O diagnóstico é feito num relatório preliminar da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que avaliou em 2017 o estado do sistema científico, de ensino superior e inovação em Portugal e que será apresentado hoje de manhã numa sessão pública em Lisboa, com a presença dos ministros da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, Manuel Heitor, e da Economia, Manuel Caldeira Cabral.

Embora com outros contornos, a avaliação da OCDE voltou a ser feita, a pedido do Governo, após um interregno de dez anos.

Os peritos avisam que, apesar de o número de doutorados ter aumentado em Portugal, a taxa de pessoas com doutoramento concluído no país continua baixa quando comparada com a da Alemanha, da Suíça ou do Reino Unido.

É nas universidades que os doutorados estão mais concentrados, em atividades de investigação ou docência, e não nas empresas, onde a percentagem se mantém escassa.

Para atenuar este cenário, já identificado em estatísticas nacionais, a OCDE, organização da qual Portugal é um dos Estados-Membros, considera que a Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) deve incentivar mais a realização de doutoramentos em empresas e em instituições não-académicas através dos seus programas doutorais e das bolsas de doutoramento.

A OCDE lembra o aumento do número de pós-doutorados em situação laboral precária, sem contratos de trabalho e com “perspetivas limitadas” de ingresso na carreira académica, mas elogia a legislação de estímulo ao emprego científico, que prevê a contratação de doutorados por um prazo máximo de seis anos, findo o qual podem entrar na carreira docente ou de investigador.

No entanto, avisa para o risco de se “perpetuarem expectativas irrealistas” sobre oportunidades de integração numa carreira académica, com as pessoas a não procurarem outras opções de emprego em outros setores.

Os avaliadores alertam para o “uso ineficaz de recursos escassos”, sustentando que o financiamento da FCT – principal entidade na dependência do Governo que subsidia a ciência em Portugal – para bolsas de doutoramento não é direcionado para áreas de investigação identificadas como prioritárias ou onde há necessidade de ter pessoal qualificado.

Para a OCDE, “à luz de um mercado de trabalho competitivo”, o financiamento de “doutoramentos em áreas onde existe pouca procura de graduados” traduz-se num “mau uso de dinheiros públicos” e “encoraja as pessoas a prosseguirem um modelo de formação e carreira que as desvia de opções mais produtivas”.

Os autores do relatório alertam ainda para a “imprevisibilidade e instabilidade” dos apoios financeiros à investigação, concentrados maioritariamente na FCT através de concursos, que prejudica o planeamento da atividade de investigadores e instituições científicas.

A OCDE recomenda que seja dada mais autonomia às unidades de investigação para que possam “selecionar e financiar” os candidatos a bolsas de doutoramento de acordo com as suas necessidades.

OCDE: Portugal tem falta de estratégia concertada para ciência, inovação e ensino superior
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Na sua análise, a organização internacional considera “particularmente problemática” a falta de informação sobre os doutorados portugueses que trabalham no estrangeiro, propondo o seu registo numa base de dados.

O relatório preliminar adverte também que “os riscos associados à ‘fuga de cérebros’ não devem ser ignorados no planeamento de políticas de investigação e inovação”.

Empresas "têm de empregar mais e melhor" - ministro da Ciência

O ministro da Ciência considera "particularmente importante" o ensino superior politécnico para "a qualificação de Portugal", assinalando que as empresas "têm de empregar mais e melhor" para entrarem em "mercados mais sofisticados".

Manuel Heitor falava à Lusa a propósito do relatório preliminar da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE) sobre o estado do sistema científico, de ensino superior e inovação nacionais.

Para o ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, "a relevância do ensino politécnico para a qualificação de Portugal, e para a convergência europeia [do país], é particularmente importante".

"O que tenho discutido com os politécnicos é que temos de estimular o desenvolvimento da sua capacidade científica e inovação", afirmou, acrescentando que, depois de assegurada essa capacidade, está reunida "a condição para oferta de um doutoramento".

"É nesse sentido que estamos a trabalhar, e é essa a orientação que deve ser seguida", frisou.

Sobre a falta de doutorados nas empresas, considera que "é uma chamada de atenção" às próprias empresas, "que têm de empregar mais e melhor" se querem evoluir.

"As empresas, para evoluírem e penetrarem em mercados mais sofisticados, têm que ter pessoas mais qualificadas e, para as atrair, têm que pagar", vincou, lembrando que há "muitas pessoas que saem de Portugal para encontrar empregos mais bem pagos".

Para Manuel Heitor, a fixação de pessoal qualificado nas empresas "é um esforço coletivo", que "não depende só do Estado".

Ainda assim, apontou como exemplo de uma política de estímulo às empresas a iniciativa governamental dos laboratórios colaborativos, "formas de partilhar o risco na criação de emprego qualificado" através da cooperação entre universidades ou institutos politécnicos, unidades de investigação e indústria.

O ministro reconhece que "há muitos obstáculos, de natureza socioeconómica", no acesso ao ensino superior que "requerem um aumento do esforço da ação social escolar".

"É um esforço que temos de continuar a fazer para facilitar um maior acesso ao ensino superior e, com isso, aumentar a qualificação da população", referiu.

No diagnóstico que faz ao ensino superior, a OCDE alerta para os "mecanismos limitados" de apoio financeiro aos estudantes, nomeadamente aos que decidem retomar os estudos, sublinhando que apenas cerca de 20% dos alunos recebem bolsas, que em muitos casos servem na prática para pagar as propinas.

No relatório preliminar, a organização, da qual Portugal faz parte, adverte ainda para as desigualdades de acesso ao ensino superior, em particular para os alunos que seguem a via profissional no ensino secundário, que, nas provas de ingresso, são avaliados sobre assuntos que não constam nos seus currículos.

Para Manuel Heitor, "a atração" destes alunos para o ensino superior terá de passar pelos cursos técnicos superiores profissionais dos institutos politécnicos.

O titular das pastas da ciência, tecnologia e do ensino superior manifestou reservas quanto a uma Estratégia Nacional para o Conhecimento e a Inovação, defendida pela OCDE para dar orientações claras e concertadas a longo prazo para os setores.

"Fomentar a coordenação sempre, mas não exagerar em esforços de centralização no contexto de desenvolvimento das regiões, de ligar a ciência ao território", sustentou, alegando que a previsibilidade do financiamento, reclamada no relatório, é "um esforço" que "nem sempre é possível" garantir.

Em resposta à avaliação da OCDE, o ministro promete "para breve" medidas, sem as mencionar, depois de o Governo se reunir e analisar o relatório.