Pedro Santana Lopes não conseguiu convertê-lo ao Aliança nem ao Sporting, onde levou Paulo Sande num sinal de concórdia, exatamente para assistir ao jogo em que os leões depenaram os encarnados. Enfim, depenar talvez seja exagero, mas venceram 1-0, contra todas as expectativas. Pouca coisa leva o cabeça-de-lista do Aliança às europeias a perder a cabeça. Bem-disposto, é fácil imaginar-lhe o fair-play. Tão benfiquista quanto independente, foi ele que escreveu o manifesto do partido às eleições europeias, um projeto que é sobretudo de convergência e de coesão. Acredita que vai eleger dois deputados.

A União Europeia não é uma coisa nova para Paulo Sande, mas a política, de certa maneira, sim. É professor da cadeira de Construção Europeia do Curso de Ciência Política da Universidade Católica Portuguesa, foi responsável pelo setor português de informação no Parlamento Europeu, no Luxemburgo, e, no total, esteve 20 anos à frente do gabinete do Parlamento Europeu em Portugal.

Em fevereiro decidiu mudar de vida e trocar o lugar de consultor da Casa Civil da Presidência da República, que ocupava desde 2016 a convite de Marcelo Rebelo de Sousa, para integrar o Aliança.

Tem três filhos, com idades compreendidas entre os 18 e os 28 anos, e a mais nova, aluna do Colégio Moderno, vota este ano pela primeira vez e tem-se revelado uma apoiante e peras. Mas não foi da infância dos filhos que falámos, foi da sua. E da adolescência e das opções de vida.

A conversa foi na redação do SAPO 24, já no final do dia, depois de uma semana cheia de compromissos eleitorais e antes de um jantar em família. À chegada, um desabafo a propósito dos desaires de um amigo comum e dos tempos que atravessamos: “Vivemos num tempo de terror digital, temos medo de escrever uma coisa que fique para sempre e da qual seja impossível recuperar. E isso faz com que policiemos o pensamento e não há nada pior - sem arriscar um pensamento diferente não se evolui. Mas não sei como se resolve isto, não tenho uma solução…”.

As pessoas conhecem Pedro Santana Lopes, mas não conhecem Paulo Sande. Quem é o cabeça-de-lista do Aliança às eleições europeias, pode falar um pouco de si? Sei que nasceu em Macau…

Nasci. Vim para Portugal continental com seis meses e fui logo para os Açores, o meu pai foi colocado no Faial, onde esteve como chefe da polícia, um trabalho que na altura era feito pelos oficiais. Estava lá na altura da erupção do vulcão dos Capelinhos. Depois regressámos ao continente e fomos para Évora, onde estivemos dois anos, o meu pai também como comandante da polícia. A seguir fui para a Índia, para Goa, onde estive até poucos dias da invasão, em dezembro de 1961. O meu pai era o ajudante de campo do governador da Índia, e fugi com a minha mãe e o meu irmão no último barco que saiu de lá, o “Índia”.

E desse tempo já tem memórias? Do que se recorda?

Sim, lembro-me de várias coisas. Tinha quase cinco anos e lembro-me, por exemplo, de um episódio com uma jiboia, lembro-me de passear de bicicleta com o meu irmão e os meus pais no Palácio do Governador, o meu pai fardado, e lembro-me bastante bem do embarque no “Índia” para regressar a Portugal, do camarote que partilhámos com outra família, porque o navio estava sobrelotado. Tenho flashes. O meu pai só voltou passados alguns meses porque, como sabe, ficou lá preso. Depois, com seis anos fui para Lourenço Marques [Maputo], onde estive três anos, e quando o meu pai foi para o norte de Moçambique fiz três anos de Colégio Militar. A seguir ele foi para Luanda e para o Huambo e fui ter com ele. Entretanto comecei a fazer natação e ainda fui campeão nacional, foi giro.

Foi no Algés e Dafundo, não foi? O Patrone [treinador olímpico] foi seu treinador?

Foi. O velho Patrone, Hermano Patrone, um querido. Já era velhinho quando lá estive, embora já não fosse o treinador principal. Gostava imenso dele, dávamo-nos muito bem. E depois fui para Direito.

Porquê Direito?

