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É um dos 30 presidentes de câmara do PSD em limite de mandato. Nasceu em Braga, viveu e estudou em Braga até à entrada na faculdade de Economia, no Porto, cidade em que se fixou até 2005, ano em que nasceu a primeira filha. Muitos acreditavam que concorreria a Viana do Castelo: "Hoje não podemos tossir sem corrermos o risco de acabar candidatos a alguma coisa".

Ricardo Rio herdou do avô o gosto pela política, mas foi pela mão de Miguel Macedo, ex-ministro da Administração Interna e bracarense, que assumiu pela primeira vez uma função num órgão do Partido Social Democrata. "Era uma referência, podia ter sido o que quisesse pela sua competência, pela sua capacidade de agregar. A verdade é que, num processo muito injusto, acabou por ter de interromper de forma abrupta a sua atividade política", recorda.

Braga foi dos concelhos que mais cresceu em número de habitantes e tem sido apontada nos rankings de melhores cidades para viver e de sustentabilidade urbana, destacando-se por ser jovem, inovadora e empreendedora. A autarquia tem sido elogiada também por uma gestão financeira rigorosa, com redução significativa da dívida municipal, sem sacrificar o investimento.

Ao longo dos seus três mandatos, todos com maioria absoluta, Ricardo Rio também se viu envolvido em polémicas: em Outubro de 2024, foi constituído arguido por recebimento indevido de vantagem, depois de ter aceitado que a Microsoft pagasse as despesas de alojamento e refeições no valor de 850€ de uma viagem a Seattle, à sede da companhia nos Estados Unidos, em 2014. O bilhete de avião foi pago pela câmara de Braga; em 2019, foi constituído arguido numa investigação judicial sobre uma permuta de terrenos relacionada com o Parque Desportivo da Rodovia.

É presidente de câmara há 12 anos. O que vai fazer agora?

Agora vou voltar à minha vida profissional anterior a ser presidente de câmara, embora antes de 2013 já estivesse diretamente envolvido na vida política e até no município, desde logo porque fui candidato duas vezes e já tinha sido membro da Assembleia Municipal ou presidente da concelhia do partido, mas sempre desenvolvi a minha atividade profissional em paralelo, quer como consultor, quer como professor.

"Farei um pousio na vida pública e política nos tempos mais próximos"

Vou retomar essa vida. A decisão que tomei é a de que farei um pousio na vida pública e política nos tempos mais próximos. E tenho alguns desafios que me foram sendo lançados, uns nacionais, outros internacionais, alguns ligados à área da gestão do território, das cidades, mas fora do contexto público.

Quer dizer que não aceitará, se lhe for feito, qualquer convite para um cargo público?

Sim. Aliás, cheguei a ser abordado no passado recente para algumas alternativas e foi essa a mensagem que transmiti.

O índice de perceção da corrupção em Portugal é elevado, mais alto ainda quando se fala de poder local. Há alguma semelhança entre o sentimento e a realidade?

Acho que, sinceramente, as autarquias em particular têm sido extremamente estigmatizadas em relação a estas matérias. É impossível desmentir a quantidade de casos que têm existido, mas se formos analisar outras áreas da sociedade, do setor empresarial à academia, passando por outros organismos públicos do Estado central, não se vê assim tanta diferença.

As autarquias acabam por replicar aquilo que é a proporcionalidade de pessoas com condutas indevidas no resto da sociedade, mas têm uma exposição muito maior. E têm também um escrutínio muito maior, não só público, mas de diversas instituições, que acaba por levar a que esses casos sejam mais expostos, sejam mais detetáveis.

É importante erradicar essa patologia de toda a sociedade, em particular da vida pública, até porque acaba por estigmatizar os protagonistas dessa atividade. Aliás, ser autarca ou político, hoje, é um ato de coragem, desde logo porque no minuto seguinte a assumir essa função o rótulo imediato é de "mais um que vem salvaguardar o seu interesse".

É importante que consigamos construir um modelo de percepção daquilo que são as atividades públicas que valorize essas atividades e não que as deprecie, como tem acontecido nos últimos anos.

Que responsabilidade têm os partidos nessa depreciação? Porque são eles que fazem as escolhas e estabelecem a fasquia.

A responsabilidade dos partidos é total e não penso que seja sequer apenas pela questão das escolhas. Nenhum partido ou nenhum líder partidário, em consciência, escolhe alguém que presuma que vá ter uma conduta ilícita ou menos correta do ponto de vista dos cargos que vai desempenhar.

Se na competência pode haver alguma flexibilidade, na questão ética diria que os partidos tentam fazer um escrutínio prévio, até para não serem eles próprios postos em causa e não sofrerem danos colaterais.

"Ser autarca ou político, hoje, é um ato de coragem, desde logo pelo rótulo de 'mais um que vem salvaguardar o seu interesse'"

Quando falo da grande responsabilidade, tem que ver com outra questão, e de, ano para ano, isso têm-se acentuado nas diversas forças partidárias a nível nacional, local ou regional, é que está-se a usar o instrumento judicial como arma de arremesso político. Acham que basta lançar uma carga de suspeição sobre um qualquer protagonista para como isso retirar benefícios políticos.

Tem de haver um equilíbrio entre aquilo que é o juízo crítico sobre quem tem uma conduta indevida e o princípio da presunção de inocência. A não ser assim, qualquer pessoa pode ser alvo de uma denúncia e, no minuto seguinte, tem de interromper a sua atividade. Isto não faz sentido nenhum, tem de existir algum cuidado na maneira como tratamos estas coisas. Também é preciso combater a ideia de que qualquer pessoa que está a ser investigada é imediatamente culpada.

Miguel Macedo [antigo ministro da Administração Interna], que foi a pessoa que me levou pela primeira vez a assumir uma função num órgão do partido, era uma referência, podia ter sido o que quisesse no país pela sua competência, pela sua capacidade de agregar. A verdade é que, num processo muito injusto, acabou por ter de interromper de forma abrupta a sua atividade política, à qual acabou por não regressar. É talvez o exemplo mais eloquente deste tipo de abordagem ligeira.

