Na última semana, pelo menos dois empresários foram raptados dos seus estabelecimentos comerciais, um na segunda-feira e outro na quinta-feira, e um terceiro foi morto a tiro, na manhã de sexta-feira, após uma tentativa de sequestro fracassada no centro da cidade de Joanesburgo, a capital económica do país africano.
O Fórum Português da África do Sul, uma organização não-governamental luso-sul-africana em Joanesburgo, relatou à Lusa um outro incidente que ocorreu recentemente, em que a mulher de um empresário madeirense foi morta a tiro quando acompanhava, num segundo veículo, o marido de regresso a casa no final de um dia de trabalho.
Um cidadão português residente em Joanesburgo, que solicitou o anonimato, disse à Lusa que recentemente um familiar, residente na capital moçambicana, Maputo, foi raptado juntamente com a esposa, após atravessarem a fronteira no caminho para Joanesburgo.
O casal foi sequestrado na autoestrada por seis criminosos, disfarçados de agentes da polícia sul-africana, e levado para um bairro informal no nordeste do país, indicou.
Segundo a polícia sul-africana, as províncias do país mais afetadas pelo crime de sequestro são Gauteng (51,7%), onde se situa Joanesburgo e Pretória, a capital do país, e KwaZulu-Natal (1,4%), que faz fronteira com Moçambique, e onde se situa a cidade portuária de Durban.
“Há um agravamento deste tipo de crime, que se começou a desenvolver a partir de 2010-2011 com origens em Moçambique (…). Durante o ano de 2023 registaram-se 15.400 raptos na África do Sul”, sublinhou à Lusa o conselheiro das comunidades madeirenses na África do Sul, José Luís da Silva.
“De janeiro até agora julgo que são 12 ou 13 compatriotas [raptados na comunidade portuguesa na África do Sul]”, salientou o conselheiro madeirense.
A maioria dos incidentes tem ocorrido em Gauteng, o epicentro dos sequestros e da elevada criminalidade no país, segundo a polícia sul-africana (SAPS, na sigla em inglês).
Dados oficiais, consultados pela Lusa, indicam que, só no último trimestre de 2023, a polícia sul-africana registou 4.577 raptos no país, um aumento de 11% (mais 453 casos) comparativamente ao período homólogo do ano anterior.
Na ótica de José Luís da Silva, a recente onda de sequestros na comunidade portuguesa deve-se a vários fatores.
“Em minha opinião, este agravamento deve-se, primeiro, ao facto de as pessoas não cuidarem da sua própria segurança pessoal; não observam, não leem sinais, não falam com outros; depois, há a rotina, e o sequestro para um criminoso é um grande negócio”, explicou.
“A rotina é algo que mata os nossos comerciantes que teimam em abrir e fechar à mesma hora, irem ao banco à mesma hora, as mesmas pessoas no mesmo carro, a rotina é que mata esta gente”, disse o conselheiro madeirense, para quem os comerciantes portugueses “têm de investir em segurança, e não apenas em videovigilância, também em meios humanos para reagir, para investigar, eles têm que antecipar a bandidagem”.
José Luís da Silva frisou que grande parte dos negócios da comunidade madeirense “é maioritariamente em dinheiro” e, exemplificou, “os talhos são negócios que geram muito dinheiro, têm muitas vendas”.
Além dos portugueses, José Luís da Silva apontou que as comunidades indiana e muçulmana “são desgraçadas”, porque “têm raptos todas as horas para lhe levarem o dinheiro, os carros, sequestram as mulheres para os maridos pagarem resgates e vice-versa”.
O jornalista e ativista anticrime sul-africano Yusuf Abramjee, apresentador do programa de televisão CrimeWatch, no canal ENCA, considerou à Lusa que a África do Sul está a assistir a um “grande ataque” contra membros da comunidade portuguesa no país devido ao agravamento do crime de sequestro no país.
“O flagelo dos sequestros tem piorado mensalmente, agora temos uma das estatísticas mais altas do continente, está simplesmente fora de controle”, frisou.
“Historicamente, várias comunidades têm sido alvo, sejam etíopes, somalis, paquistaneses, indianos e até mesmo sul-africanos locais, agora estamos a ver um grande ataque contra membros da comunidade portuguesa”, declarou.
Yusuf Abramjee salientou que “houve dezenas de raptos de cidadãos portugueses nos últimos meses”, acrescentando que “é necessária uma intervenção urgente” por parte da polícia sul-africana.
“Sabemos que há vários sindicatos do crime organizado envolvidos, sabemos que historicamente houve muitos sequestros em Moçambique e não ficaria surpreso se alguns desses casos pudessem estar relacionados a Moçambique, onde os gangues são muito ativos e as pessoas são levadas semanalmente, mantidas para resgates que chegam a milhões de rands ou dólares, e é um problema crescente”, sublinhou.
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