Por uma razão muito simples: o meu pai tinha sido advogado nos tribunais militares de Moçambique e gostava muito, tinha uma grande paixão por aquilo. Penso, aliás, que foi um advogado frustrado. E fiquei com aquele bichinho. Ainda muito novo comecei a ler livros do Perry Mason e queria ir para Direito. E fui. No segundo ou terceiro ano deixei de nadar porque não tinha tempo e comecei a dar aulas particulares de natação em Cascais, cheguei a ter mesmo uma equipa. Uma experiência muito gira.

Vamos então avançar para a Europa. Comecemos pelo Brexit, incontornável. A piada do dia é que afinal o prazo não foi adiado para 31 de outubro, foi para 32.

[Risos] É verdade que as coisas estão complicadíssimas, e acho que May vai apresentar um novo prazo mais duas ou três vezes, não acredito que consiga um acordo com Corbyn, parece-me impossível. Portanto, isto vai-se arrastar.

Os ingleses vão a votos com que entusiasmo, sabendo que a ideia não é permanecer na UE? O voto poderá servir para legitimar ainda mais o Brexit ou, pelo contrário, dizer que tudo não passou de um engano?

As eleições europeias vão tornar-se duas coisas, mas são duas coisas contraditórias. Uma é o voto entre o Brexit e a defesa do Brexit, que vai ser corporizada pelo antigo UKIP ou por aquilo que resta dele e pelo novo partido de Farage - juntos têm 18% a 20% das intenções -, e uma qualquer expressão de defesa do remain, que ainda não sei quem irá corporizar, talvez os liberais. Os trabalhistas dificilmente serão, por causa de Corbyn, que não tem tido essa visão. Ele quer a todo o custo ter eleições, neste momento esse é o seu objetivo.

Aliás, as sondagens…

Mas eu aconselhava os ingleses a ter muito cuidado com as sondagens. A senhora May… Repare, o grande erro de toda a política britânica foram as eleições de há dois anos. Face às sondagens, tudo indicava que a senhora May ia conseguir uma maioria mais acentuada do que a que já tinha, e que já lhe chegava para ter aprovado o acordo há que tempos, mesmo com os recalcitrantes conservadores. O que ela fez não foi dar um tiro no pé, foi dar um tiro na cabeça. E Cameron já tinha dado um tiro no pé, que acertou nos dois pés. A verdade é que os políticos britânicos têm estado a demonstrar uma total incapacidade para gerir isto. E as eleições europeias vão ser um confronto entre estas duas lógicas, mas ao mesmo tempo um braço-de-ferro entre conservadores e trabalhistas. Mas mais uma vez, como no parlamento, corremos o risco de ter uma espécie de empate, sem que haja uma ideia clara.

(...) a única alternativa que está a ser proposta aos povos europeus é de voltar atrás, a do nacionalismo

Um responsável europeu contava que em conversa com Nigel Farage lhe perguntou como é que ele via o futuro das relações entre o Reino Unido e a União Europeia, três anos depois das negociações do Brexit, com o óbvio desgaste. Farage ter-lhe-á respondido: “Depois da saída do Reino Unido não haverá mais UE”. Como será a Europa sem o Reino Unido?

Farage não tem razão nenhuma. Há uma realidade inevitável: nenhum país da Europa - não é da União Europeia, é da Europa - foge hoje à força centrípeta da União Europeia. É impossível, não consegue. Não consegue a Noruega, não consegue a Suíça, não consegue país nenhum que esteja fora da União. Consegue a Rússia, mas a Rússia tem outra lógica, uma dimensão continental em termos de geoestratégia, e tem neste momento outras preocupações além da Europa. Mas é outra realidade que, no fundo, no fundo, do ponto de vista identitário, e ao contrário do que os europeus julgam, não é um país europeu. O resto dos países não consegue fugir à força centrípeta da União Europeia, do mercado interno e de todas as políticas europeias, o que quer dizer que todos os países estão ligados à União Europeia e o Reino Unido também vai estar. Portanto, essa ideia de que não vai haver Europa é uma ideia peregrina, uma ideia de alguém que apenas deseja isso.

Esta é uma série de perguntas de resposta rápida, a ordem é aleatória.

O que faziam os seus pais?

A minha mãe era professora de Francês, o meu pai era oficial do Exército português.

Quem são os seus amigos?