Ricardo Rio
Ricardo Rio créditos: Inês Vales | MadreMedia

Há casos de escutas que mostram comportamentos moralmente reprováveis, como na operação Tutti-Frutti. Às vezes até imagens, como no caso das malas de Miguel Arruda. Há intocáveis?

Em primeiro lugar, tem de existir uma cultura de responsabilidade. Porque há situações muito diversas, uma coisa é um erro administrativo, uma pessoa pode até ser sancionada por isso, mas não há ali uma conduta moralmente reprovável, outra coisa são comportamentos em que observamos quase um sentimento de inimputabilidade, que também não pode ser aceite. Estas personagens têm de ser erradicadas da vida pública para não deixar que algumas maçãs podres estraguem o cesto da fruta todo.

Também foi alvo de processos judiciais. Uma viagem a Seattle, com apoio da Microsoft, fez com que fosse constituído arguido em outubro de 2024, por recebimento indevido de vantagem: aceitou que a Microsoft pagasse, em 2014, despesas de alojamento e refeições no valor de 850€. Pode explicar?

Estou constituído arguido por uma coisa que poupou dinheiro à câmara municipal. Fui lá em trabalho, a câmara pagou o bilhete de avião, mas não pagou alojamento, portanto é um excelente exemplo do tipo de processos de que falava, não tem nada a ver com questões éticas.

E houve uma investigação judicial à permuta de terrenos relacionada com o Parque Desportivo da Rodovia, em 2019.

Lá está, também fui constituído arguido nesse processo, eu e outros colegas vereadores, e depois o próprio Ministério Público apresentou um parecer de uma jurista a dizer que a nossa posição e o negócio que a câmara fez foi altamente vantajoso e, portanto, considerava que não havia ilícito nenhum e o processo acabou por ser arquivado.

"É preciso combater a ideia de que qualquer pessoa que está a ser investigada é imediatamente culpada"

Este governo tem uma estratégia clara de combate à corrupção?

A questão não é a de existir nova legislação ou regulamentação que possa impender sobre os procedimentos, pelo contrário, recentemente tivemos uma situação inacreditável, uma disposição que obrigava os autarcas, procedimento a procedimento, a assinar uma declaração de isenção de conflito de interesses.

Isto, do ponto de vista administrativo, era inenarrável. Numa câmara como Braga, estamos a falar de milhares de procedimentos em que eu teria de subscrever, digital ou fisicamente, esta declaração. Às vezes, o excesso de regulamentação até é prejudicial para os objetivos que se pretende atingir.

O que tem de existir é eficiência por parte das instâncias inspetivas. Há casos que se arrastam durante décadas, alguns manifestamente óbvios na sua objetividade, sem que haja qualquer tipo de justificação. Claramente, tem de existir confiança nas instâncias judiciais - infelizmente temos assistido ao descrédito dessas instâncias por avançarem com procedimentos que se revelam infundados e lesam as pessoas.

O PSD tem 30 presidentes de câmara em limite de mandato. Isto é uma vantagem ou, pelo contrário, uma desvantagem?

Depende de como os processos tenham sido geridos em cada caso. Vemos a proliferação de situações de dissensão entre os candidatos indicados pelas estruturas partidárias e as pessoas que tinham algum protagonismo na gestão municipal e achavam que podiam vir a ser candidatos. Isto, em muitos concelhos - não em Braga -, tem levado à emergência de candidaturas independentes e à troca de candidatos entre as diferentes forças partidárias.

Teoricamente, naquela lógica de que existe uma vinculação muito pessoal além da dimensão partidária dos presidentes de câmara, é sempre uma situação de risco. Se é uma lógica automática dizer que porque muda o presidente de câmara a câmara vai trocar de partido, acho um bocadinho excessivo.

Podemos vir a assistir a nível autárquico àquilo que aconteceu a nível nacional nas últimas legislativas?

Acho muito difícil. Relativamente ao PS, não consigo avaliar, porque há aqui um fator muito relevante: quando se entra nesta espiral de perda não é fácil recuperar.

Também é preciso ter em conta que em termos de votação participaram nas eleições legislativas, nestas e nas anteriores, muito mais pessoas do que normalmente participam nas eleições autárquicas. É preciso perceber qual vai ser o nível de participação nestas eleições e, a ser mais próximo das últimas eleições autárquicas, para onde vão deixar de ir os votos a mais que houve nas legislativas.

A juntar a isso, o Chega dificilmente conseguirá um resultado semelhante àquele que teve nas legislativas, porque as autárquicas acabam por funcionar numa lógica de proximidade com os candidatos locais e o partido, parece-me, não tem ainda as estruturas locais suficientemente dinamizadas para poder aproveitar esse elã nacional.

Ninguém consegue adivinhar se o Chega vai ou não ganhar alguma câmara, mas parece-me inquestionável que o Chega vai passar a ter representação em executivos que não tinha, disso não tenho dúvidas.

"Está-se a usar o instrumento judicial como arma de arremesso político"

Receia que venha a acontecer ao PSD o que aconteceu ao PS? Em 50 anos foram os dois partidos do arco do poder.

Com certeza que sim. Na verdade, vemos muito frequentemente centrar esta análise entre esquerda e direita, quando me parece que isso hoje está completamente diluído, as últimas eleições mostraram isso de forma inequívoca. O meio milhão de votos, ou quase, que o Partido Socialista perdeu, foi maioritariamente para o Chega, não há aqui uma lógica de transferência de votos entre partidos de espectros análogos.

Como já antes o Chega terá crescido, numa primeira fase, à custa do PCP ou do Bloco de Esquerda, o que é ainda mais surpreendente para muitos. Mas é objetivo, porque é uma lógica de partidos de sistema contra partidos de fora de sistema, mais moderados contra radicais, não diria sérios contra populistas, mas, pelo menos, de um discurso mais consistente contra um discurso mais incoerente.

