“Acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso dos arguidos”, lê-se na decisão do acórdão do tribunal hoje proferido e a que a Lusa teve acesso, acrescentando-se que, em consequência, é revogada parte do despacho do juiz de instrução Carlos Alexandre, no qual se determinaram as medidas de coação aplicadas a ambos os arguidos no caso EDP.

“Revoga-se a parte do despacho recorrido em que substitui a OPHVE [medida privativa de liberdade com vigilância eletrónica] pela prestação de caução, devendo ser proferido novo despacho a determinar se o arguido Manuel Pinho fica sujeito a OPHVE ou a caução, sendo que se a decisão for esta última (caução) deve o recorrente Manuel Pinho ser libertado, sem prejuízo de serem aplicadas outras medidas de coação que possam ser cumuláveis”, lê-se no despacho assinado pelos desembargadores Paulo Barreto e Alda Tomé Casimiro.

Ao determinar a revisão parcial do despacho, a Relação lembra que “manifestamente”, há a garantia do legislador “em não sujeitar a medida de coação privativa de liberdade a quem não puder (por estar impossibilitado ou tiver graves dificuldades em ou inconvenientes) pagar a caução.

Segundo o tribunal de recurso, “no quadro legal e até constitucional não se encontra em fundamento para colocar em OPHVE [prisão domiciliária com vigilância eletrónica] quem não pagar uma caução”, acrescentando que “em lado algum do nosso ordenamento jurídico-penal a falta do pagamento de uma caução tem como consequência a privação da liberdade”.

A 15 de dezembro Carlos Alexandre tinha determinado que Manuel Pinho ficava obrigado a permanecer em prisão domiciliária com vigilância eletrónica até que fosse prestada uma caução de seis milhões de euros, num prazo de 30 dias, além de ter sido proibido de se ausentar do país, caso a prisão domiciliária viesse a ser substituída pela caução.

A sua mulher, Alexandra Pinho, ficou sujeita a uma caução de um milhão de euros, obrigação de apresentações periódicas quinzenais e proibição de se ausentar do país através da apreensão do passaporte.

A defesa de Manuel Pinho recorreu deste despacho, contestando as medidas de coação aplicadas ao ex-ministro da Economia e à mulher deste, Alexandra Pinho, alegando ainda não haver perigo de fuga, como defendido por Carlos Alexandre na fundamentação das medidas de coação aplicadas.

No entanto, sobre o perigo de fuga o Tribunal da Relação deu razão a Carlos Alexandre e ao Ministério Público (MP).

“Dos elementos dos autos resulta ainda que os recorrentes têm muita facilidade em se deslocar para o estrangeiro, têm condições económicas para isso, pelo que é real a possibilidade de se eximirem à ação da justiça”, lê-se no acórdão, no qual também se defende que “a mudança de residência [dos arguidos] para Espanha num momento processual em que os responsáveis da EDP foram submetidos a medidas de coação gravosas, é, ela própria, um indício desse perigo de fuga”.

Os desembargadores defendem ainda que “só nesta fase processual [os arguidos] tiveram conhecimento de todos os factos que lhes são imputados” e que “desta vez não se pode criticar o MP por deter/pedir prisão preventiva e só depois investigar”.

Consideram assim “inquestionável” que só nesta fase do processo “passaram os arguidos a saber da (muita) gravidade dos factos”.

“Improcede este segmento de recurso. Há perigo de fuga”, enfatizam os juízes.

A Relação rejeita ainda que haja “abuso de direito” como alegado pela defesa, considerando que este fundamento “não está minimamente sustentado” e que “não resulta dos autos qualquer ‘janela de oportunidade’ muito menos pública e notória”.

Para o tribunal o que resulta dos autos é “um conjunto de factos e crimes indiciados contra os arguidos, daí a respetiva detenção, em conformidade com a estratégia de investigação, detenção que foi validade pelo juiz de instrução. […] Não se vislumbra, assim, o invocado abuso de direito”.

Manuel Pinho foi constituído arguido no âmbito do caso EDP no verão de 2017, por suspeitas de corrupção e branqueamento de capitais, num processo relacionado com dinheiros provenientes do Grupo Espírito Santo. No processo EDP/CMEC, o Ministério Público imputa aos antigos administradores António Mexia e Manso Neto, em coautoria, quatro crimes de corrupção ativa e um crime de participação económica em negócio.

O caso está relacionado com os Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC) no qual Mexia e Manso Neto são suspeitos de corrupção e participação económica em negócio para a manutenção do contrato das rendas excessivas, no qual, segundo o Ministério Público, terão corrompido o ex-ministro da Economia Manuel Pinho e o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade.

O processo tem ainda como arguidos o administrador da REN e antigo consultor de Manuel Pinho, João Conceição, o ex-secretário de Estado da Energia Artur Trindade, Pedro Furtado, responsável de regulação na empresa gestora das redes energéticas e o antigo presidente do BES, Ricardo Salgado.

(Notícia atualizada às 20h43)