Quer nomes, a sério? Está a complicar-me a vida, são tantos. Um grande amigo é o Nuno Silvério Marques, outro é o João Viegas… Na política não tenho muitos amigos, assim amigos pessoais…

É tudo família?

[Risos] Por acaso não tenho uma família muito grande, infelizmente é até bastante pequena. Mas os meus amigos são pessoas que vêm de várias áreas como a economia ou a gestão, estão ligados a empresas.

Quem foi o pior primeiro-ministro de todos os tempos?

Em Portugal? Houve tantos… Não sei dizer.

Qual o seu maior medo?

Alguma vez não conseguir vencer o meu medo. Posso dar um exemplo?

Claro.

Sempre tive muita dificuldade em enfrentar o público, estamos a falar de trinta anos a fazer isto, mas nunca deixei de ter esse receio, de bloquear. Mas é um desafio. Ter medo é a coisa mais normal do mundo e o meu maior medo é haver uma altura em que diga que não vou porque tenho medo.

Qual o seu maior defeito?

Ser preguiçoso.

Quem é a pessoa que mais admira?

Podia dizer o meu pai e a minha mãe, mas já morreram os dois. Vou dizer uma coisa horrível e que ainda me vai condenar mais - mas já fui insultado por toda a gente, portanto: Marcelo Rebelo de Sousa.

A sua principal qualidade?

[Suspiro] Pensamento estratégico.

A maior extravagância que alguma vez fez?

Sair à rua, em Estrasburgo, no mês de janeiro, com 21 graus negativos, e levar roupa de verão. Esqueci-me até do sobretudo e fui assim a pé até ao Parlamento Europeu, ia morrendo congelado. Não me lembro de mais nenhuma (já terei feito algumas, mas não posso contar).

O seu filme de eleição?

Entre “As Pontes de Madison County”, “O Caçador” ou “Era Uma Vez na América”, não sei…

Em traços gerais que perfil tem de ter alguém para trabalhar consigo?

Ser leal.

Uma virtude que para si seja sobrevalorizada?

[Pensa] A lealdade. Porque achamos que é uma virtude fundamental, mas depende de demasiados fatores, é demasiado frágil. Percebo que a sua pergunta anterior e a minha resposta não coincidem, mas estou demasiado cansado para explicar melhor. Olhe, e lembrei-me de outro filme, a propósito disto, “A Invenção da Mentira”, de Gervais, em que toda a gente diz a verdade. É tão divertido.

O que o irrita, o que é capaz de o deixar de cabeça perdida?

Muito pouca coisa, mesmo. Tento fazer uma coisa que é, se quiser, um dos guias da minha vida: separar o importante do acessório. Acho que temos dificuldade em fazê-lo. É que até chegar ao importante é preciso muito. Portanto, a partir do importante posso irritar-me, até lá estou-me nas tintas. Mas irrita-me muito a grosseria escusada, gratuita, a escatologia. Não gosto nada, acho um disparate. No humor, ou se tem ou não se tem, mas quando não se tem é escusados usar a escatologia, porque não tem graça nenhuma. Mas estamos a viver um tempo em que o mais básico é o que triunfa. E isso irrita-me.

O que o deixa feliz?

Os meus filhos. E vou jantar com eles agora…

Se pudesse, o que mudaria na Europa, assim de caras?

A política económica alemã. A Alemanha tem mesmo de perceber que para a Europa sobreviver tem de mudar completamente de lógica, tem de começar a investir, tem de começar a comprar, tem de ter menos excedentes comerciais. A Europa está desequilibrada e muito por causa disso, que beneficia a Alemanha, mas prejudica a integração europeia.

Se fosse um herói de ficção que personagem seria?

O Homem-Aranha. É dos heróis da Marvel aquele que tem ao mesmo tempo os poderes mais fantásticos e uma grande complexidade. Sou um grande fã de banda desenhada. Na linha clara, seria talvez o Mortimer.

Como gostaria de ser lembrado?

Uma das coisas que gosto muito de fazer - mas não escreva isso…

Tenho de poder escrever…

Vou publicar um romance. Mas ainda estou a fechar as coisas com a editora. Já escrevi muitos e nunca publiquei nenhum. Publiquei um livro de poemas, mas naqueles modelos em que eu paguei, apetecia-me e pronto. Foi o primeiro livro que escrevi, todo no telemóvel, em passeios, e deu-me imenso gozo. Já foi há algum tempo, sete ou oito anos, e chama-se “A Canção dos Bichos”. Mas escrevi vários, sempre gostei de escrever, só que não editei. Depois escrevi romances, mas nunca fiquei satisfeito, a não ser com este.