Um passo em falso do governo liderado por Luís Montenegro e André Ventura será o próximo primeiro-ministro de Portugal. Pode acontecer ou este governo vai chegar ao final da legislatura?

Poderá acontecer, não é um cenário que possamos afastar de todo. Há aqui uma questão, e acho que esse foi o grande erro do Partido Socialista de Pedro Nuno Santos: o eleitorado perdeu as amarras ideológicas e doutrinárias. Se, num determinado momento, entender que é preciso apostar numa candidatura rotulada como extrema-direita, mesmo sendo alguém que tradicionalmente sempre votou na esquerda, vai fazê-lo.

Basta olhar para o nosso mapa: onde é que Chega teve maior representação? Foi nos distritos onde normalmente era o PCP, o Partido Socialista e outros partidos que tinham maior presença, não foi a norte, onde o centro-direita normalmente tem mais expressão.

Ricardo Rio
Ricardo Rio créditos: Inês Vales | MadreMedia

Este governo vai chegar ao fim da legislatura?

Ninguém consegue dizer isso de forma taxativa, porque vimos um governo de maioria absoluta estável na Assembleia da República e também não chegou. A realidade hoje vai sendo muito dinâmica.

"Às vezes, o excesso de regulamentação até é prejudicial para os objetivos que se pretende atingir"

Vê erro na governação de Montenegro?

Penso que passamos muito tempo a acorrer às emergências e pouco tempo a pensar estrategicamente para o futuro. E é importante o país começar a olhar de forma mais estruturada para o futuro, mesmo estando algumas emergências por resolver, como é o caso das patologias na área da administração pública, na saúde, na educação e na justiça. Mas isso não nos deve fazer perder o foco de uma proposta de mais mérito e neste momento o governo ainda tem estado muito concentrado no imediato.

Depois, como disse há pouco, se o Montenegro resvalar para tentar ser tão radical como os radicais para lhes tirar espaço, que foi o que aconteceu com o PS, naturalmente as pessoas preferem o original à cópia.

Aqui e ali vejo em Luís Montenegro alguma intenção para perceber quais são os fatores que motivam as pessoas para preferir um discurso radical e tentar acorrer a essas situações. Acho que a fronteira entre acorrer a essas situações e ter um discurso igualmente radical é muitas vezes ténue.

É mais fácil fazer obra num município quando o governo central é da mesma cor política?

Em 2013, quando tomei posse, perguntaram-me se era uma vantagem para mim ser presidente com um governo PSD. Repito o que disse então: o que defendemos, acho que todos os autarcas, é que os governos não atrapalhem. Se puderem ajudar, é bom, mas se não atrapalharem já não estamos mal.

Infelizmente, em muitos processos, ao longo dos últimos anos, os governos não ajudaram e atrapalharam. Um deles teve a ver com as parcerias público-privadas - uma dívida encapotada, que não estava refletida nas contas e que representava encargos anuais de 7,5 milhões de euros de rendas por 25 anos - e que foi o ministro Fernando Medina que acabou por resolver (gizou um modelo em que essas parcerias poderiam ser liquidadas e internalizadas).

Mas, se olharmos para aquilo que foi o retardar, por parte dos governos do Partido Socialista, dos avanços do Nó de Infías, que é uma obra estratégica para o município de Braga e para a região, os atrasos na cedência de uma parcela que era do hospital e da qual precisávamos para concretizar o Parque das Sete Fontes, ou, de forma mais transversal, a exiguidade do investimento feito em Braga ao longo dos últimos anos, porventura corroboro a afirmação de que é mais fácil ter a mesma cor política.

A verdade é que, quando o governo de Luís Montenegro tomou posse — não este, mas o anterior —, esses dois processos tiveram um impulso decisivo. Mas há ainda outros processos que foram sendo retardados e que, se calhar, uma maior proximidade partidária poderia ajudar a acelerar.

"O Comité das Regiões é o parente pobre da orgânica da União Europeia"

Quem vai ganhar a Câmara de Braga?

A coligação Juntos por Braga.

Nas últimas eleições perdeu cerca de 9 mil votos.

Que foram quase integralmente para o Chega, para a Iniciativa Liberal e para o PAN.

Essa é outra pergunta, como vai estar o executivo municipal depois das eleições autárquicas?

Penso que vai estar bastante mais fracionado do que está hoje. Tivemos nos meus três mandatos três maiorias absolutas, no último descemos um pouco, mas foi a primeira vez que apareceram as candidaturas do Chega e da Iniciativa Liberal.

Aliás, até é curioso: uma semana antes das eleições saiu uma sondagem, coincidente com outras que tínhamos internamente, que dizia que podíamos chegar aos oito vereadores. Penso que as pessoas se assustaram com isso e acabaram por votar noutras forças políticas. Descemos de sete para seis, mas voltámos a ter maioria absoluta, repondo a situação que houve no primeiro mandato: 6-4-1, seis para o PSD, quatro para o PS e um para a CDU.

"Parece-me inquestionável que o Chega vai passar a ter representação em executivos que não tinha"

Sobre a descentralização de competências, quais os grandes desafios que ainda existem nesta matéria?

O tema da descentralização foi claramente sobrevalorizado, o que foi feito foi uma coisa absolutamente corriqueira: transferir as competências em termos de manutenção de equipamentos, de gestão de recursos humanos, ainda por cima parcial (assistentes operacionais e, em alguns casos, assistentes técnicos), da área da saúde ou da educação, de gestão de parcerias na área social.

O meu colega do Porto, Rui Moreira, disse muitas vezes que estavam a pôr os presidentes de câmara como tarefeiros, mas a verdade é que são tarefas de natureza mais administrativa do que de gestão estratégica e política. Em muitos desses setores, as câmaras municipais estão muito mais à frente nas suas responsabilidades e naquilo que são as iniciativas que desenvolvem do que aquilo que a descentralização propiciou.

