito além da resposta de emergência que é necessária no domínio da saúde” e, portanto, “as ondas de choque naquilo que é o tecido económico e social das nossas sociedades e também nos nossos modelos de desenvolvimento começaram rapidamente a fazer-se sentir”, observa Helena André, diretora da OIT/ACTRAV (Centro das Atividades para os Trabalhadores) e ex-ministra do Trabalho em Portugal (2009-2011).

“Os meios de subsistência e o bem-estar de milhões de pessoas em todo o mundo estão ameaçados. Isto é uma fonte de grande preocupação, porque todos os setores de atividade estão a ser afetados, ou vão ser afetados, com grau de incidência maior ou menor”, acrescenta.

“Esta é uma pandemia que vem pôr a nu muitas das fragilidades do tecido económico e social e que nos vai obrigar, provavelmente, a olhar de uma forma diferente para aquilo que têm sido os modelos que temos aplicado até agora. Penso que nada ficará igual e que a forma como nos vamos relacionar, a forma como vamos trabalhar, a forma como nos vamos movimentar vão mudar profundamente”, antecipa.

“A única certeza é que esta crise terá um impacto como nenhuma outra no passado”, constata Philippe Pochet, diretor-geral do ETUI (Instituto Europeu de Sindicatos).

Ora, a resposta à crise começou por ser estatal, podendo acontecer que o trabalho venha a ser “nacionalizado”, pondo em questão os alicerces da União Europeia (UE), realça.

As relações entre países europeus e destes com países externos, como China e Estados Unidos, poderão ficar marcadas por uma tendência de maior fechamento e menos liberdade de movimentos e circulação, admite.

“Há muito pouca coordenação a nível europeu”, avalia. “E se não há solidariedade quando acontece um choque simétrico destes…”, lamenta.

Na reação imediata, a UE não esteve à altura dos acontecimentos, considera Paulo Pedroso, sociólogo e ex-ministro do Trabalho (1999-2002).

Realçando que não está “obcecado com um único instrumento”, Paulo Pedroso diz que “há muitos que podem ser utilizados”, o problema é não haver, “até hoje, uma vontade política para uma intervenção com a dimensão que é necessária”.

“Vamos precisar de soluções imaginativas e, sobretudo, grandes, porque um dos problemas com que muitas vezes as pessoas que trabalham na área social se deparam é que os governos, quando chega a hora das medidas sociais, querem-nas bem desenhadas, mas pequeninas e medidas pequeninas não vão ser úteis nesta fase”, avisa.

“O problema principal é que a única coisa que a União Europeia tem para oferecer, a zona euro tem para oferecer, é mais crédito, seja qual for a forma desse crédito. E isso não é o que países que, já de si, estão muito endividados precisam, os países que estão muito endividados não precisam de mais crédito e de mais dívida”, mas “precisavam de uma intervenção dos bancos centrais que permitisse basicamente resolver o problema de liquidez que as pessoas e as empresas estão a enfrentar”, analisa o economista José Castro Caldas.

Ora, o estímulo monetário diretamente financiado pelos bancos centrais, que interviriam nos mercados da dívida pública, “é proibido pelos tratados [da UE], mas é disso mesmo que nós precisávamos”, assinala.

“Esse é o problema e esse problema vai determinar se saímos disto para uma recessão prolongada e profunda ou, pelo contrário, temos capacidade rapidamente de recuperar logo que seja possível sair de casa e ir trabalhar”, considera.

“Esta crise, de certa maneira, é uma crise que cai em cima de outra, que não estava resolvida”, observa Castro Caldas, para quem “a grande incógnita é saber se este esforço que se está a fazer, não só em Portugal como noutros países, de preservar ao máximo o emprego, isto é, de certa forma, congelar a economia para mais tarde a descongelar e fazê-la voltar à vida, produzirá resultados”.

Para o investigador no CoLABOR, laboratório colaborativo para o trabalho, emprego e proteção social, “isso depende muito da duração do confinamento, quanto mais durar o confinamento e o período de congelamento de parte importante da economia, mais difícil depois vai ser sair do congelador e voltar à vida com pujança”.

Porém, antecipa, mesmo que aconteça, “essa pujança será sempre relativa” e, portanto, “uma segunda incógnita tem a ver com saber se este choque pandémico, económico e social irá ter um efeito prolongado, como teve a anterior crise”.

Uma coisa é certa, diz o economista: “quanto menos bem sucedida for a preservação do emprego e do rendimento neste momento, mais esses efeitos tenderão a ser duradouros e profundos”.