Como se chama?

Deixe ver se me lembro… “As Messes do Império”. Não começa bem nesse dia, mas quase no 15 de março de 1961, nas matanças do norte de Angola.

O melhor presidente da República?

Marcelo Rebelo de Sousa.

Quem não tem direito a uma segunda oportunidade?

Um pedófilo.

Uma anedota sobre políticos?

Ó diabo, sou péssimo para isso [cora].

A pior profissão do mundo?

Coveiro.

Se fosse um animal, que animal seria? Porquê?

Águia. Porque é do Benfica [riso]. E porque é o símbolo do Império.

A nota mais baixa que deu a um aluno?

5. E a mais alta foi um 19.

Mas o Brexit também já começa a dividir. Os europeus já estiveram mais unidos em torno da saída do Reino Unido.

A Europa tem-se mostrado extraordinariamente solidária e coesa na questão do Brexit, que era também uma coisa com a qual Farage não sonhava há três anos. Isto, apesar das tensões no último Conselho Europeu, com Macron a resistir até ao fim. Mas penso que também era muito show para ser visto internamente. Mas penso que a Europa se mantém coesa. Além de que é preciso não esquecer que o que está a ser negociado não é o futuro da relação, é o acordo de saída. O futuro da relação será negociado a seguir.

A questão era essa.

Podemos imaginar a pergunta à luz de três cenários: o da saída com acordo, que é uma saída ordenada e prevê um período de transição, que terá de ser ajustado e passar para meados de 2021, em vez de fim de 2020, cuja declaração política prevê uma relação bastante estreita - seja a solução norueguesa, canadiana ou outra qualquer; o do remain, cancelar o pedido de saída - e fui adepto desta solução até há muito pouco tempo, só agora acredito que seria a pior de todas.

Porquê?

Porque é o cenário que causaria maiores tensões, porque a situação no Reino Unido vai-se degradar politicamente de tal maneira, com as posições extremadas, que isso vai refletir-se na Europa, vai haver mais exigências. Costumo dizer que a Europa viveu a presença do Reino Unido desde 1973 com grande relutância e até com uma certa amargura e azia permanentes por causa dos pedidos de opting-out em várias políticas. Agora está com a mesma azia mas por causa dos pedidos de opting-in, porque o Reino Unido quer sair, mas manter todos os privilégios. Como não é possível, não consegue sair.

O terceiro cenário é a saída sem acordo.

A terceira hipótese, a saída sem acordo, é o crash total. Mas a Europa tem-se portado muito bem, a maioria dos países queria o alargamento do adiamento por um ano. Dizer que a Europa não tem tido boa vontade neste processo… mais que isto é impossível. Sempre escrevi que o grande teste à União Europeia seria o dia da saída de um país, sobretudo de um grande país. E esse teste está em curso. Se houver uma saída sem acordo, naturalmente haverá tensão, mas rapidamente a realidade se vai impor, e a realidade é esta: não é viável uma saída sem acordo. O Reino Unido não pode resistir sem uma relação próxima com a vizinhança, com um mercado que é o seu, o segundo mercado de exportações, sem toda a relação que tem com a França ao nível da Defesa, com o resto da Europa em termos de cidadania e de pessoas. Mesmo uma saída sem acordo vai obrigar a um acordo logo a seguir. Haverá necessariamente um período de grande tensão, de muita confusão, mas que vai ter de ser resolvido rapidamente e isso não vai provocar tensão na UE, vai provocar tensão no Reino Unido e vai obrigar a uma união das forças políticas do Reino Unido por uma questão de sobrevivência da sua economia.

Que já está a perder.

O Reino Unido já perdeu em termos de PIB, desde o anúncio do referendo, valores muito substanciais. Era um dos países que mais cresciam e, de repente, é dos que menos crescem, há um gap de 2% ou 3% do crescimento do produto por causa deste processo. Em nome de quê? De uma pseudosoberania que eles também vão ver que não se vai verificar. Ao contrário do que diz Farage, o Brexit não representa uma ameaça para a União Europeia, necessária a todos os países da Europa.