Na área da educação, as grandes inovações das últimas décadas ao nível de enriquecimento curricular, de fornecimento de refeições escolares, de apoios sociais, de interação com a comunidade do ponto de vista da formatação dos projetos pedagógicos, foram feitas pelas câmaras municipais e depois o Estado central replicou.

Na área da saúde, Braga tem agora a gestão dos funcionários e da manutenção dos equipamentos que inicialmente estavam afetos aos cuidados de saúde primários. Ora, antes disso, já tínhamos um programa como o "Braga a Sorrir", que disponibiliza cuidados de saúde oral completamente graciosos a toda a população que não tem recursos económicos, de tratamentos integrais a benefícios que abrangem milhares de pessoas.

E temos um programa com a Escola de Medicina da Universidade do Minho, que disponibiliza acesso a atividades digitais através de diversas plataformas para toda a população do concelho para evitar a sobrecarga dos centros de saúde.

"Sou uma pessoa de pequenos vícios"

O que fazem ou o que faziam os seus pais?

A minha mãe era professora, o meu pai é bancário.

Quem foi o pior primeiro-ministro de todos os tempos?

Muito difícil, mas vou ter de dizer António Guterres.

Qual o seu maior medo?

Não conseguir fazer algo positivo no futuro.

Qual o seu pior defeito?

A vaidade.

Qual a sua maior qualidade?

Bom humor.

Qual a maior extravagância que já fez?

Não sou uma pessoa de muitas extravagâncias, sou uma pessoa de pequenos vícios, das gomas que como, aos jogos de futebol que vejo.

Qual é o seu clube?

Sporting e Braga.

Se fosse um animal, que animal seria?

Um leão.

Quem não merece uma segunda oportunidade?

Quem não a pedir.

Mente?

Raramente.

Qual foi a última vez que se irritou e porquê?

Acho que foi por causa de um projecto que não foi concretizado no tempo que eu queria, com colaboradores meus.

O que o faz perder a cabeça?

A indolência.

Como é que gostaria de ser lembrado?

Como alguém que traz o sol no bolso.

A quem não comprava um carro em segunda mão?

A José Sócrates.

Tem alguma comida de consolo ou de conforto?

Sou muito guloso, os meus pratos favoritos são aqueles pratos típicos dietéticos, tipo papas de sarrabulho ou arroz de pica no chão.

Ou seja, na prática a descentralização deve refletir-se em maior eficiência no Estado central e não necessariamente em maior eficiência nas autarquias?

Sim. Ao assumirem essas responsabilidades, as autarquias estão a fazer um favor ao Estado central, estão a beber daquilo que são as suas competências e os seus recursos, muitas vezes alocando recursos próprios - essa é uma questão que também não está totalmente dirimida em termos de justiça da distribuição de recursos afetos a cada uma das competências.

A verdade é que as autarquias estão a fazer mais e melhor aquilo que o Estado não estava a fazer bem. O maior problema da descentralização tem a ver com o facto de o Estado central, em muitas circunstâncias, não saber bem o que estava a fazer ou quanto lhe custava o que estava a fazer.

"O eleitorado perdeu as amarras ideológicas e doutrinárias"

As discussões sucessivas com a Associação de Municípios sobre quanto deveria ser transferido em função de cada uma das competências tinham a ver com isso, não era má-fé do Estado central, era incompetência por não saber quanto é que estava a gastar naquelas matérias ou quais os impactos.

Isso, obviamente, prejudicou um pouco este projeto, acabou por limitar a sua ambição, mas acho que hoje as questões estão relativamente pacificadas a nível nacional, salvo a questão da natureza financeira que, para algumas autarquias, sobretudo as de menor dimensão, acaba por impactar muito nos seus orçamentos.

Quantos trabalhadores tem a Câmara Municipal de Braga, incluindo empresas municipais?

Deve ultrapassar os 4 mil. Tínhamos cerca de 2 mil há bem pouco tempo, mas com este processo de descentralização houve uma migração massiva de recursos humanos na área da educação e na área da saúde. Na maior parte dos casos, são transferências diretas. O que verificámos foi que, em alguns dos casos - veja-se as escolas -, o Estado central não estava a dotar os equipamentos escolares do número de recursos necessários para poderem funcionar em condições. Ou seja, tivemos de contratar mais pessoas do que aquelas que recebemos.

A gestão de recursos humanos é, numa câmara, um calcanhar e Aquiles?

A gestão dos recursos humanos é uma das grandes dificuldades da área pública no seu todo. E tem reflexos, por exemplo, na capacidade de influenciar os resultados do serviço que prestamos.

"Há processos que foram sendo retardados e que, se calhar, uma maior proximidade partidária poderia ajudar a acelerar"

É por isso que sou defensor das parcerias público-privadas, porque os mecanismos de gestão que uma parceria público-privada tem para criar estímulos para melhorar os níveis de produtividade são diferentes daqueles que eu tenho.

Eu não posso, por exemplo, atribuir um único prémio de mérito ou de desempenho a um colaborador meu, como qualquer gestor privado pode, para criar uma melhor organização. Isso acaba por ser limitador dos resultados positivos.

O que devia ser a reforma do Estado, na sua opinião?

Em primeiro lugar, olhar para as diversas entidades do Estado - central, regional, intermunicipal, municipal e freguesias -, e perceber de uma vez por todas onde deve ser alocada cada competência, quem tem a responsabilidade do quê em cada um dos territórios - e há estudos sobre isso, o mais recente do professor João Cravinho, no âmbito do processo de regionalização.

Depois, obviamente, tentar perceber o âmbito de cada uma das entidades que existem. Temos muitas vezes entidades com funções concorrenciais dentro do próprio Estado, no que diz respeito aos organismos do Estado central.

