A artista radicada em Londres manifestou esta posição em declarações citadas pelo jornal britânico The Guardian e num texto para a publicação The Art Newspaper, referindo-se à recente aprovação de legislação nalguns estados norte-americanos que criminaliza a prática do aborto.
Na opinião de Paula Rego, que criou em 2000, depois do primeiro referendo sobre a questão em Portugal, uma série em pintura dedicada a este tema, "as mulheres irão sempre abortar, e com estas leis, irão fazê-lo encontrando outras soluções que colocam em risco a sua vida".
A artista, que nasceu em Portugal e estudou pintura no Reino Unido, onde viria a ter residência permanente, vai doar 50 reproduções da gravura de uma mulher a fazer um aborto clandestino para, com a venda, obter fundos para a Milton Keynes Gallery, onde será realizada uma retrospetiva que é inaugurada no dia 15 de junho.
A gravura a preto e branco, criada em 2000, mas só agora impressa para venda, mostra uma mulher que se prepara para fazer um aborto clandestino, sentada a um canto, com um balde ao lado.
A própria Paula Rego escreveu também um texto para o The Art Newspaper, no qual condena o movimento e as leis antiaborto, sublinhando que "se uma mulher tiver de fazer um aborto, vai fazê-lo de qualquer maneira".
"Irá fazê-lo num lugar sem segurança para a sua saúde, se estiver desesperada, e não conseguir que um médico o faça. É assim que tem acontecido desde o início dos tempos. Portanto, se 25 homens no Alabama [Estados Unidos da América] a considerarem uma criminosa, isso só aumentará o seu sofrimento", escreve a pintora.
Para Paula Rego, banir o aborto em clínicas "é cruel e injusto, seja na América ou noutro país qualquer".
No artigo, recorda que também em Portugal o aborto foi proibido, tendo sido realizado um primeiro referendo para a sua legalização em 1998, que acabou por não ser vinculativo devido à participação abaixo dos 50% dos eleitores, e a situação manteve-se.
"Fiquei tão furiosa porque recordei as minhas experiências de aborto clandestino quando era estudante na Slade School of Art, em Londres, nos anos 1950, onde era também ilegal", escreve Paula Rego, lembrando que conheceu muitas mulheres que o faziam, indo contra a proibição no Reino Unido, na época.
Na sequência desse resultado do referendo, criou a série de gravuras sobre o tema que viriam a circular em várias cidades em Portugal, com o objetivo de contribuir para o debate pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez, algo que só viria a acontecer em 2007, após novo plebiscito.
"Estas gravuras significam muito para mim. Acho que é a melhor coisa que eu já fiz porque são totalmente verdade", escreve a artista no artigo.
Paula Rego - que alcançou reconhecimento internacional com a sua obra, tem tido uma carreira marcada pelo ativismo, sobretudo nas questões que envolvem os direitos das mulheres - considera que as restrições recentes nos Estados Unidos são "grotescas", cita, por seu turno, o jornal The Guardian.
“Parece impossível que estas batalhas tenham de ser travadas outra vez. É grotesco", disse, acrescentando que está a fazer o que pode com o seu trabalho, mas considera que "homens e mulheres têm de levantar-se e falar contra esta situação".
"Também afeta os homens. As mulheres não engravidam sozinhas", sustentou, alertando que a situação afeta sobretudo as mulheres pobres, que não podem viajar para outro país para abortar, como fazem as que têm essa possibilidade financeira.
O estado norte-americano do Alabama aprovou este mês legislação que proíbe o aborto em praticamente todos os casos, sem considerar exceções para violações ou casos de incesto, ameaçando com prisão perpétua os médicos que os praticarem.
Também no estados do Kentucky, Mississippi, Ohio e Geórgia foram aprovadas leis que proíbem o aborto depois de ser detetado o batimento cardíaco do feto.
Apesar de estas medidas ainda não terem entrado em vigor e de alguns casos estarem já em tribunal, os ativistas que lutam pela defesa da possibilidade da interrupção voluntária da gravidez temem que, caso cheguem ao Supremo Tribunal de Justiça daquele país, de maioria conservadora, este possa enfraquecer a decisão que legalizou o aborto há 45 anos, conhecida como “Roe contra Wade”.
Vários artistas e produtores têm denunciado as aprovações legislativas contra o aborto nestes estados norte-americanos.
Dirigentes de estúdios como Disney, Warner e Netflix afirmaram que, caso a legislação entre em vigor na Geórgia, que arrecada anualmente milhares de milhões de dólares ao acolher produções audiovisuais, poderão abandonar o estado.
Comentários