Os cidadãos europeus não estão felizes com a Europa. A maioria não quer sair da UE, mas não concorda com a direção que está a seguir - como não concorda com o rumo que o seu país está a seguir.

Não diga isso. Já viu as sondagens?

Não sou eu que estou dizer, é mesmo o Eurobarómetro.

No fundo, essas opiniões espelham a falta de alternativa. Porque a única alternativa que está a ser proposta aos povos europeus é de voltar atrás, a do nacionalismo. A única politica alternativa à integração europeia é a desintegração europeia, esta é a alternativa que decorre de todos os partidos eurocéticos, liberais ou o que lhes quiser chamar - até porque são coisas bastante diferentes. Há muitas contradições, e aí percebemos que há propostas insustentáveis, querem tudo e o seu contrário, mas em relação à Europa e ao futuro a única proposta é o regresso ao nacionalismo, às fronteiras, ao protecionismo nacional, a uma solução que já testámos no passado, quando o Estado-nação foi criado, há 200 anos, em que aquilo a que assistimos foi a um cortejo de desgraças e de misérias na Europa. Ninguém quer voltar a esses tempos. Por isso é que os europeus se mostram insatisfeitos com o que têm, quer a nível nacional, quer, eventualmente, a nível europeu. Mas não desistem da Europa porque não conseguem conceber outra alternativa. O que não quer dizer que a proposta não seja sedutora; qualquer um de nós pode propor a felicidade eterna, se eu lhe disser o que quer ouvir, garanto-lhe que vai gostar muito de mim.

Mas tem de o provar, tem de mostrar que tem meios para lá chegar.

O problema é que estamos confrontados com uma situação em que as pessoas só ouvem aquilo que querem. E, cada vez mais, quando o que estão a ouvir não corresponde à opinião que já formaram, desligam, deixam de ouvir. E esta realidade não é um problema político, é sobretudo um problema cultural, que se torna um problema político. Este novo paradigma da comunicação, do espaço público, tem consequências e estamos a vivê-las: a polarização, o extremar de posições. E acabámos de viver isso no Brexit. E isto também acontece nas políticas nacionais, as pessoas têm dificuldade em julgar várias propostas porque tomam uma posição e não desistem dela, fixam-se nela.

A taxa de abstenção nas eleições é elevadíssima, nas europeias mais e na geração dos 18-24, aquela que beneficia em pleno do que a Europa tem de melhor…

A liberdade…

Exatamente… Alheia-se mais ainda. Como é que isto se muda?

É um problema de fundo, não é um problema só da Europa, é um problema da democracia. Diria até que é um problema do ocidente, da nossa civilização: a nossa civilização chegou depressa de mais, longe de mais. Em termos de bem-estar social, de paz, sobretudo a parte da Europa que viveu em paz… Tivemos em grande parte da Europa esse confronto de ideias, em que os americanos diziam que os europeus viviam numa paz perpétua kantiana enquanto eles andavam pelo mundo a garantir essa paz. Essa lógica, que pode remontar ao Plano Marshall, é uma lógica que nos afetou a todos e nós, europeus, achámos que isso era adquirido. E a verdade é que a Europa criou a União Europeia, a integração europeia e também essa ideia do crescimento permanente, do alargamento permanente…

Que terminou com a entrada de 13 países de uma vez só…

Que terminou com um choque de realidade muito forte, o alargamento a 13 países que tinham níveis de vida muito mais baixos do que os dos europeus que estavam na União Europeia e, sobretudo, tinham um problema nacional: um problema de identidade que tem a ver com o facto de os Estados-nação não serem todos iguais, serem até bastante diferentes. Mas entre o ocidente e o leste da Europa há uma diferença fundamental: o ocidente é constituído por Estados-nação em que cada Estado tem normalmente mais do que uma nação no seu interior, nações que tinham uma identidade própria, autonomia, sentimentos de origem e de destino comuns, e que se juntaram através de um Estado numa lógica identitária que se consolidou ao longo de 200 anos. Portugal não, mas a Espanha é um caso exemplar, o Reino Unido também, a França menos, mas também, a Alemanha também, a Itália muito. No leste, até por força das guerras no século XX, não é bem assim, as identidades espalharam-se por vários países. E isso faz com que cada pais seja muito mais cioso da sua realidade. E faz com que na União Europeia, ao mesmo tempo que não se reforçaram os instrumentos de coesão, a lógica da integração tenha ficado posta em causa.