Além disso, é preciso criar mecanismos de agilização da decisão. Uma das coisas com que nos confrontamos sistematicamente é a morosidade dos processos - até nós, entidades públicas, já nem falo do comum privado ou do investidor. Tudo obriga à emissão de pareceres de uma multiplicidade de organismos que têm a tutela de determinadas matérias e isso é completamente inaceitável.

É preciso mudar a forma de contratação pública?

Sim. E voltamos ao início da nossa conversa e à corrupção; há determinadas condicionantes do ponto de vista da contratação pública que são fontes de ineficiência para a gestão dos organismos públicos, em particular das autarquias locais.

Acho que uma legislação mais ágil, mais clara do ponto de vista dos seus procedimentos, menos sujeita a suspeições desnecessárias, só traria benefícios.

"As autarquias estão a fazer mais e melhor aquilo que o Estado não estava a fazer bem"

Uma das coisas que tenho defendido é que os agentes locais possam valorizar as instituições da economia social no seu território, por exemplo, no fornecimento de determinados bens ou serviços. Mas, se puser uma cláusula destas num procedimento de contratação da câmara, sou logo interpelado pelo Tribunal de Contas, que tem muita resistência a este  e outros critérios mais flexíveis sobre questões de sustentabilidade.

A questão da contratação pública é hoje ainda uma das grandes dificuldades com que nos confrontamos, com vários outros aspetos nocivos.

Pode dar um exemplo prático?

Uma empresa pode ser uma infratora sistemática - e agora

temos este problema dos concursos que ficam desertos, que potencia o aparecimento de aventureiros, pessoas que vêm candidatar-se com preços completamente irrazoáveis -, mas não posso inibi-la de se apresentar no concurso seguinte.

"Os meus amigos socialistas costumam brincar e dizer que sou um socialista de direita"

É economista, como olha para esta questão das tarifas alfandegárias impostas por Trump o mundo, quem vai beneficiar com isto?

Na minha opinião, ninguém. Isto é uma utilização de uma ferramenta de política económica para a afirmação de um poderio político, é isto que o presidente dos Estados Unidos está a tentar fazer. Com resultados, como vimos recentemente, com a presidente da Comissão Europeia a ter uma postura não tão afirmativa como seria de desejar, não foi capaz de afirmar uma maior autonomia e independência da União Europeia - se calhar também não pode, por força das fragilidades da Europa.

Mas é a estratégia do presidente Trump, que é penalizadora para as economias globais e cria um clima de incerteza, que é a pior coisa que pode acontecer para a economia, principalmente porque não segue uma lógica fundamentada e coerente. Trump acorda de manhã e pensa uma coisa, à tarde quer outra, no dia seguinte volta atrás, tem uma postura demasiado errática para alguém poder beneficiar disso.

Os europeus, que são mais ricos quando comparados com o resto do mundo, aplicam as suas poupanças nos Estados Unidos, não na União Europeia. Como se muda isto?

Tem havido algumas iniciativas, mas são relativamente escassas, da União Europeia para tentar contrariar esse fenómeno, reforçar a capacidade industrial europeia para responder aos desafios tecnológicos, o caso mais recente é o da política da defesa, em que se exige que os procedimentos contratação e fornecimento sejam concentrados em indústria europeia e em benefício dos territórios europeus.

É um desafio enorme, temos de criar capacidade, no contexto da União Europeia, para responder a desafios globais, para sermos um player de relevo, que hoje vamos deixando de ser. Se olharmos para os principais indicadores em termos de inovação, de empresas tecnológicas, de investigação e desenvolvimento, não temos entre os maiores protagonistas europeus.

"Eu não posso atribuir um único prémio de mérito ou de desempenho a um colaborador meu. Isso acaba por ser limitador dos resultados positivos"

Podíamos, Portugal e também a Europa, estar mais à frente?

Podíamos se tivéssemos uma estratégia mais consolidada de desenvolvimento. Não inventei os recursos de Braga, peguei nos recursos que tinha, na universidade, no tecido empresarial, naquilo que era a capacidade de muitos agentes, e potenciei-os, eu e a minha equipa. A transformação que Braga teve nestes 12 anos foi porque tínhamos uma visão estratégica para cada uma das áreas, tínhamos um plano para cada uma das áreas e tínhamos a capacidade de monitorizar e verificar resultados.

Ao longo dos anos, o país não tem tido essa abordagem, não tem tido essa capacidade de ter uma visão integrada, há sempre esta lógica excessivamente espartilhada do ponto de vista partidário, do ponto de vista político, entra um governo e vai fazer quase que o contrário

do que fez o anterior.

As realidades são escaláveis, da cidade para o país, no caso?

Na minha perspetiva é escalável numa lógica de proximidade, mas até para o território nacional. Desde que haja, como houve em Braga, capacidade de criar consensos, de ter uma visão estratégica partilhada por todos.

Houve durante este período um alinhamento estratégico que é fundamental e que torna as coisas perenes para lá dos ciclos políticos. Vou deixar de ser presidente em Outubro, mas os bracarenses nunca deixarão as coisas voltar para trás, estão claramente conscientes de que este é o caminho.

Portugal, como outros Estados-membros, não tiveram essa capacidade. Mas quero notar que, se do ponto de vista da comparação com os outros Estados-membros, estamos a ficar para trás, do ponto de vista objetivo estamos hoje muito melhor do que estávamos há vinte anos. O risco  que corremos é o de desvalorizar o ganho que se teve entretanto e isso não se pode perder.

Está no Comité das Regiões. A Comissão apresentou no dia 16 o orçamento de longo prazo (2028-2034) da UE. Há menos dinheiro para a coesão. O papel das regiões e dos municípios está em risco? Porquê?

Estou no Comité das Regiões desde 2019. Mas, infelizmente, o Comité das Regiões é o parente pobre da orgânica da União Europeia, vai ter cada vez menos recursos, a orientação é essa, e não é tão valorizado do ponto de vista das instâncias decisórias, seja do Conselho, da Comissão ou do Parlamento, como são outros órgãos dentro da União.

