À Lusa, o diretor-adjunto do Gabinete Marítimo Internacional (IMB, na sigla inglesa), Cyrus Mody, apontou que desde o início do ano foram sequestrados “pelo menos 40 tripulantes” de embarcações ao largo do Golfo da Guiné.
Este número integra os oito membros da tripulação do navio porta-contentores de bandeira portuguesa Tommi Ritscher, abordado em abril no mar territorial do Benim, a cerca de 2,2 milhas náuticas do porto de Cotonou, assim como os sete tripulantes do MSC Talia F, atacado em março ao largo do Gabão, a cerca de 50 milhas náuticas da capital gabonesa, Libreville.
Em 25 de maio, a Marinha nigeriana anunciou a libertação dos oito tripulantes do Tommi Ritscher, navio detido por uma empresa de Singapura e gerido pela empresa alemã Transeste.
No mesmo mês, uma nota do grupo European International Shipowners’ Association of Portugal (EISAP), que reúne armadores com embarcações inscritas no Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR) citada pelo Diário de Notícias Madeira anunciou que os sete membros da tripulação do MSC Talia F tinham sido resgatados.
Os dois navios tinham sido registados no MAR, o que levou a autoridade marítima de Portugal, a Direção-Geral de Recursos Marítimos (DGRM), entidade competente pela gestão do estado de bandeira em termos de proteção, a acompanhar os desenvolvimentos.
Questionado pela Lusa, o diretor-geral da DGRM, José Carlos Simão, assinalou que “durante vários anos não ocorreram atos de pirataria contra navios de bandeira portuguesa”, mas que agora surgiram estes dois ataques ao largo do Benim e do Gabão.
O Golfo da Guiné é uma das zonas de risco de pirataria sinalizadas pela DGRM, numa lista que inclui também a zona de Singapura/Indonésia/mar do sul da China e a zona do Golfo de Áden (Corno de África).
O diretor-geral dos Recursos Marítimos detalhou um processo que regular realizado pelos piratas após o sequestro das tripulações.
“Tipicamente, quando os piratas conseguem ir a bordo, resgatam algumas das pessoas mais importantes da lista de tripulantes e levam-nos para o delta da Nigéria, fazendo depois exigências monetárias”, disse.
Para evitar estas situações José Carlos Simão considera que, atualmente, “a medida mais eficaz passa por os navios procurarem evitar as zonas de maior risco”, algo que diz ter sido feito.
“Contudo, face ao crescente flagelo da pirataria no mar que por vezes se estende um pouco para fora das áreas mais tradicionais”, o executivo português aprovou em outubro um decreto-lei que permite aos navios de bandeira portuguesa terem a bordo guardas armados “sempre que os armadores assim o requeiram para navegar em áreas de risco de pirataria”.
José Carlos Simão explicou também que, nos termos das convenções da Organização Marítima Internacional, os navios são obrigados a ter instalado um sistema de alerta que é ativado sempre que haja uma ameaça de proteção ao navio.
Porém, o diretor-geral sublinhou que a capacidade de resposta do Estado de bandeira face aos ataques é limitada, uma vez que se o incidente acontecer na área de jurisdição de um outro país “cabe a esse Estado a resolução dos problemas de pirataria”.
Sobre o registo de navios de empresas estrangeiras no MAR, José Carlos Simão considera que há “vários e importantes fatores de competitividade” que levam armadores globais a adotar a bandeira portuguesa, incluindo o facto “de ser uma bandeira europeia”, “regime fiscal atrativo, legislação moderna, certificados eletrónicos de navio e tripulantes, entre outros”.
“Maior parte dos armadores de navios SOLAS (os maiores sujeitos às convenções internacionais) registados na bandeira portuguesa são de empresas estrangeiras”, disse, acrescentando que o MAR tem no seu registo 550 navios SOLAS, incluindo “navios de contentores, de graneis, cruzeiros, carga geral e outros”.
José Carlos Simão considera que a atribuição da bandeira portuguesa a embarcações de empresas estrangeiras traz benefícios para Portugal, incluindo “mais receita para o país, mais criação de ‘know-how’, mais participação nas questões de evolução ambiental no ‘shipping’, mais criação de emprego, mais criação de empresas e prestação de serviços, mais prestígio em termos de estado de bandeira, mais oportunidades para o embarque de tripulantes”.
“Obviamente que não podemos ignorar que este crescimento acarreta também mais responsabilidades para Portugal”, advertiu, mas considera que “o saldo é muito positivo”.
A pirataria no mar está definida no Artigo 101.º da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), contemplando qualquer ato ilegal de violência realizada contra os tripulantes ou passageiros de navios, bem como de ilegal abordagem e tomada de controlo sobre o navio, podendo ser em alto mar ou em área de jurisdição de um país.
O IMB descreve o Golfo da Guiné como um dos locais mais perigosos para tripulações, depois de o número de raptos por piratas ter aumentado no último ano.
Segundo a organização, houve 121 tripulantes sequestrados em 2019 em águas do Golfo da Guiné, um aumento face aos 78 de 2018.
A região do Golfo da Guiné abrange a Costa do Marfim, Gana, Togo, Benim, Nigéria, Camarões, Guiné Equatorial e Gabão (parte norte), além de São Tomé e Príncipe. Próximos estão ainda Angola, República Democrática do Congo e República do Congo, entre outros países.
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