Foi o ponto de viragem?

A União funcionou muito bem até à nossa entrada, ou até ao ano 2000, mas desapareceu nos últimos 20 anos. Portanto, a Europa ficou em causa e hoje as pessoas não conseguem perceber onde está essa ideia de que caminhamos para uma sociedade onde as desigualdades se esbatem, onde há uma convergência no sentido de uma vida partilhada, um espaço de liberdade, mas onde toda a gente vive bem, ou tendencialmente bem, onde a pobreza vai desaparecer, etc. Isso acabou na Europa e esse é um dos grandes problemas na Europa.

A ideia da Europa tem de ser uma ideia onde temos de recuperar o sentimento da solidariedade

Mas não é o único…

Ao mesmo tempo aconteceu uma outra coisa na Europa: um fenómeno de rejeição das elites. Há uma rejeição das elites e uma rejeição dos políticos, que não se souberam adaptar a esta nova realidade. Estamos, se quiser, a assistir a uma tempestade perfeita, que põe em causa a legitimidade das democracias na Europa, que põe em causa a integração europeia, porque se perdeu o sentido de coesão, o que faz com que a Europa seja hoje vista mais como um problema do que como uma solução. A ideia da Europa tem de ser uma ideia onde temos de recuperar o sentimento da solidariedade.

Isso leva-me à sua ideia da União Europeia. Qual o seu projeto para a Europa?

Para mim a Europa são três “S”, simples.

Afinal são quatro…

Tem razão… São três “S” explicados de forma simples. Solidariedade: os europeus têm de perceber que para a sobrevivência do seu projeto e, sobretudo, para a sobrevivência da Europa enquanto continente de prosperidade, de bem-estar, etc. - que ainda hoje é, mas que corre o risco de, a prazo, deixar de ser, porque o mundo é mais competitivo - é preciso recriar as condições do tal processo de convergência para a coesão e encontrar mecanismos para o fazer. Essa é uma das nossas grandes preocupações e será uma das nossas grandes batalhas no Parlamento Europeu. Oiço muitas vezes o primeiro-ministro, os ministros, muita gente com quem falo, em Bruxelas e aqui, dizer que Portugal é pequeno, não tem capacidade para isso porque a Alemanha, a Alemanha, a Alemanha… Mas a Alemanha não é um papão. Tem mais poder do que nós porque é maior, porque é economicamente mais forte, mas sabe tão bem como nós que depende da coesão deste espaço. Aliás, as propostas de Macron, pecando por inoportunas e excessivas nalguns aspetos, têm também essa realidade em vista.

E como pode a Europa recuperar essa convergência?

Isso significa que países como Portugal têm de fazer o seu trabalho de casa, não podem ter os desequilíbrios territoriais que têm no seu desenvolvimento e vir exigir à Europa que os ajude. A coesão tem de começar nos próprios países - e aí não usamos bem os recursos que são postos à nossa disposição, mas essa é outra história.

O segundo “s”, qual é?

Sustentabilidade. É essencial. Não é possível pensarmos que conseguimos viver bem num mundo que está mal, que vive de forma cada vez mais desordenada, em que todos os fatores para que vivamos bem estão a ser postos em causa. Estamos a falar de ambiente, obviamente, mas de coesão social também. Neste caso, o ambiente é crucial, porque não temos outro planeta para onde ir, se isto correr mal, não há sítio onde nos possamos esconder. E penso que é extraordinário que ainda haja quem não tenha percebido isto e ponha isto em causa.

Como pretende fazê-lo?

Defendemos, para já, a possibilidade de rever a forma como as diretivas europeias estão a ser aplicadas em Portugal ao nível do ambiente, o que significa serem aplicadas eficientemente, por um lado, e não de forma excessiva, por outro. Há um fenómeno que nos preocupa muito, que é o fenómeno da sobre-regulamentação europeia. Até que ponto - e é verdade que muitas transposições são feitas de forma disparatada - as diretivas servem interesses nacionais, políticas do governo de curto prazo ou são até eleitoralistas, em alguns casos. De facto, temos de conseguir usar nas políticas públicas conceitos como a economia circular de forma muito mais eficaz. E, naturalmente, não podemos ter uma coesão social tão frágil como a que temos em Portugal, o que significa usar os mecanismos que existem na Europa. Temos um tecido social muito frágil, muito pobre, o ordenado médio é de 900 euros - Portugal é dos países da Europa onde a diferença entre o ordenado médio e o ordenado mínimo é mais pequena - o que é um sinal de falta de desenvolvimento.