Para mim, é impossível concretizar qualquer dos objetivos europeus sem ser com um fortíssimo envolvimento das autoridades locais e regionais e, por isso, o Comité das Regiões, ou o Comité das Cidades, como se deveria chamar, devia estar francamente mais envolvido.

O que o Comité das Regiões faz, acima de tudo, é um exercício de advocacy, ou seja, de defesa de princípios, de propostas, de valores que são importantes para as cidades.

A que frentes está mais dedicado?

Desde que assumi funções no Comité fui redator de duas opiniões sobre os objetivos de desenvolvimento sustentável e a sua concretização a nível europeu, fui o relator sobre a criação de um enquadramento favorável para o desenvolvimento da economia social e, mais recentemente, no limite do meu mandato, que terminará em Outubro, sou relator da opinião sobre a política de defesa europeia.

"A contratação pública é hoje ainda uma das grandes dificuldades com que nos confrontamos"

Sobre a defesa, Portugal não cumpre ainda os 2% do PIB para a defesa, como vai cumprir os 5%?

Este é um desafio muito, muito difícil. Primeiro, porque não é um desafio balizado no tempo, estamos a recuperar o tempo perdido.

A Europa nunca precisou de investir na defesa, achou que não precisava. E dependia do apoio dos Estados Unidos. A verdade é que a Europa no seu todo, mesmo os países Bálticos, que estão na fronteira com a Rússia, nunca se sentiram em risco. Houve, por isso, um discurso público sempre muito contrário a esta questão da defesa.

Na tentativa de que o optimismo ultrapassasse a realidade?

Exatamente. A defesa não é propriamente um setor que se possa negligenciar e, sobretudo, houve essa percepção de que no contexto da NATO os Estados Unidos viriam sempre como nosso salvador.

A partir do momento em que os Estados Unidos têm uma política mais errática e uma lógica de relações internacionais mais complexa do que no passado, a Europa tem de tomar posição. Aliás, acho que a Europa sempre devia ter tomado posição, o protagonismo internacional também se faz pela assunção dessa capacidade de liderança.

Estamos a falar de capacitar a indústria de defesa, a indústria militar europeia. Não se pode fazer isto com dois ou três anos de investimento com 4% ou com 5% ou o que for, tem de ser numa lógica contínua para criar condições para que essa indústria se construa.

Também não podemos pensar, até porque existem outras necessidades, que só vamos investir na defesa e esquecer tudo o resto, prejudicando recursos que são necessários para promover a coesão, a justiça social.

Também aí  é importante a ligação à política de desenvolvimento económico, trazer esse investimento como catalisador do desenvolvimento económico para várias regiões, ou seja, criando oportunidades de emprego e criando oportunidades de desenvolvimento da atividade económica.

Uma estratégia para a defesa em Portugal?

A nível nacional, recordo um exemplo que me pareceu extremamente pertinente, era ministro da Defesa José Pedro Aguiar-Branco, hoje presidente da Assembleia da República. Recordo-me de o ter acolhido em Braga para tentar criar junto de empresas de diversos setores uma ligação cada vez mais estreita ao setor da defesa, estamos a falar de indústrias têxteis, de indústrias metalomecânicas, de empresas informáticas.

Não há dinheiro para tudo e a União Europeia já começou a endividar-se. Alguém se lembra que é preciso pagar essa dívida?

Um dos pontos de natureza mais financeira de que falo tem que ver, precisamente, com essa questão da sustentabilidade orçamental. Como é sabido, a União abriu a possibilidade - Portugal foi um dos Estados-membros que solicitou essa prerrogativa - de ser possível ultrapassar as condicionantes de natureza financeira desde que a despesa seja alocada à defesa.

Mas isto é possível numa base circunstancial, não pode ser essa a solução para o futuro. Para países como a Itália ou a França, em que a dívida já ganha uma proporção muito significativa, estar a criar essas derrogações é alimentar a insustentabilidade financeira desses Estados. Isso também tem de ser tido em conta.

A dívida é importante desde que seja capaz de gerar retorno ou ser um processo transformador. O PRR, os planos de recuperação e resiliência a nível europeu, foram desenhados para acorrer a uma situação que se previa na altura que pudesse ser muito difícil do ponto de vista económico e do ponto de vista social (o que acabou por não acontecer na escala que se antevia).

No entanto, essas verbas do PRR aumentaram, não diminuíram.

O Comité das Regiões tem defendido junto dos órgãos comunitários, e até com muitas reservas, que o prazo limite de Junho de 2026 para a concretização dos planos é não só irrealista, porque não vamos conseguir gastar muitos dos recursos, como é claramente perniciosa do ponto de vista do benefício que vão gerar.

O que está a acontecer, na maior parte dos casos, e isto não é só um problema típico em Portugal, é que para não perderem os fundos, os Estados estão a abdicar de projetos que seriam mais estruturantes e a aplicar o dinheiro em coisas mais imediatas e que não são prioritárias.

Uma das posições que temos defendido é que a União Europeia devia claramente estender o prazo de concretização dos PRR, fazendo-os coincidir, por exemplo, com o prazo do quadro financeiro que vai até 2027. Penso que isso não está totalmente fora de causa.

"É mais barato comprar ou arrendar uma casa em Braga do que em muitos dos seus concelhos vizinhos. De Braga para o Porto a diferença é de 20% ou 30% para um imóvel da mesma natureza, estamos a falar de 30 km a 40 km de distância"

O país é, de certa forma, reflexo da forma como as autarquias gastam os fundos comunitários?

Acabamos por estar muito condicionados pelas balizas, as chamadas gavetas, que são incluídas nos planos comunitários. Ou seja, podemos ter projetos relativamente diferenciadores, mas se eles não tiverem nenhuma gaveta em que se enquadrar, o seu financiamento é mais difícil.

