A decisão da Relação veio dar razão a um recurso intercalar do Ministério Público (MP), apresentado durante o julgamento, que contestava a decisão do coletivo de juízes de indeferir a audição de quatro testemunhas consideradas fundamentais pelo MP para a descoberta da verdade.
O recurso foi apresentado pelo MP ainda no decurso do julgamento do processo relativo ao grupo dos colégios GPS, no âmbito do qual cinco administradores foram acusados, e absolvidos, de peculato, falsificação de documentos e burla qualificada por alegadamente se apropriarem de verbas de financiamento do Estado para a prestação de serviço público de educação.
Com esta decisão do tribunal superior determina-se que o despacho do coletivo de juízes que indeferiu a audição das testemunhas é revogado, o que implica a reabertura do processo e o seu regresso à primeira instância para que se “proceda à produção da prova testemunhal” pedida pelo MP, o que “acarreta a invalidade de todos os atos praticados subsequentes àquele despacho”.
Assim, o julgamento é reaberto e retomado com a audição das quatro testemunhas, cujos depoimentos terão que ser tidos em conta no novo acórdão a ser proferido.
O acórdão dos juízes desembargadores Maria José Costa Machado, Carlos Manuel Espírito Santo e Paulo Duarte Barreto Ferreira explica que a decisão relativa ao recurso intercalar impede que seja apreciado o “recurso interposto pelo MP quanto ao acórdão, que fica assim sem qualquer efeito”.
Em causa está a audição das testemunhas Júlia Fernandes e Manuel Queiroz, inspetores da Direção Regional de Educação de Lisboa (DREL), Libânia Gaspar, funcionária do Grupo GPS, e Paula Rente, diretora pedagógica de um dos colégios deste grupo.
No recurso, o MP alegou que ao indeferir ouvir as quatro testemunhas, o coletivo de juízes violou a lei, “tendo feito errada interpretação da norma jurídica aplicável”, no caso, o artigo 340º do Código do Processo Penal (CPP), relativo à produção de prova.
Segundo a decisão da Relação, o indeferimento do pedido do MP para ouvir as testemunhas foi feito com base numa lei já revogada, tendo os desembargadores considerado que o indeferimento “à luz” do referido artigo do CPP “é de todo insustentável”.
De acordo com o TRL, “no momento em que foi apresentado o requerimento pelo MP, de produção de novos meios de prova, não podia o tribunal [de primeira instância] considerar que a prova já não podia ser indicada ou era inadequada ou que não era absolutamente necessária nem imprescindível para a boa decisão da causa, razão pela qual não havia fundamento para indeferir”.
“[…] Entendemos que se impunha ao tribunal, em obediência à necessidade da descoberta da verdade, proceder à inquirição das testemunhas que foram indicadas pelo MP, por forma a estar habilitado com todos os elementos que lhe permitiam uma decisão justa”, acrescenta o acórdão.
Ainda que o TRL admita que a sua decisão pode implicar um atraso que impeça “que se faça justiça num tempo razoável” defende, no entanto, que “não pode deixar de se revogar o despacho recorrido e de se determinar a inquirição” das testemunhas.
Cinco administradores dos colégios do grupo GPS começaram a ser julgados a 16 de setembro de 2021 por peculato, falsificação de documento e burla qualificada, tendo sido absolvidos em fevereiro de 2022, no decurso de um julgamento em que o MP começaria por deixar cair a acusação de peculato, mas a recuperaria na fase final.
Em julgamento estiveram os gestores do grupo GPS António Calvete, Fernando Manuel Catarino, Agostinho dos Santos Ribeiro, Manuel Marques Madama e António Marques Madama, acusados de peculato, burla qualificada e falsificação de documentos, depois de verem cair na fase de instrução as acusações por crimes de corrupção ativa e abuso de confiança.
Segundo a acusação, os arguidos ter-se-ão apropriado de mais de 30 milhões de euros dos mais de 300 milhões de euros recebidos pelos colégios para financiar contratos de associação com o Estado, que asseguram financiamento público a instituições privadas para garantir o acesso à escolaridade obrigatória.
O dinheiro pago a colégios do grupo GPS no âmbito dos contratos de associação com o Estado alegadamente financiou férias, carros, bilhetes para o mundial de futebol de 2006, jantares, vinhos e até seguros pessoais, segundo o MP.
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