Por último, o terceiro “s”?

Subsidiariedade.  Que significa uma coisa muito simples: a Europa só deve fazer aquilo que os Estados não fazem melhor. Enfim, um princípio típico do federalismo.

Não resisto à brincadeira: em 45 anos, o Aliança avançou no abecedário, da política dos três “D” para os três “S”.

Mas para a Europa, não se esqueça disso. Assisti a todas as eleições europeias desde 1987. Só não segui as de 2014. E assisti sempre aos mesmos discursos, às mesmas propostas, tudo muito proclamatório.

Mas a sua proposta, a proposta do Aliança, é diferente?

É diferente em propostas muito concretas e verdadeiramente transformadoras. Por exemplo, uma das coisas que propomos é tão simples como isto: é dizer aos restantes candidatos - e eles não têm dado resposta - há duas funções de um eurodeputado, a primeira, participar no seu grupo político, de acordo com os objetivos do grupo, com o programa do grupo, na discussão das políticas europeias, nomeadamente no processo legislativo ordinário, e no resto. A segunda é estarem em permanente contacto com os seus eleitorados, com o seu país, para que aquilo que interessa aos portugueses, no caso, seja trazido a Portugal na génese do processo e os portugueses comecem a discutir os assuntos desde o início. Porque o problema é que normalmente as decisões chegam-nos no fim.

Pode dar alguns exemplos?

A questão da hora, por exemplo. Foi falada há um ano e tal em Portugal e só voltou a ser falada agora. Ainda assim, se perguntar à maioria dos portugueses o que é que efetivamente está proposto e a ser discutido, garanto que quase ninguém sabe. As pessoas pensam que a Europa nos vai obrigar a mudar a hora que temos a partir de 2021, não percebem bem porquê, se para haver uma hora europeia se por outra razão qualquer. Outra: a diretiva europeia da proteção dos direitos de autor na internet. Chegou a Portugal em novembro, mas está a ser discutida há quatro anos. Ninguém ouviu falar disto até há três meses porquê? Terceiro: o regulamento sobre seguros. Está para ser agora aprovado um instrumento de seguro individual paneuropeu, que está a ser discutido há três meses. E Portugal preside ao regulador europeu, mas ainda ninguém ouviu falar.

Pergunto-lhe: não há deputados portugueses em todas as comissões e muitas vezes há questões que envolvem cidadãos nacionais que dependem de deputados estrangeiros. Aconteceu com uma história que o SAPO 24 contou no início do ano e o Parlamento Europeu não teve resposta. Isto faz sentido? Como é que o Aliança pretende mudar isto?

Não faz sentido nenhum. Eu fiz um manifesto, discutido com algumas pessoas do partido, mas que é feito por mim, com algumas pessoas da lista, e que tem esse objetivo. O meu problema é que em Portugal os partidos não querem ouvir falar nisto porque preferem continuar a fazer proclamações genéricas, coisas que já foram repetidas 50 vezes e que não vão a lado nenhum. Dou-lhe o exemplo de uma proposta: o mandato negocial. Já se faz em alguns países, mas Paulo Rangel reagiu logo mal, o que é um disparate. A ideia é muito simples: a Comissão propõe, o processo legislativo começa e a Comissão é obrigada a mandar para os países a sua proposta legislativa. O que propomos é que venha para o parlamento nacional e, a partir daí, os deputados europeus são obrigados a vir explicar aos outros deputados o que aquilo significa. E então a Assembleia da República vai ter de se pronunciar sobre qual é o mandato que o Estado português vai ter naquela matéria. Não vai necessariamente aprisionar o Estado português, como o deputado Paulo Rangel fez pressupor, mas sim discutir o tema. Mas os partidos preferem continuar a discutir os assuntos na estratosfera.

Acredito num resultado entre os cinco e os sete por cento, é esse o nosso objetivo

Em que resultados acredita para o Aliança?