Por isso é que muitas vezes é mais importante acorrer diretamente a financiamentos lançados pela Comissão Europeia de forma mais aberta para projetos de mérito, do que ficarmos amarrados àquilo que são as orientações nacionais ou regionais sobre essa questão.

Mas este processo começou mal de raiz. As autarquias, que têm, apesar de tudo, sido as mais capazes de concretizar projetos, foram completamente ignoradas na formatação inicial do PRR e só foram chamadas para uma consulta pública quase de circunstância, o plano já estava estruturado pelo governo. Agora estamos sempre a tentar fazer enxertos numa coisa que nasceu mal de raiz.

Braga é uma cidade jovem, a população ultrapassou os 200 mil habitantes. Mas tem um problema da habitação, de transportes e de mobilidade.

A habitação e a mobilidade serão porventura as nossas duas maiores dores de crescimento dos últimos anos, sobretudo a mobilidade, porque a habitação nem sequer é uma questão que possa ser diretamente imputada a Braga.

Por mais que o agravamento tenha sido significativo nos anos mais recentes, em termos de custos é mais barato comprar ou arrendar uma casa em Braga do que em muitos dos seus concelhos vizinhos e nem tem comparação com concelhos da mesma dimensão a nível nacional. De Braga para o Porto a diferença é de 20% a 30% para um imóvel da mesma natureza, estamos a falar de 30 km a 40 km de distância entre as duas cidades.

Em termos competitivos, Braga ainda continua a ser atrativa, mas é obviamente uma matéria em que temos trabalhado bastante e sob duas perspetivas, a da criação de respostas que estimulem o aumento da oferta - o PDM está em fase de conclusão e vai aumentar em 25% a área construtiva -, e a da desburocratização e aceleração de licenciamentos.

Na área da mobilidade, é preciso ver que a cidade de Braga foi estruturada ao longo dos anos para estimular a utilização de veículos automóveis. As nossas avenidas são verdadeiras auto-estradas dentro da cidade, ou eram, inicialmente, onde circulava a grandes velocidades, o que permitia que as pessoas se deslocassem em cinco ou dez minutos.

Durante estes anos, temos estado a investir muito nas acessibilidades. O nó górdio que as pessoas associam a problemas de trânsito é o Nó de Infías, que esteve parado durante quase uma década na IP [Infraestruturas de Portugal], no Ministério das Infra-estruturas, com pequenos avanços. O ministro Miguel Pinto Luz, com grande empenho e com grande compromisso, já lançou o concurso para a obra, porque essa é uma obra nacional, uma via inter-municipal por onde passam mais de 100 mil carros diariamente, pouco menos do que na Ponte 25 de Abril.

Temos outra obra, também, muito importante no contexto das acessibilidades, a Variante do Cávado.

Que está atrasada.

Não é uma questão de estar atrasada, é um investimento de quase 30 milhões de euros, não temos recursos próprios, por isso temos vindo a tentar sensibilizar o Ministério das Infra-estruturas para assumir uma comparticipação no investimento, até porque vai beneficiar não apenas o município de Braga, mas também todos os concelhos adjacentes.

Foi diretor do Instituto de Mercado de Capitais. Qual a sua opinião sobre o Mercado Único de Capitais, para muitos essencial para um novo impulso da União Europeia?

Nas várias reuniões que tenho, e vou com frequência a Bruxelas, existe uma perspetiva optimista sobre aquilo que vai ser o resultado do trabalho da comissária Maria Luís Albuquerque. Porventura, alguns consideraram que teria ido para uma área que não seria das mais importantes, mas agora está a revelar-se fundamental, ao contrário do que aconteceu com a professora Elisa Ferreira, que foi para uma área [Coesão e Reformas] à partida considerava fundamental, mas que acabou diluída no contexto dos últimos anos [pandemia].

Vivemos mais um Verão cheio de incêndios. A proteção civil é uma prioridade do governo e também das autarquias ou tem sido sistematicamente deixada para trás e um dia vai ser demasiado tarde, como aconteceu com a defesa?

A proteção civil devia estar na linha da frente, o conjunto de evidências que as alterações climáticas nos vão trazendo, ora com inundações, ora com fogos, ora com temperaturas excessivas, mostra-nos isso.

E não existe na nossa sociedade ainda, em muitos dos nossos países e dos nossos territórios, uma capacidade ou até uma cultura de resiliência para acorrer a este tipo de situações, veja-se o que aconteceu com o apagão e todas as confusões que gerou. Curiosamente, quando aconteceu eu estava no Japão, em Kobe, que celebrava os 30 anos do terramoto, que destruiu uma parte significativa da cidade, mas de que hoje não há qualquer evidência, porque investiram fortíssimamente na reabilitação e em mecanismos de reação de outra natureza.

Uma das coisas que apresentaram na altura, interessantíssima, é o conjunto de ações que desenvolvem desde a infância para sensibilizar os cidadãos de quais são as práticas que têm de adotar neste tipo de situação. Estava a ouvi-los lá e a ver o que se estava a passar em Portugal e temos essa fragilidade.

Do ponto de vista das infra-estruturas, em termos de capacidade de reação a essas ocorrências da proteção civil, tal como em relação à defesa, há um larguíssimo caminho a percorrer.

O Livre propôs uma comissão de inquérito que, mais do que para encontrar responsáveis, era para discutir meios, recursos, soluções e planos de emergência para eventos que podem ser um pagão ou outra coisa qualquer. O PSD foi contra.

Aí a questão é muitas vezes a maneira como as coisas são colocadas e a percepção que se tira desse tipo de processos. Aí voltamos ao modelos de governança do território, à capacidade de envolver ou não envolver todos. Infelizmente, a nível nacional não existe essa cultura de tentar formatar soluções envolvendo diversos protagonistas. Se calhar, mais do que se chamar uma comissão de inquérito, um grupo de trabalho que pudesse olhar para essas questões e tentar produzir um relatório que definisse estratégias seria, porventura, mais interessante, não lhe associando essa dimensão do escrutínio e às vezes acaba por criar fraturas.