Nas Europeias? Acredito num resultado entre os cinco e os sete por cento, é esse o nosso objetivo. O meu objetivo realista é chegar aos dois deputados. É difícil, e até pode correr tudo mal, mas é nisso que acredito claramente. E, volto a dizer, não acredito nas sondagens que têm sido publicadas, além de terem sempre um padrão comum, fazem uma análise da nossa posição - que é fácil em relação aos partidos com menos votação - sempre pelos patamares inferiores e, como sabe, a margem é muito larga. Por isso temos os nossos próprios estudos e informações, feitos por pessoas que sabem disto a sério e que olham para os mesmos indicadores, e que nos dizem: não acreditem nisto. Eu não sou filiado, sou independente, mas acredito que correndo bem as europeias, as legislativas têm tudo para correr bem. As pessoas querem mudar. Provavelmente alguns vão ser seduzidos por outro tipo de propostas, certamente mais radicais, muito à esquerda ou muito à direita, porque aí estamos no reino da fantasia, propor o máximo, coisas inexequíveis.

O Aliança, no Parlamento Europeu, fica bem enturmado? As famílias políticas estão bem ordenadas?

As famílias políticas europeias estão todas muito preocupadas em ganhar expressão. Dentro do que existe, quero pertencer um grupo político e um partido que seja o mais parecido possível com aquilo em que acredito. E o que eu acredito é num partido liberal, personalista, o que quer dizer humanista, que defenda a continuação do humanismo na Europa e na nossa civilização, que é um dever de todos, nosso em particular. Depois, economicamente somos a favor de muito menos Estado. O Estado tem de estar onde é preciso e não onde é supérfluo.

Se pudesse nomear um comissário, qual seria, para que pasta?

Eu gostava mais, e pensando na minha formação, dos Negócios Estrangeiros. Obviamente a área da Economia é fundamental e era bom termos um comissário nessa área, mas Carlos Moedas desempenhou um papel importante, embora não tão visível [Investigação, Ciência e Inovação]. 

E que português via nos Negócios Estrangeiros?

[Pensa] Isso iria depender dos resultados das eleições em Portugal. Se o governo fosse um governo como eu gostava, de centro-direita e de direita, penso que o Pedro dava um excelente…

Então não ia ganhar as eleições? E já o está a mandar para a Comissão Europeia?

Eu disse que ganhava o centro-direita… Bem, Pedro Santana Lopes seria uma ótima escolha. Era um excelente lugar e temos gente de muita qualidade.

Quem gostaria que fosse o presidente do Parlamento Europeu?

Não tenho preferências, sinceramente.

Os cidadãos europeus estão preocupados com cinco temas específicos e por esta ordem: crescimento económico, desemprego jovem, alterações climáticas, imigração e terrorismo. Que soluções tem para cada um deles?

O crescimento económico consegue-se com mais eficiência da economia e com menos Estado. Temos um Estado demasiado opressivo, com muitos custos para a sociedade. O combate ao desemprego jovem faz-se com crescimento económico. O desemprego jovem é preocupante, mas não gosto de fazer separação; há desemprego e emprego, crescimento e estagnação. Precisamos de um Estado que não complique.

Como já tinha falado sobre as questões do ambiente, passamos para a imigração.

É uma questão de fundo, que não pode ser deixada à mercê de propostas populistas. É um problema que tem de ser resolvido caso a caso, quem precisa de quê, região a região, país a país. Porque precisamos de imigrantes. É preciso ação muito mais clara, saber quantas pessoas é que cada país quer receber, quanto precisa e do que precisa para gerir isso. Na Europa tem de haver resposta, nomeadamente na gestão de fronteiras. Mas também não pode ser com os escassos recursos que tem.

Terrorismo?

É preciso haver muito mais cooperação europeia. E uma atenção redobrada à literacia a nível nacional, porque o terrorismo hoje chega via digital, hackers, etc. É mais perigoso nesse aspeto, tem de haver mais informação, mais formação. Também das polícias, dos serviços secretos, da coordenação. Mas em Portugal ainda existem duas polícias, nem precisamos de ir mais longe.


Esta entrevista integra o Especial Europa 2019 do SAPO24, porque nunca a compreensão da identidade europeia foi tão importante na história do projeto europeu.