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O seu avô foi vereador na câmara de Braga, também pelo PSD. O poder é hereditário?

Não, não, de todo. Mas acabou por ser a pessoa que mais inspirou esta vocação para o envolvimento na atividade pública e política.

Acho que nenhuma das minhas filhas tem vontade de seguir as pisadas do pai, por mais potencial e talento que tenham. Estas coisas têm de ser, em primeiro lugar, uma convicção pessoal, quando as soluções são demasiado impostas de fora nunca resulta bem.

"A proteção civil devia estar na linha da frente [das prioridades], o conjunto de evidências que as alterações climáticas nos vão trazendo, ora com inundações, ora com fogos, ora com temperaturas excessivas, mostra-nos isso"

Era muito diferente aquilo que fazia na sua altura daquilo que podem fazer hoje os miúdos em Braga?

Não sinto uma diferença substancial. Dou-lhe este exemplo, as pessoas muitas vezes invocam a questão da liberdade e da segurança; tínhamos muito menos casas e muito menos trânsito, mas tínhamos parques para onde íamos jogar futebol com muito menos condições do que temos hoje. Em vez de relvados ou relvados sintéticos, tínhamos uns pelados em que íamos a dar uns pontapés na bola, ou íamos para os rinques de pedra das escolas, mas tínhamos uma vivência se calhar mais comunitária, uma lógica de bairro.

Morava com os meus pais e os meus avós numa zona absolutamente central da cidade, junto ao antigo hotel turismo, e os miúdos de praticamente todas aquelas ruas envolventes juntávamo-nos na casa de um, de outro, íamos buscar jogos. Hoje não existe muito essa cultura, os miúdos estão um bocadinho mais limitados no seu raio de ação, embora tenham muito mais oferta de atividades que a cidade lhes pode oferecer.

Mas acho que em certo sentido a cidade ainda mantém esse traço. Aliás, dou-lhe este exemplo: há uns tempos, uns brasileiros vieram a Braga reunir-se com um arquiteto que lhes ia fazer uma casa no Porto. A certa altura, pararam num semáforo e começaram a ver magotes de crianças a passar na passadeira: "Para onde vão estas crianças?" Acabaram as aulas e estão a ir para casa. Resposta deles: "Então é para aqui que queremos vir". Braga é uma cidade muito jovem, cheia de gente, nesse sentido acho que os mais jovens têm a vivência que tive oportunidade de ter.

Ricardo Rio
Ricardo Rio créditos: Inês Vales | MadreMedia

Como olha para a limitação de mandatos? E concorreria à câmara do Porto, por exemplo?

Não só não diria que não concorreria, como cheguei a ser desafiado por algumas pessoas de fora do partido. Aliás, só porque no primeiro dia do ano tomei um banho na Praia do Cabedelo, em Viana do Castelo, à qual tenho ligações afetivas muito grandes - passei lá férias durante muitos anos -, acharam logo que eu estava a posicionar-me como candidato à câmara de Viana. Hoje não podemos tossir que corremos o risco de acabar candidatos a alguma coisa.

A verdade é que não tenho nenhum juízo negativo sobre isso. Sou defensor da limitação de mandatos no contexto em que ela é aplicada, ou seja, naquele concelho. A limitação de mandatos não é em relação à capacidade e à natureza do exercício do cargo, é no sentido de salvaguardar a renovação dentro de um determinado órgão.

Neste sentido, até acho que a limitação de mandatos deveria ser estendida a outros setores da sociedade: deputados, membros do governo deviam ter exatamente as mesmas limitações que, curiosamente, só os presidentes de câmara e o presidente da República têm no nosso país.

Isso não inibe alguém que ainda por cima tem experiência num determinado setor de o poder fazer, se os eleitores o entenderem, noutro concelho vizinho, nomeadamente.

Entrou cedo para o PSD. Isso dá-lhe uma visão parcial das coisas, impede-o, de alguma forma, de ter uma visão mais global?

Não. Mesmo nas minhas relações pessoais, os meus amigos socialistas costumam brincar e dizer que sou um socialista de direita, os meus colegas de partido acho que eu sou demasiado alinhado com temas mais da sustentabilidade, das responsabilidades sociais, da cultura, que muitas pessoas conotam com o centro-esquerda - embora seja errado. Mas sinto-me independente, não me sinto vinculado a uma doutrina.

"A limitação de mandatos deveria ser estendida a outros setores da sociedade: deputados, membros do governo deviam ter exatamente as mesmas limitações que, curiosamente, só os presidentes de câmara e o presidente da República têm"

Os partidos são agências de emprego ou é propaganda falsa?

Não, não acho que sejam agências de emprego. E digo mais, não deixa de ser curioso que quem acaba por fazer esse tipo de críticas seja quem na volta eleitoral seguinte, quando muda o resultado, toma essas decisões.

Nisso sou muito pragmático: na administração pública, seja central, seja local, há determinadas posições que deviam ser tipificadas, à partida, como de responsabilidade política, até para que as entidades onde estão possam corresponder àquilo que são os desígnios estratégicos de quem está no governo num determinado momento.

Porque também acontece que o aparelho do Estado, central ou local, pode funcionar como força de bloqueio para a concretização de certas políticas, o que também não é aceitável. Portanto, não se trata de distribuir jobs for the boys, trata-se de identificar na administração as funções que são de confiança política.

Marques Mendes é a escolha certa para presidente da República?

Sim, penso que neste momento, entre os candidatos que já se apresentaram, é aquele que reúne melhores requisitos pessoais e políticos para assumir essa função. Outro que poderá posicionar-se e reunir condições é o meu colega e vizinho Rui Moreira, uma pessoa com um perfil muito interessante. Mas acho que um candidato tem de ter não só a oportunidade como a vontade, e penso que Marques Mendes se posicionou e está a fazer um caminho, o que não acontece com Rui Moreira.